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Praga urbana

Pombos representam risco à saúde

publicado: 20/05/2024 09h22, última modificação: 20/05/2024 09h22
Espécie encontrada nas cidades pode transmitir doenças graves, como pneumonia e meningoencefalite
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Alimentar pombos contribui para expansão populacional da espécie, alerta especialista | Fotos: Roberto Guedes
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Júnior Levi se aproxima dos animais e ignora riscos
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por Samantha Pimentel*

Muito comuns em praças, parques e outros espaços das cidades, os pombos não são uma espécie nativa da América do Sul. Eles foram trazidos ao Brasil em navegações, durante o processo de colonização europeia. Relatos históricos apontam que, inicialmente, essas aves viviam em gaiolas, sendo criadas para fins de alimentação, já que faziam parte do cardápio dos colonizadores. Outra teoria diz que Dom João VI quis trazer os pombos ao país como forma de embelezar as cidades. De qualquer forma, adaptados às terras tupiniquins, os pombos encontraram nos prédios, sacadas e telhados um lugar propício para o seu hábitat e reprodução.

Os animais fazem parte de uma grande família, chamada Columbidae, com mais de 300 espécies por todo o mundo. Segundo o professor de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Erich Mariano, a espécie que foi trazida ao Brasil foi a Columba livia, mais conhecida como pombo-comum, pombo-doméstico ou pombo-das-rochas.

“Isso é um problema por si só, pois a gente está tratando de uma espécie invasora, não nativa. Os pombos são originários da Europa e da Ásia. Eles se adaptaram muito bem nos ambientes urbanos brasileiros porque são animais que se reproduzem em costões rochosos — ambiente costeiro formado por rochas — e encontram, nas nossas cidades, lugares ótimos para reprodução, sem qualquer predador. Isso realmente é um grande problema”, analisa Mariano.

O especialista destaca que os pombos são considerados uma praga urbana. Eles conseguem se proliferar muito rapidamente, chegando a ter seis ninhadas por ano. Cada animal adulto tem anualmente cerca de 12 filhotes e, em seis meses, esses filhotes já estão aptos à reprodução.

“De forma geral, eu considero os pombos como potenciais reservatórios de doenças, algumas, inclusive, bem sérias. Eles podem causar meningite, pneumonia fúngica e outras patologias. Os próprios locais de identificação, onde eles fazem os ninhos, também acabam acumulando muitas fezes, e isso gera uma proliferação de bactérias e fungos que também causam uma problemática para a saúde pública”, pontua Mariano.

O professor acrescenta que os pombos estão expostos ao ambiente da rua de forma semelhante a outros animais nocivos, como os ratos. “Quando a gente sai da cidade os pombos que nós vemos, dentro da mata, são de outras espécies que são nativas aqui da América do Sul. São pombos também, mas são espécies completamente distintas, que realmente têm uma vida completamente diferente desses pombos urbanos”, explica.

 Ação humana

Além da facilidade que a espécie tem de se reproduzir, os hábitos humanos de alimentar pombos em praças e ruas pode contribuir para a expansão populacional desses animais. O professor Erich Mariano explica que, na natureza, em condições ideais, os pombos se alimentam de grãos, frutos e insetos, a depender da época do ano. Então, os restos de comida ofertados pelo ser humano aos pombos — geralmente, pipoca e migalhas de pão — não fazem parte da alimentação ideal para a espécie, o que faz com que os animais fiquem fracos e mais suscetíveis a doenças.

Infectologista alerta para proliferação de doenças

A proliferação descontrolada de pombos pode representar riscos à saúde humana. Conforme alerta o médico infectologista Fernando Chagas, doenças transmitidas pelas aves podem afetar órgãos variados, a exemplo dos pulmões e cérebro.

“A chlamydia psittaci, por exemplo, é uma pneumonia que pode ser transmitida por pombos e também por outras aves, até mesmo por galinhas. Essa pneumonia pode ser um tanto quanto grave. Então, quanto maior a população de pombos na cidade, maiores as possibilidades da pessoa adquirir essa clamídia”, crava.

