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Pirata, há 20 anos, realiza ações científicas no Atlântico

publicado: 19/11/2017 00h05, última modificação: 19/11/2017 19h39
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Rede de Previsão e Pesquisa coleta e transmite dados em tempo real por intermédio de uma malha formada por 18 boias - Foto: Funceme

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Brasil, Estados Unidos e França mantêm, há duas décadas, um sistema de boias ancoradas no fundo do Oceano Atlântico para observar variáveis atmosféricas e oceanográficas entre a América do Sul e a África. Afixadas por rodas de trem ao solo marinho, cada unidade das boias que compõem a rede de monitoramento do Pirata carrega sensores ao longo de seus cabos submersos. Os equipamentos lá instalados monitoram temperatura e salinidade, da superfície até 500 metros de profundidade, além de correntes oceânicas, precipitação, pressão, radiação solar, umidade do ar, velocidade e direção do vento.

A Rede de Previsão e Pesquisa no Atlântico Tropical (Pirata, na sigla original, em inglês) completou 20 anos de coleta e transmissão de dados em tempo real, se consolidando como a estrutura mais robusta de observação do oceano no mundo. Atualmente, a rede se baseia em um conjunto de 18 boias, sendo oito delas sob responsabilidade brasileira, na porção oeste do oceano. Diante do momento histórico, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e a Marinha do Brasil viabilizam a substituição das oito boias nacionais do Pirata em expedição do navio de pesquisa hidroceanográfico Vital de Oliveira, que fará quatro pernadas durante três meses de navegação.

A expedição leva a bordo, ao todo, 60 pesquisadores e 10 projetos científicos relacionados a biogeoquímica do fundo do oceano, biologia marinha, contaminação da água, detecção de terras-raras, estudo de mudanças climáticas e fluxos turbulentos na interface com a atmosfera, entre outras áreas. A comissão inclui profissionais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e das universidades federais da Bahia (Ufba), do Ceará (UFC), de Pernambuco (UFPE), do Rio Grande (Furg) e Fluminense (UFF).

“Essas medições ocorrem pela primeira vez de grau em grau de latitude geográfica, parando no caminho”, explica o coordenador-geral de Oceanos, Antártica e Geociências do MCTIC, Andrei Polejack. “É um arranjo de coleta oceanográfica com uma densidade amostral inédita, voltado a verificar, do mar profundo até o topo da atmosfera, como se dão processos físicos, químicos, geológicos e biológicos fundamentais para a compreensão de como o Atlântico responde às mudanças do clima e como ele afeta a vida no planeta". Construído na China e entregue à Marinha do Brasil em julho de 2015, o navio Vital de Oliveira chegou a participar da última campanha de substituição das boias do Pirata, mas não chegou a completá-la sozinho, porque teve que se deslocar ao sul para avaliar a qualidade da água na Foz do Rio Doce, no litoral do Espírito Santo, após o desastre ambiental de Mariana (MG), em novembro daquele ano.

Segundo o presidente do Comitê Nacional do Pirata, Paulo Nobre, a participação na campanha de 2015 expôs o potencial do navio como plataforma de pesquisa oceanográfica. “Já naquela ocasião, nós convidamos a comunidade científica brasileira a embarcar projetos nessa comissão de agora, a 17ª da história, que está sendo a primeira do Vital de Oliveira com começo, meio e fim, propriamente”, destaca o pesquisador, meteorologista do Inpe. “O Vital de Oliveira permite pela primeira vez o embarque de até 40 pesquisadores por expedição. Antigamente, a gente ficava limitado a 10 cientistas e não conseguia fazer multiciência marinha”, lembra o pesquisador Moacyr Araújo, copresidente do Comitê Científico Internacional do Pirata.

O ineditismo da coleta de dados abriu caminho para uma negociação da comunidade científica por um número especial na revista Scientific Data, do grupo Nature. “Essa comissão Pirata não só embarca pela primeira vez 10 projetos, com 60 pesquisadores, como também faz um perfilamento, que são estações de medida de temperatura, salinidade e corrente, da superfície até o fundo do oceano, desde 19º Sul até 15º Norte de latitude, de grau em grau”, descreve Nobre. “Então, esse é um mapeamento nunca feito. Há uma grande expectativa de que ele se transforme em uma referência internacional para muitos estudos e para a própria repetição desse corte meridional”.

Em 20 anos de observação contínua, de acordo com Paulo Nobre, os dados abertos transmitidos pelo sistema geraram 270 artigos científicos em revistas de corpo editorial. “É algo de um valor científico de difícil quantificação”, afirma. “E vai gerar ainda muito mais, porque o estoque de informação acumulado pode ser digerido, garimpado e minerado por bastante tempo”. O pesquisador do Inpe atribui a manutenção do Pirata à compreensão do MCTIC sobre a necessidade de manter a rede. “O ministério tem sido a nossa âncora do ponto de vista do financiamento das pesquisas, da troca anual das boias e de outros investimentos eventuais”, diz Nobre.

Segundo ele, a Marinha tinha um único navio com capacidade para fazer esse trabalho, o Antares, e não obstante se comprometeu durante todos esses anos. “Como toda pesquisa em oceanografia, a disponibilidade de infraestrutura de apoio a pesquisa ou, mais precisamente, a disponibilidade de um navio para realizar as atividades no mar garante a perenidade do Pirata”, afirma Janice Trotte-Duhá, da Diretoria Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha.

Já Moacyr Araújo, que também é professor da UFPE e coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas Sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima), avalia a longevidade do sistema como um feito raro entre iniciativas semelhantes pelo planeta. “Para se ter uma ideia, o maior programa de variabilidade e previsibilidade climática do mundo, o Clivar, festejou 20 anos no ano passado”, compara Araújo. “Eu considero o Pirata hoje em dia o carro-chefe da oceanografia brasileira em termos de observação do Atlântico. Nos últimos anos, fomos convidados a apresentá-lo em Bruxelas, Lisboa, Qingdao e Roma como um show case, uma vitrine de cooperação acadêmica e científica de pesquisa em oceanografia". Dos principais sistemas de boias de observação marinha do globo, o Pirata só é mais novo que o TAO (Oceano-Atmosfera Tropical, na sigla em inglês), projeto iniciado em 1985 para tentar entender o fenômeno El Niño, no Pacífico.