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Com a chegada da solidão e o envelhecimento, os amigos de verdade fazem falta e deixam um vazio na vida dos idosos

Perda de amigos: sentimento de finitude define luto

publicado: 13/06/2022 09h27, última modificação: 13/06/2022 09h29
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Foto: Roberto Guedes

por Sara Gomes*

O mestre Gonzaga Rodrigues, 90 anos, tem falado cada vez mais da solidão que é envelhecer e perder amigos. Ele sempre fala que há mais gente esperando por ele lá em cima, do que pessoas da sua geração. É um tom de brincadeira, mas reflete a tristeza enfrentada pela maioria das pessoas que chegam aos 70 anos ou mais. Afinal, amigos de verdade fazem falta e deixam um vazio na vida de quem permanece.

Não é à toa que existe aquele ditado bíblico “Há amigos que são mais chegados que irmãos”. Geralmente são amizades de longa data, que conheceram na infância, universidade, em uma mesa de bar ou até de maneira inusitada.

O ponto de Cém Réis é conhecido como um ponto de encontro de velhos amigos. Antes da pandemia, eles se reuniam religiosamente para jogar dama, conversar tomando um café, beber uma cerveja ouvindo músicas que lembram a juventude ou até apostar na loteria juntos. Mas há algum tempo esse lugar de afetos, onde a história da cidade permanece viva, já não é mais o mesmo.

O sapateiro Valdeci Pereira, 71 anos, fala saudoso dos amigos que partiram. “Perdi muito amigo para o alcoolismo, mas Joel era meu melhor amigo, faleceu de AVC ano passado, mas desconfio que também teve Covid-19. Tínhamos mais de 30 anos de amizade”, disse. O sentimento, segundo ele, é que pode ser o próximo da vez. “Eu pensei que ia morrer com a mesma idade que meu pai, aos 60 anos. Passar de 70 anos no Brasil já é lucro”, brincou.

A psicóloga Simone Lira, especialista em luto, explica que quando um idoso recebe a notícia que um amigo ou familiar da mesma faixa etária partiu, acaba nutrindo aquela sensação que a sua hora está próxima. “É nessa hora que tomamos consciência sobre a finitude da vida”

O aposentado Geraldo Ribeiro, 71 anos, perdeu a mãe e dois irmãos ao longo da vida. O irmão Irenaldo foi sua perda mais recente, vítima de Covid-19. Eles eram tão unidos que o aposentado o considerava seu melhor amigo. “O irmão mais novo morreu de Aids, aos 35 anos. Minha mãe faleceu de ataque cardíaco. É uma dor que nunca cessa, apenas ameniza com o tempo. Lembro deles todo dia”, disse com a voz embargada e o olho cheio de lágrimas.

Perda de referências com avanço da idade

A colunista do Jornal A União, Ana Adelaide Peixoto, 68 anos, assistiu um vídeo de uma senhora de 90 anos que falava sobre o sentimento de perda de referências, tanto de familiares quanto de amigos, com o avançar da idade. Esse relato serviu de inspiração para escrever a crônica Diminutivos, fazendo-a lembrar de sua mãe Terezinha Peixoto, falecida aos 93 anos.

Sua mãe ficou viúva muito jovem, aos 67 anos, mas não deixou de aproveitar a vida em sua plenitude. “Ela teve uma vida cultural preenchida. Gostava de sentar na calçadinha da praia, assistir ao concerto às quintas-feiras e era frequentadora assídua do cinema, mas também apreciava o conforto de seu lar, fazer crochê e boas leituras. Mamãe sempre foi muito independente”, relembrou. No entanto, Terezinha sempre se queixava sobre a ausência de amizades da sua faixa etária. “As amigas da juventude ou já tinham morrido, estavam com Alzheimer ou acamadas”, disse.

Ana Adelaide Peixoto comenta sobre a dificuldade de manter amizades à medida que as pessoas envelhecem. “A disponibilidade para encontros diminui, pois cada indivíduo tem seus compromissos, além das limitações naturais da idade”, contou. Fazer novas amizades também é um desafio na maturidade. “Quando você fica mais velho, torna-se difícil construir novas amizades. Todos já têm suas famílias, amigos, grupos sociais e idiossincrasias”, concluiu.

Dinâmica familiar influencia na solidão

O sentimento de solidão vai depender do estilo de vida do idoso. Muitos estão inseridos em grupos de terceira idade, buscam um estilo de vida mais saudável, encontrando alternativas para essa fase da vida. No entanto, a psicóloga Simone Lira, elucida que a dinâmica familiar tem influência direta sobre as queixas de solidão. “Vai depender de como essa família insere ou não o idoso em seu cotidiano”, afirmou.

Quando alguém querido morre, os familiares do idoso preferem não comunicar na tentativa de poupá-lo do sentimento de luto, porém a psicóloga Simone Lira alerta que omitir pode significar retirar a autonomia do idoso.

“É preciso ter uma comunicação verdadeira com o idoso sobre o que está acontecendo com esse ente querido, desde casos de adoecimento até a comunicação do óbito. Caso o ente querido venha a óbito, ele deve ter o direito de manifestar desejo de participar dos rituais fúnebres, caso julgue necessário”, concluiu.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 11 de junho de 2022