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Há um consenso entre os estudiosos de que a ocupação do chamado Brasil-holandês no Nordeste deixou poucas contribuições no território paraibano

Paraíba holandesa, sim senhor?

publicado: 19/12/2022 10h40, última modificação: 29/12/2022 16h13
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- Foto: Ilustração: Tônio

por Juliana Cavalcanti*

 

A Capitania da Paraíba foi a última área conquistada durante a invasão holandesa e aconteceu após três ataques da Companhia das Índias Ocidentais (WIC). Os holandeses chegaram primeiro em Pernambuco, em 1630, e quatro anos depois invadiram a Paraíba.

O território do chamado Brasil-holandês ia de Sergipe até o Maranhão e a gestão da Companhia das Índias Ocidentais no Nordeste brasileiro foi de 1630 a 1654. Na Paraíba, durou aproximadamente 20 anos (de 1634 a 1654). No entanto, é um consenso entre muitos estudiosos desse período histórico o fato de que a ocupação holandesa deixou poucas contribuições no território paraibano, pois a maior parte dos investimentos eram destinados a Recife (PE), que era a sede do governo holandês no país.

De acordo com o mestre em História e professor Leandro Oliveira, o interesse da Companhia no Nordeste era obter lucro com o açúcar e não investir em outros negócios ou no desenvolvimento da capitania. Assim, as riquezas geradas pelos engenhos foram todas para a Companhia ou ficaram com os senhores de engenho.

Além disso, as obras públicas realizadas pelos holandeses eram principalmente para a defesa militar e melhorias no porto, pois era onde as caixas de açúcar eram embarcadas. “A gestão dos holandeses não foi inteiramente ruim, pois ela não prometeu melhorias para a população, condição essa que parte dos moradores aceitou o governo holandês, mas outra se recusou”, aponta o professor.

Ele destaca que a cultura holandesa praticamente não deixou influências na Paraíba: a língua não deixou vestígios no idioma local (a maior parte da população não aprendeu a falar o holandês); as crenças calvinistas(holandesas) foram substituídas pelo catolicismo (dos portugueses) com a saída dos invasores; a organização político-administrativa foi trocada pela portuguesa como era antes; e os costumes holandeses quanto a culinária, o modo de se vestir e comportamento não foram absorvidos pelos habitantes locais.

Conforme o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), uma das versões conhecidas por pesquisadores é que existia uma aversão à cultura holandesa, pois os moradores locais os tratavam como pessoas que não acreditavam em Deus. Um dos poucos traços da cultura holandesa no Nordeste lembrado pelos historiadores é o pão brote, cujo nome é derivado de “brute”, que era o pão holandês. E o termo “brote” foi incorporado ao vocabulário nordestino.

Em relação à genética, o pesquisador Leandro Oliveira observa que ainda hoje é possível encontrar paraibanos com cabelos louros claros e olhos azuis. No entanto, é um legado genético pequeno, pois os holandeses em geral evitavam se casar com os habitantes locais. “Os soldados e funcionários eram realocados, passando apenas alguns meses ou até três anos numa localidade e enviados para outra área ou encaminhados de volta à Europa. Poucos holandeses decidiram permanecer no Brasil e constituir família”. No seu apogeu (1637-1644), o Brasil-holandês era comandado por Maurício de Nassau que, em sua expedição, além de soldados para a guerra e técnicos para os engenhos e produção do açúcar, trouxe também médicos, cientistas e pintores para registros de suas obras, fauna, flora, negros e índios da região. Os artistas que vieram junto com esse governador produziram as primeiras imagens da natureza, dos indígenas negros e também de cidades do Brasil-holandês, principalmente a capital pernambucana, Recife.

Reformas e relatórios

O Grupo de Pesquisa em História do Brasil-holandês pertence ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) e estuda temas relacionados a esse período histórico. O jornalista, escritor e pesquisador Ademilson José é um dos integrantes do grupo e autor de dois romances que incluem o período do chamado Brasil-holandês: ‘A Baía que Traíu Portugal’ e ‘Sanhauá’.

De acordo com o escritor, a presença holandesa na Paraíba e em Pernambuco apresenta diferenças significativas, especialmente em relação as contribuições, já que Recife foi o local com a maior parte das heranças, especialmente na arquitetura. Os holandeses preferiram Recife para a sede do governo do Brasil-holandês devido ao seu terreno plano (mais parecido com a Holanda).

Em Recife foi construída a primeira ponte do país, além de ruas calçadas, saneamento, estradas, palácios, igrejas (da religião calvinista/protestante), jardins com plantas importadas e monumentos até então inéditos. Também houve investimentos em coleta de lixo e bombeiros, além da inauguração do Jardim Botânico, Museu Natural e Jardim Zoológico.
No caso da Paraíba, a capital que se chamava Felipeia (homenagem ao rei Felipe da Espanha), recebeu o nome de Frederica (homenagem ao príncipe Frederico de Orange). Segundo o escritor, um dos exemplos de ações holandesas na Paraíba foi a reforma na Igreja de São Francisco, onde funcionava o governo holandês na capitania, mais especificamente na parte do convento. Nesse espaço, os holandeses reformaram apenas o seu exterior, construindo um muro e trincheiras, onde canhões foram posicionados para proteger a sede do governo. Porém, o trabalho não deixou vestígios.

Outra reforma aconteceu por determinação de Maurício de Nassau na Fortaleza de Santa Catarina (em Cabedelo) que, após esse trabalho, ganhou o nome de Forte de Margarida. No entanto, as mudanças sumiram com o tempo, pois a fortificação foi reformada várias vezes. A atual versão já é resultado das obras realizadas no século 18. Da estrutura que os holandeses construíram, entre 1638 e 1640, hoje somente se tem conhecimento de um túnel.

Ocorreu ainda uma mudança no antigo Porto do Varadouro, cujos armazéns já foram todos derrubados e, após a saída dos holandeses, o local foi urbanizado, tem casas, além da vegetação no Porto do Capim. No entanto, Ademilson José lembra que a maior contribuição do período holandês na Paraíba não está relacionada a obras, mas sim aos relatórios feitos por dois governadores holandeses.

Um deles foi Elias Herckmans, que produziu um documento sobre a Capitania da Paraíba, descrevendo sobre a flora, a fauna, índios, frutas, as condições da terra e o preparo da terra para a produção de açúcar (o maior interesse dos holandeses). Esse trabalho intitulado ‘Descrição Geral da Capitania da Paraíba’ é de 1639 e possui inclusive informações sobre os costumes da época desde o Litoral até Areia, mesmo que demonstrando preconceito com os indígenas e africanos.

Outro documento é o ‘Relatório Sobre a Capitania da Paraíba’, do ano de 1635: descrição feita por Servaes Carpentier, que também foi governador na Paraíba. O relatório tratava sobre a natureza, moradores, engenhos, fortificações, dentre outros aspectos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de dezembro de 2022.