Notícias

No dia a dia, o aparelho é utilizado como mecanismo de auxílio na vida pessoal e como ferramenta de trabalho

Pessoas mais conectadas e dependentes do celular

publicado: 17/10/2021 08h00, última modificação: 20/10/2021 09h12
Bianca-Feliciano_Uso-Celular_Arquivo-pessoal.jpeg

Para Bianca, a praticidade que o celular proporciona é um dos fatores mais importantes - Foto: Foto: Arquivo Pessoal

por Beatriz de Alcântara*

 

O primeiro aparelho celular chegou ao Brasil no início da década de 1990, há cerca de 30 anos. Na época, ele continha apenas sete dígitos em sua tela e pequenos alertas do sistema. O modelo era um Motorola PT-550 e ficou conhecido como “tijolão” devido ao seu peso – o apelido acabou pegando entre outros modelos mais antigos. Anos e evoluções digitais depois, atualmente existem diversos modelos de telefones móveis que se adequam às necessidades dos indivíduos e possuem cada vez mais recursos.

No dia a dia, há quem utilize o celular como mecanismo de auxílio na vida pessoal, como ferramenta de trabalho e quem precise do aparelho para as duas coisas. A idosa de 64 anos, Luiza Paiva, empreende e usa o celular – e as redes sociais – para divulgar seu trabalho e entrar em contato com seus clientes. Entretanto, além disso, a tecnologia também serve como forma de aproximação da família que se distribui por outros estados brasileiros.

“Acordo, olho a hora e as notificações, passo um tempo olhando as redes sociais e vídeos, converso com amigos e familiares, assim é a minha rotina diária com o celular”, disse. A necessidade de Luiza em estar conectada surgiu a partir do momento em que percebeu os benefícios que o online trariam ao seu negócio e também para estar em contato com as pessoas que gosta. As ligações são formas da idosa se sentir mais próxima das irmãs que moram em outros estados e regiões e a internet encurtou distâncias.

Luiza-Paiva_Uso-Celular-arquivo_pessoal1.jpeg
Luiza Paiva usa o celular para divulgar seu trabalho e entrar em contato com seus clientes

As ferramentas do celular como câmera, calculadora e relógio também são funcionalidades que potencializam a utilização do aparelho, bem como os aplicativos de serviços. Apesar de ter dificuldades em fazer compras e baixar aplicativos que seriam úteis para si, Paiva ressalta que o celular lhe proporciona inúmeros benefícios, “como manter contato com as pessoas, conhecer lugares, lojas, adquirir algo que precise como comida, objetos ou serviços”, listou.

"Acordo, olho a hora
e as notificações, passo
um tempo olhando as
redes sociais e vídeos, converso
com amigos e familiares,
assim é a minha rotina
diária com o celular"

Assim como Luiza Paiva, a jovem de 25 anos, Bianca Feliciano, conta que utiliza o celular como parte funcional de seu trabalho, mas que a maior parte do tempo em que está usando o aparelho é com o acesso às redes sociais. Conectada quase 24 horas por dia, o celular acaba sendo uma “mão na roda” durante a rotina. “Utilizo para saber a hora que o ônibus vai passar pela parada, para organizar os cronogramas semanais com meus compromissos, etc. Antigamente era tudo em agenda de papel, hoje consigo organizar por uma agenda digital no notebook e melhor ainda, pelo celular”, explicou.

O maior problema no relacionamento de Bianca com o celular é justamente a dificuldade de ficar off. “Às vezes precisamos de um tempo para esfriar a cabeça, mas simplesmente não consigo deixar de lado. A minha mente acaba que não descansa em momento algum. Estou sempre conectada. Me forço a largar para dormir, senão acabo perdendo horas e horas nas redes sociais sem ver o tempo passar”, comentou a jovem.

Para Bianca, a praticidade que o celular proporciona é um dos fatores mais importantes. Com o acesso às funcionalidades na palma da mão, fica fácil incluir os compromissos dentro da rotina de trabalho de dez a 12 horas por dia. “Não preciso enfrentar filas de bancos ou dar telefonemas para agendar uma consulta médica. Posso fazer compras pelo aplicativo num supermercado. Acredito que como tudo se otimizou em aplicativos, tudo ficou ao alcance da minha mão e atendendo a realidade que eu levo”, justificou.

