“Qualquer ataque seria um crime contra a humanidade.” A frase do paraibano João Aguiar, integrante da Global Sumud Flotilla (GSF), ajuda a dimensionar a tensão que marcou a tentativa da missão humanitária de chegar a Gaza ontem. Mais de 500 ativistas participavam da travessia, levando alimentos e medicamentos para a população palestina. De acordo com o Flotilla Tracker, plataforma que acompanha em tempo real o deslocamento dos barcos, até o início da noite de ontem, 28 das 42 embarcações haviam sido interceptadas pela Marinha israelense e outras 13 constavam como “supostamente interceptadas”, incluindo o barco em que Aguiar estava, o Mikeno.
A reportagem tentou contato com o paraibano ao longo de toda a quinta-feira (2), data estimada para a chegada da flotilha a Gaza, mas não obteve resposta. A última atualização do Mikeno no sistema foi às 8h21 da manhã, a apenas um quilômetro do território palestino. Desde então, não houve novas informações sobre sua posição nem comunicação com os tripulantes. No Instagram, a GSF postou imagens do Mikeno sendo abordado pela Marinha israelense com jatos de água. Entretanto, o nome de João Aguiar não constava, até início da noite, nas listas oficiais de capturados.
Em vídeo postado nas redes sociais, uma das coordenadoras da GSF e irmã de João, Letícia Aguiar, conta que a embarcação estava sendo monitorada até a noite do dia 1o, quando um navio israelense começou a direcionar aos tripulantes jato de água fria e fétida para que parassem a navegação, o que não foi seguido. Desde então, perderam os contatos visual, por internet e por GPS.
“A gente entende que estão desaparecidos e a gente está se comunicando com o governo brasileiro, pressionando a embaixada para que a gente tenha a resposta do governo terrorista de Israel sobre o paradeiro dele”. Além de Aguiar, até o fim desta edição, encontrava-se desaparecido também o brasileiro Miguel de Castro, que estava a bordo do barco Catalina.
Bloqueio na região
Após a operação, a imprensa internacional chegou a noticiar que o Mikeno teria sido o único barco a romper o bloqueio israelense e alcançar Gaza. Nas redes sociais, a mensagem que circulava era de que a população palestina havia recebido a tripulação com festa. Essa versão, entretanto, foi rapidamente desmentida por Israel, que afirmou que nenhum navio conseguiu atracar em Gaza e que todos os passageiros estão sendo levados ao porto de Ashdod para serem deportados. Entre os mais de 178 ativistas já detidos, estão 12 brasileiros, entre eles a deputada Luizianne Lins (PT-CE) e o militante Thiago Ávila. Para as organizações humanitárias envolvidas na missão, a operação é ilegal por ter ocorrido em águas internacionais e representa mais uma violação dos direitos fundamentais.
Cenário de tensão
A cena a bordo das embarcações confirma a gravidade do episódio. Transmissões ao vivo mostraram passageiros com coletes salva-vidas, de mãos erguidas, antes de jogarem os celulares ao mar para evitar a apreensão dos aparelhos. Israelenses, por rádio, advertiam que os barcos entravam em “zona de combate” e ordenavam a mudança imediata de rota. Também foram relatados o uso de canhões de água contra as embarcações e a presença de militares fortemente armados durante as interceptações.
João havia antecipado esse cenário em entrevista ao jornal A União. Antes mesmo da aproximação a Gaza, ele já falava do risco iminente de interceptação. “Fomos muito treinados para esses momentos, desde a preparação contra tempestades até a prática da não violência. Nossa cabeça está blindada, sabemos que estamos protegidos pelas leis internacionais”, afirmou. Segundo ele, nos últimos dias, a flotilha estava continuamente sendo rondada por barcos israelenses, situação que deixava a tripulação sempre em alerta. O paraibano lembrou ainda que a missão foi cuidadosamente organizada para não ser violenta e que seu único objetivo era levar ajuda concreta a Gaza. “Estamos transportando toneladas de medicamentos, alimentos e até impressoras 3D para próteses de crianças feridas”, disse.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de Outubro de 2025.