Outra doença relacionada à interação urbana com os pombos é a neurocriptococose, transmitida pelas fezes ressecadas do animal. Para evitá-la, é preciso ficar atento na hora de limpar ambientes, umedecendo o local antes de retirar os dejetos.

“Se o pombo defecar na sua casa, carro ou qualquer objeto que você tenha contato, você não deve simplesmente varrer ou limpar. Porque, se você fizer isso, fragmentos dos fungos, que são microscópicos, vão subir no ar e você vai respirá-lo. Esses fungos vão para o seu pulmão e, depois, chegarão ao cérebro. A neurocriptococose é uma meningoencefalite, que ataca crânio, cérebro e as meninges — membranas que revestem o sistema nervoso central. É uma doença de letalidade muito alta”, alerta Fernando Chagas.

De acordo com o médico, a doença dificilmente afeta pessoas jovens e saudáveis, sendo mais comuns em pessoas com problemas de imunidade, como idosos e pacientes de quimioterapia. Porém, o fungo pode permanecer por anos no organismo e se apresentar quando a imunidade estiver baixa. “Por isso o cuidado com o toque, com a convivência com esses animais. O pombo tem o risco de transmissão dessas duas doenças, então a proliferação deles acaba representando um risco à saúde pública”, diz Fernando Chagas.

Hábito inapropriado é rotina no Centro de JP

Quem circula por algumas áreas centrais de João Pessoa, e até mesmo pelos bairros, pode observar a presença de pombos, que costumam fazer seus ninhos em telhados e construções e que são muitas vezes alimentados pela população. Um desses lugares é o Ponto de Cem Réis, onde os pombos costumam ser alimentados cerca de cinco vezes ao dia, por pessoas que trabalham ou circulam na região, como relata a vendedora Renata de Figueiredo. “Eu coloco pão pela manhã; tem um senhor que coloca milho e outras pessoas que vêm no decorrer da tarde e da noite colocar xerém também. Mas eu faço porque eu faço caridade para os animais. Na verdade, meu sonho era ter uma ONG, mas não tenho condições”, conta. Ela diz que não mantém contato próximo com os pombos, não toca neles nem os coloca no colo; por isso, não se preocupa que eles possam lhe transmitir doenças.

O aposentado Júnior Levi revela que alimenta os pombos do Ponto de Cem Réis há cerca de um ano e também não tem medo de se infectar. “Eles já me conhecem. Eu chamo, eles vêm tudinho. Doença é o povo que não presta. Isso não dá doença não, isso é mentira”, diz.

Já o aposentado Adjailson Cantalice, outro frequentador assíduo do Ponto de Cem Réis, comenta que as pessoas não deveriam alimentar os animais: “O pombo, na verdade as fezes, elas contaminam o homem. Então, as pessoas alimentam porque têm pena, mas não sabem o mal que estão fazendo”, lamenta.

Controle
Segundo normativa no 141/2006, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que regulamenta o controle e o manejo ambiental da fauna sinantrópica nociva — caracterizada por animais que vivem próximos às habitações humanas ou mesmo em suas residências, e que podem comprometer a saúde das pessoas através da transmissão de doenças ou risco de acidentes — , os pombos são passíveis de controle por pessoas físicas e jurídicas devidamente habilitadas para tal atividade, sem a necessidade de autorização por parte do Ibama.

A normativa ainda destaca que a eliminação direta desses animais deve ser efetuada somente quando tiverem sido esgotadas as medidas de manejo ambiental, que tratam da eliminação ou alteração dos recursos utilizados pelos pombos, com a intenção de mudar o ambiente fazendo com que eles deixem os locais onde estão, como interromper a oferta de alimentação, por exemplo.

Em nível municipal, ações legislativas também buscam controlar a proliferação desses animais. Em João Pessoa, um requerimento protocolado em 29 de fevereiro deste ano, na Câmara de Vereadores, pede que sejam realizadas ações para o controle da propagação de pombos no entorno da Rua Coronel Otto Feio da Silveira, no Pedro Gondim. Em Campina Grande, a Lei no 6.837/2017 dispõe sobre a proibição de alimentar pombos em espaços públicos, determinando que o descumprimento da legislação poderá acarretar advertência e aplicação de multa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de maio de 2024.