Na contramão de quem utiliza o celular em quase todos os momentos do dia, seja para as atividades da vida pessoal ou da profissional, a bióloga Grace Barbosa, de 34 anos, tenta moderar os acessos. “Na maior parte do tempo, utilizo o celular para suas funções mais elementares: ligar e enviar mensagens, mas também me beneficio da praticidade dos demais aplicativos”, explicou.

Sem possuir redes sociais, além das recentes contas profissionais, Grace acredita que essa é uma das razões que consegue limitar o tempo de acesso ao celular. “Me reservo de tanta exposição que essas redes promovem [e também] não gosto de jogos eletrônicos, nem tenho nenhum instalado em meu celular, mais um fator que contribui para a redução no tempo de uso”, observou a bióloga.

 Mesmo sem ter perfis nas redes como Facebook e Instagram para movimentar fotos e outras postagens, o celular ainda está presente em seu dia a dia com o alarme, agenda e aplicativos de banco, por exemplo. Para ela, estar inteiramente desconectada não se torna tão possível devido às novas formas de relação. “À medida que a tecnologia e a inovação nos obrigaram a isso [estar conectado] é um caminho sem volta. A automação de processos nos negócios, e nas relações de consumo nos leva a estar conectados, é necessidade automática”, argumentou Grace.

Lucas-Campos-UX_Uso-Celular-arquivo_pessoal.jpeg
O jornalista Lucas Campos ressalta que a pandemia intensificou os trabalhos home office e a necessidade de estarmos sempre conectados
Nem 8, nem 80: os riscos do uso exagerado do celular

O jornalista e UX designer, Lucas Campos, afirma que alguns autores do UX já falam de um estado em que o nível de conexão entre homens e máquinas chegou em um ponto em que o online já faz parte do que as pessoas são e que é impossível reverter essa associação, “ainda mais agora que a pandemia intensificou os trabalhos home office e a necessidade de estarmos sempre olhando whatsapp, email, reuniões de vídeos, etc”.

O aparelho celular, junto com a internet, se tornou artigo quase indispensável na vida das pessoas, mas é preciso ter cuidado. Apesar do ponto considerado irreversível por alguns pesquisadores, o equilíbrio nas interações com as tecnologias é o caminho possível para evitar danos à saúde a partir da utilização do celular como a nomofobia.

Nomofobia é o nome dado ao medo irracional e/ou exagerado de ficar sem um aparelho móvel, que pode ser tanto o celular, quanto um tablet ou o próprio computador/notebook. Segundo a psicóloga Mariana Farias, essa fobia pode ser considerada uma forma mais agravada da dependência do celular porque o uso contínuo do celular ativa o Sistema de Recompensa Cerebral (SRC). “A partir da ativação do SRC, há a liberação da dopamina, proporcionando sensações imediatas de prazer e satisfação. Esse estímulo constante é o que gera a dependência, um processo similar à dependência química”, explicou.

Dessa forma, o uso descomedido do telefone móvel pode prejudicar a concentração e a atenção em atividades, pode diminuir o rendimento no trabalho e nos estudos, está associado a formas de isolamento social, interfere na qualidade do sono e também “há uma maior chance de desenvolver transtornos psiquiátricos como ansiedade e depressão”, observou a psicóloga. E, para evitar esse tipo de consequência, é necessário manter a atenção na forma de utilização do celular e de outras tecnologias também.

De acordo com as orientações de Farias, é importante delimitar o tempo de uso diário do celular, diminuir a quantidade de estímulos utilizando um aplicativo por vez para uma determinada função, por exemplo. Outra dica é mudar de posição sempre que for possível e manusear o celular mais alto, na altura dos olhos, “para não sobrecarregar a coluna cervical e alongar braços, dedos, mãos e punhos para evitar a tendinite”, completou a psicóloga.

