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O futuro que as mulheres herdarão

publicado: 08/03/2023 13h43, última modificação: 08/03/2023 13h43
A luta coletiva das mulheres na atualidade sinaliza para as transformações que serão sentidas pelas futuras gerações
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Mulheres projetam que as lutas travadas serão fundamentais para gerar um mundo menos hostil e mais acolhedor para o gênero feminino nas próximas décadas. Foto: Freepick - Foto: Freepick

por Nalim Tavares*

Mudar o mundo não é um simples sonho — é uma possibilidade complexa que, pouco a pouco, se torna real, impulsionada pela força, coragem e atitudes daqueles que desejam a mudança. O processo não é rápido ou fácil, mas as batalhas são coletivas e, diante da dificuldade, podemos segurar a mão de quem está ao nosso lado. É assim que, ao longo das décadas, as mulheres têm lutado por um mundo mais seguro e igualitário: juntas, contando com o apoio, a bravura, e a vontade de construir um mundo melhor para si, umas para as outras e para as futuras gerações.

No livro “Sejamos Todas Feministas”, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie escreveu que, “a pessoa mais qualificada para liderar não é a pessoa fisicamente mais forte. É a mais inteligente, a mais culta, a mais criativa, a mais inovadora. E não existem hormônios para esses atributos. Tanto um homem como uma mulher podem ser inteligentes, inovadores, criativos. Nós evoluímos. Mas, nossas ideias de gênero ainda deixam a desejar.” Isso porque, de geração em geração, as mulheres foram conquistando espaços, no entanto, ainda hoje, precisam lutar para garantir a efetivação dos seus direitos.

Prestes a se tornar mãe, a designer paraibana Gabriela Machado, de 27 anos, conta que não há nada que deseje mais do que um mundo melhor para a filha Marcela, que nascerá no próximo mês. “Acho muito triste que, ainda hoje, toda mulher tenha passado por alguma situação de violência. Que tenha sido importunada, silenciada, menosprezada, tratada como se soubesse menos ou como se não merecesse estar em um lugar que trabalhou tanto para conquistar. Um lugar que ela merece ocupar”, diz. “Sempre fiz o melhor possível, principalmente, por mim, mas também por todas as mulheres que vieram antes, e lutaram para que eu pudesse estar aqui hoje. E, agora, luto ainda mais pensando na geração da minha filha, nas mulheres que virão depois de mim, porque quero que toda menina cresça em um mundo melhor que o meu, mais livre, seguro, igualitário e justo.”

Educação será fundamental para respeito às diferenças

Para a professora Glória Rabay, do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulher e Relações de Sexo e Gênero da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o movimento das mulheres é um movimento vitorioso e, talvez, o mais vitorioso do século XX. “Foi um movimento que mudou a cultura de várias gerações. Se a gente olhar para as mulheres no começo e no final do século, somos capazes de reconhecer que houveram revoluções na cultura, na economia, na educação, tudo em virtude das mudanças promovidas pelo movimento feminista”.

Apesar disso, a professora explica que muitas lutas antigas permanecem atuais. “Nós ainda não conquistamos a equidade no mundo da política, a equidade na organização e divisão do poder. Nós somos vítimas de violência, constantemente, em todos os ambientes, e particularmente no ambiente doméstico”, elucida a pesquisadora. “Nós ainda não gerimos o nosso próprio corpo, de maneira que não definimos, não decidimos sozinhas, a partir da nossa consciência, dos nossos desejos, por exemplo, a respeito da maternidade.”

Aprender a respeitar o outro é parte fundamental da solução desses problemas. Segundo Glória, “precisamos promover mais profundamente um processo educativo que leve as crianças, as novas gerações, a compreenderem a questão do respeito às diferenças e à opinião divergente. Somos diferentes, mas não podemos ser tratadas como desiguais”. Por isso, para a professora, as escolas, famílias, igrejas, mídia e demais canais de comunicação não podem ser omissos a respeito das relações de gênero, e precisam assumir o compromisso de educar a sociedade a respeito da democracia e igualdade dos direitos.

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Glória Rabay aponta feminismo como movimento vitorioso. Fotos: Arquivo Pessoal

Dentro da UFPB, existe o Comitê de Políticas de Prevenção e Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (CoMu), que atende às mulheres que estudam, trabalham e convivem na universidade. A CoMu compõe a Rede Estadual de Atenção às Mulheres, Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Doméstica e Sexual (REAMCAV) da Paraíba, presidida pela Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana, e da qual fazem parte uma série de órgãos e equipamentos do Estado. Além de acompanhar e acolher mulheres vítimas de violências físicas, morais ou psicológicas, o comitê também desenvolve ações, como palestras e diálogos dentro da faculdade, a fim de prevenir qualquer tipo de agressão.

A coordenadora da CoMu, Lis Lemos, aponta a educação como o principal pilar das lutas por um futuro melhor para as mulheres no Brasil. Segundo ela, precisamos de “novas formações e de uma nova educação, não só que contemple, mas que valorize a vida das mulheres. De mulheres negras, mulheres periféricas, mulheres trans, mulheres indígenas e mulheres idosas. É a estruturação de movimentos e políticas sociais que pode construir novas ideias e novos debates.”

Nos últimos quatro anos, o Governo Federal, em seu mandato passado, promoveu um “desfinanciamento” das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. No ano passado, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou uma nota técnica, mostrando que, em 2022, ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década.

A secretária de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Lídia Moura, explica que, “sem recursos financeiros, materiais e humanos, não se faz política pública. Aqui na Paraíba, nós enfrentamos o cenário dos últimos quatros anos alocando recursos próprios para o enfrentamento à violência contra as mulheres, e mantivemos todos os serviços funcionando, incluindo a ampliação do funcionamento do Programa Patrulha Maria da Penha, em plena Pandemia do Covid-19.”

Na opinião de Lídia, um dos maiores desafios atuais é garantir que as mulheres se sintam seguras para denunciar as violências. Falar a respeito é preciso, e garantir uma rede de apoio e proteção é essencial. A secretária sente que “imaginar como as coisas podem ser melhores é fundamental para transformar o mundo ao nosso redor, para pensar em estratégias e entender que caminho tomar para alcançar um mundo mais justo e seguro para todas as mulheres.”É por isso que, enquanto espera a chegada da filha Marcela - nome escolhido por significar “jovem guerreira” - Gabriela Machado sonha. “Sonho com um mundo melhor, sim. Mas esse sonho não é uma fantasia. É o tipo de sonho que impulsiona a ação, que me faz enxergar as diferenças e querer, de fato, mudar o mundo. Quando a minha filha crescer, ela vai encontrar um mundo marcado pelas lutas da minha geração. E talvez ela tenha uma mente mais aberta do que eu, e enxergue problemas que eu ainda não enxergo”, projeta.

“A Marcela vai nascer em um mundo que vai ser, de alguma forma, diferente do meu. Assim como eu nasci em um mundo diferente do da minha mãe. E é isso que eu deixo para a minha filha e todas as meninas que virão junto e depois dela. Deixo meu esforço, minhas lutas e meus sonhos, e espero que ela seja forte, gentil, e que lute também”, Gabriela relata. “O mundo em que cresci me permitiu ser quem sou hoje, questionadora, estudiosa, determinada. O mundo que eu e as minhas vamos deixar para as nossas filhas, independente de qualquer coisa, vai carregar essa certeza: toda mulher é forte, inteligente e capaz, e pode e merece estar no lugar que quiser. Por conta própria, somos incríveis e, juntas, podemos fazer qualquer coisa”, finaliza.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 8 de março de 2023.