por Sara Gomes*
“A casa ficou literalmente maior, o silêncio evidenciou o ninho vazio. Ficou apenas eu e meu marido. Era como se estivesse faltando alguma coisa”. Esta sensação é chamada de Síndrome do Ninho Vazio, que se caracteriza pelo período em que os filhos saem de casa para trilharem seus próprios caminhos, momento esse que pode ser de extremo sofrimento para seus pais, que em sua maioria se encontram na terceira idade.
Verônica Luna, 71 anos, tem uma única filha e como era de se esperar era o centro de tudo. Ludmila Medeiros, 38 anos, começou a namorar aos 19 anos, mas um ano depois engravidou do seu primeiro filho Felipe, hoje com 17 anos.
O casal continuou morando com Vera, pois ainda era muito jovem. Depois de um tempo, Ludmila iniciou a universidade e precisava do apoio dos pais para continuar o curso.
“Foi um tempo muito bom, a casa ficou alegre com a presença de um bebê. Todos os dias era uma nova descoberta”, lembrou. Como Vera já estava aposentada, apoiava a filha no que fosse preciso. “Guardo as melhores memórias desse tempo”, complementou.
Após 11 anos, Ludmila e o esposo compraram o próprio apartamento. “A saída da nossa casa tinha um grande significado. Afinal, eles tinham amadurecido e estavam muito mais preparados para enfrentar a vida”, afirmou.
Apesar de estarem felizes com a conquista da filha e genro, os primeiros dias foram bem difíceis A casa ficou literalmente maior, o silêncio evidenciou o ninho vazio. “Ficou apenas eu e meu marido. Era como se estivesse faltando alguma coisa”, descreveu.
Mas como Verônica sempre foi uma pessoa otimista, passou a ver o lado bom. “Eles estavam felizes na casinha deles, mas como os bairros são próximos facilitou a nossa convivência”, contou.
Na vida tudo é uma questão de perspectiva. A família de Verônica ficou preocupada com a possibilidade de ela ficar depressiva com a saída da filha pois sabiam do seu cuidado e carinho. Mas como ela tem uma vida bem ativa aos poucos foi preenchendo o tempo. “Antes de tudo sou cristã. Na época ajudava nas atividades da igreja e isso me ajudou muito. Também gosto de assistir filmes e séries e cultivar plantas”, pontuou.
Faz seis anos que a filha e o genro saíram da casa de Verônica. Depois de dois anos instalados no apartamento, Ludmila engravidou de Isadora, que hoje está com quatro anos. “Em dezembro chega o neto Davi. Eles são o motivo da minha alegria e do meu afeto”, concluiu.
Como a pessoa idosa convive com a sensação de não ter mais tanto tempo de vida, lidar com a perda “simbólica” dos filhos é algo muito difícil. A psicóloga Danielle Azevedo alerta que a Síndrome do Ninho Vazio, habitualmente, é algo pontual. “Ela possui uma hora certa para findar. Sua duração se estende no instante da separação até o estabelecimento de uma nova ordem familiar”, elucidou. Se a Síndrome do Ninho Vazio ultrapassar este tempo, é hora de procurar atendimento psicológico.
O que fazer para amenizar o impacto da saída dos filhos? A psicóloga aconselha os filhos a anunciar a saída com antecedência. “O planejamento faz parte da vida do ser humano, estruturar essa despedida vai ser interessante porque os pais estarão um pouco mais preparados. Essa fase vai ser vivida de maneira mais saudável, do que lidar com um rompimento brusco”, aconselhou.
Há 10 anos, a funcionária pública Sônia Castro, 65 anos, também vivenciou a Síndrome do Ninho Vazio. Quando seu único filho, Leonardo Freitas, 35 anos, tomou a decisão de se mudar para o Canadá com a ex-namorada. Sônia relembra que foi um processo difícil, pois os dois sempre foram muito ligados. Ao mesmo tempo reconfortante por saber que ele estava em um país mais seguro que o Brasil.
“Eu sentia muita falta, mas fiquei tranquila por saber que ele estava em um país mais seguro. Leonardo sempre confiou muito rápido nas pessoas, isso me preocupava como mãe”, contou.Apesar da saudade, Sônia reconhece que morar em outro país foi fundamental para o amadurecimento do filho. “Quando ele morava aqui, eu ajudava no que fosse preciso. Depois que ele foi morar em outro país, o amadurecimento foi consequência”, contou.
Sônia procurou compensar a saudade do filho preenchendo o tempo com atividades que a fazem bem, “Nas horas vagas, frequento o centro espírita ajudando em trabalhos voluntários. Outra atividade que me ajudou muito a lidar com a saudade foi a conexão com a natureza. Sou louca por cachoeira e mar, se pudesse viveria no mato”, brincou.
Dez anos depois, Sônia reencontrou o filho e conheceu o neto Davi, de três anos. “Meu filho passou um mês no Brasil. Durante este tempo voltei a ser aquela mãe coruja, que cuida incondicionalmente do filho”, contou. Quando se aposentar, Sônia pretende ficar uma temporada no Canadá. “Se eu me adaptar, talvez fique lá. Quero acompanhar o crescimento do meu neto”, concluiu.
Quando os filhos se tornam adultos e começam a lutar por sua independência financeira, os pais acabam não sendo prioridade naquele momento e, sim, o sonho dos filhos.
“Os pais querem que os filhos criem asas e realizem seus sonhos, mas também não querem que os filhos ‘o abandone’. É natural este sentimento de contradição”, ponderou.
É preciso construir novas formas de viver a vida
A psicóloga Cássia Freitas pontua que a Síndrome do Ninho Vazio sempre existiu, mas no Brasil esse rompimento se torna mais doloroso. Em outros países, os filhos deixam os lares bem mais cedo.
“Nos Estados Unidos, o jovem com 18 anos é convidado a sair da casa dos pais, entretanto é uma saída planejada. Já no Brasil é mais comum que os filhos continuem dividindo com os pais”, comparou.
Quando os filhos saem de casa é comum sentir tristeza e sensação de vazio, porém, a psicóloga elucida que o vazio pode estar relacionado a própria vida. “É nesse momento que começa os questionamentos do que deixou de fazer, qual sonho abdicou. A dedicação na vida dos filhos foi tão intensa que deixou de investir na própria vida”, declarou.
Quando os pais, principalmente idosos, percebem que não estão mais vivendo a vida do outro, a abordagem Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) pode ser uma alternativa para reconstruir perspectivas de vida. “Trabalhar no paciente novos projetos, ressignificando novas formas de viver sua vida”, concluiu.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 10 de setembro de 2022.