Chá de Camomila para melhorar o sono e diminuir o estresse, chá de boldo para acalmar o estômago. Folha de babosa para amaciar os cabelos e aliviar queimadura de sol. Chá de limão, gengibre e alho cura qualquer resfriado e o quebra-pedras para dor nos rins. Muito mais que seguir uma recomendação das nossas avós, a utilização de plantas medicinais no tratamento de doenças e alívio de dores faz parte da humanidade há cerca de 10 mil anos, quando foram encontrados os primeiros sinais de uso em comunidades da Índia. No Brasil, o conhecimento sobre o poder de cura vindo das plantas é uma das heranças mais fortes da cultura indígena.
Raíssa Fernandes é adepta e entusiasta no uso das plantas medicinais. “Eu uso muito boldo, camomila e erva doce para insônia e faço um chá de louro para melhorar o desconforto da azia. Também tomo chá de endro para cólica menstrual, chá de carqueja para cálculo renal e gosto muito de chá de hibisco com hortelã, que uso como termogênico”, afirma a empresária, que não se limita aos chás. “Aprendi com minha mãe a fazer um lambedor com saião, hortelã da folha miúda e cebola branca. Na minha antiga casa eu conseguia manter uma pequena horta com algumas dessas plantas e elas estavam sempre à mão, infelizmente, não tenho mais espaço”.
Apesar da falta de pesquisas específicas sobre a quantidade de famílias brasileiras que fazem uso regular das plantas medicinais para o tratamento e alívio de dores e doenças, o caso de Raíssa não parece ser uma exceção.“Levando em consideração que é uma prática doméstica, e por isso mesmo, difícil de mensurar, estima-se que 90% da população mundial em algum momento fez uso de plantas medicinais”, é o que afirma o professor Climério Avelino de Figueiredo, vice-coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Homeopáticas e Fitoterápicas da Universidade Federal da Paraíba.
“Não é um percentual preciso porque ele varia de acordo com o país, nível social, grau de escolaridade... o que se pode afirmar é que o uso vem aumentando consideravelmente, especialmente, porque vem aumentando cursos de graduação e, consequentemente, os estudos e pesquisas científicas”, afirma Climério.
A utilização de plantas medicinais é uma tradição milenar, e apesar de já possuir pesquisas e estudos sobre os seus resultados, ainda carrega preconceitos. Para o professor Climério Avelino, a resistência ao uso dos tratamentos fitoterápicos possui algumas particularidades.
“Em relação aos profissionais de saúde, existe a falsa ideia de que plantas e medicamentos fitoterápicos não possuem comprovação científica, mas isso tende a diminuir com o aumento das pesquisas. Em relação à população, o uso das plantas é bem aceito”, mas o pesquisador faz algumas ressalvas. “No geral, as pessoas acreditam que os remédios fitoterápicos não possuem efeitos adversos, e embora os alopáticos realmente produzam mais efeitos prejudiciais, achar que as plantas são totalmente inofensivas é um erro comum. Alguns fitoterápicos ou chás podem provocar desconfortos graves dependendo da forma como são usados e da dosagem”, e isso torna as pesquisas ainda mais necessárias.
Saúde passa a adotar os saberes populares nos tratamentos
Mas para além do uso doméstico, a utilização da fitoterapia tem sua implantação incentivada e indicada para ser implantada enquanto política pública, além de ser estimulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A linha do tempo em relação ao reconhecimento da importância da medicina tradicional e das plantas medicinais começa ainda no início dos anos 1990, quando a Organização Mundial de Saúde reforçou a contribuição dessas práticas, especialmente, às populações que têm pouco acesso aos sistemas de saúde, e solicitou aos estados-membros que intensificassem a cooperação entre praticantes da medicina tradicional e da assistência sanitária moderna.
Em 2006, duas importantes inciativas foram implementadas no Brasil: a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que foram fundamentais para garantir acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos e o fomento ao estudo e pesquisa na área.
O uso de plantas e medicamentos fitoterápicos oferecem inúmeras vantagens quando implementadas enquanto políticas públicas: custo menor para os municípios na aquisição e distribuição de remédios para a população; cria uma cadeia de emprego e renda; valoriza o conhecimento popular e possibilita um tratamento com menos efeitos adversos. “A implantação das políticas públicas também incrementou o ensino dos fitoterápicos nas faculdades e esse conhecimento se torna essencial não apenas para prescrever plantas e medicamento fitoterápicos, mas também para ter noção sobre o uso consciente”, enfatizou professor Climério.
Hortas em USFs já são uma realidade
Em João Pessoa, o cultivo de plantas medicinais nas Unidades da Saúde da Família (USFs) e nos Centros de Práticas Integrativas (CPICs) já é uma realidade e têm como base a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, ambas inseridas no Plano Plurianual de Saúde de João Pessoa, de 2022 a 2025. As USFs Quatro Estações, em Mangabeira; Verde Vida no Bairro das Indústrias; e Integrada, do Grotão são referências nesse trabalho, sendo esta última uma das primeiras a desenvolver o cultivo de espécies de plantas medicinais na rede municipal. Todo o trabalho envolve a integração entre os profissionais de saúde do local e a própria comunidade, incluindo a distribuição de mudas aos usuários.
“Todas as terças-feiras, a USF do Grotão realiza encontros com a comunidade e todos os profissionais da unidade entre médicos, enfermeiros e agentes de saúde, que incentivam o uso das plantas medicinais, numa relação que dialoga com o consultório médico”, afirma Carminha Amorim, agroecóloga e assessora técnica de Práticas Integrativas da Saúde de João Pessoa.
Caminha Amorim explica que há um diálogo com os usuários sobre o cultivo e utilização das plantas de forma correta. “Para que eles tenham em casa a planta medicinal que se trabalha no espaço de saúde, é discutido com o usuário a autonomia do seu cultivo. São plantas que a comunidade conhece e a gente tem no espaço de educação popular por meio das hortas”, disse.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 12 de março de 2023.