Além disso, também é possível desativar as notificações para focar melhor nas atividades ou tirar o celular do campo de visão. Ao deitar, desligar o celular e, para o caso de despertador, utilizar algum relógio próprio para isso. Separar um tempo de qualidade com familiares e amigos, praticar atividade física ou algum hobby que não esteja relacionado à tecnologia também são formas de aliviar o uso do aparelho.

“Hoje, a tecnologia faz parte da rotina da maioria das pessoas e a pandemia nos mostrou o quanto o mundo digital se tornou importante para a sociedade. Por isso, é necessário estabelecer um relacionamento saudável com a tecnologia para desfrutar e aproveitar de todos os seus benefícios sem perder o controle”, finalizou a terapeuta.

Feito para auxiliar e não para prejudicar

mariana_dependencia-celular_arquivo pessoal.jpeg
Para a psicóloga Mariana Farias, é importante delimitar o tempo de uso diário do aparelho

A partir da consciência na utilização do celular, ele se torna uma ferramenta de grande utilidade no dia a dia tanto pessoal, quanto profissionalmente. Com o auxílio da internet, o aparelho tem se tornado cada vez mais meio de trabalho para as mais variadas profissões, além dos influenciadores e dos empreendedores digitais. Com a pandemia da covid-19, as telas se tornaram a principal forma de comunicação entre famílias, amigos e empresas devido ao isolamento social necessário para conter a propagação do coronavírus.

Parte essencial do conceito de utilização dos celulares e demais tecnologias, mas não somente nisso, o UX design tem ganhado cada vez mais força no mercado de trabalho. “UX é a abreviação do termo User Experience, ou experiência do usuário. Esse segmento do design atua com foco em proporcionar ao usuário a melhor experiência de uso durante a aquisição e interação com um produto”, explicou o jornalista e UX designer, Lucas Campos.

De acordo com Campos, o UX tem um impacto no mercado no momento em que se dispõe a tornar a experiência do consumidor e usuário em algo agradável, “de forma que ele passe mais tempo utilizando o serviço e tenha mais interesse em consumir as novidades referentes ao produto ou marca”. E é por conta disso que essa área do Design está tão vinculada à experiência com as redes sociais, aplicativos e tecnologias, de forma geral.

Contudo, o profissional pontua que um bom projeto de UX deve incluir a responsabilidade de pensar nas implicações que o que está sendo desenvolvido pode ter na saúde e qual será o impacto no bem-estar do usuário. “Podemos citar alguns aplicativos de streaming, por exemplo, que depois de algumas horas de uso, enviam uma mensagem informando que o usuário passou x tempo ininterrupto utilizando e que lhe faria bem se ele tomasse uma água ou fizesse uma pausa”, exemplificou Lucas Campos.

Além do tempo de exposição e seus impactos, vale considerar também o cyberbullying e outras formas de violências que podem ultrapassar as telas e afetar a vida dos indivíduos. Quanto a isso, é importante pensar em soluções para auxiliar essas pessoas, caso se tornem vítimas. “Pensar em uma jornada de uso na qual a pessoa encontrará também um botão onde ela pode reportar casos de bullying, racismo, machismo, LGBTQIAfobia, etc. também é importante para manutenção do bem-estar do usuário e para criação de uma comunidade mais saudável”, argumentou o designer.

Percebe-se que o campo da experiência do usuário é mais uma das tantas áreas que aliada à tecnologia (incluindo os celulares) apresenta novas possibilidades aos consumidores. De qualquer forma, em qualquer área, fica o alerta de que é preciso manter a atenção na maneira em que se está utilizando o celular e demais telas. A exposição exagerada pode acarretar em problemas, como a nomofobia, e atrapalhar mais a vida do que ajudar, de fato. Uma relação saudável com o aparelho móvel inclui dosar sua utilização e permitir que ele cumpra seu papel de facilitar e otimizar tarefas, garantindo que sobre tempo para relaxar e desconectar.

 *Matéria publicada originalmente na edição impressa de 17 de outubro de 2021