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População está ficando mais velha

publicado: 21/08/2023 09h07, última modificação: 21/08/2023 09h07
Apesar de a velhice fazer parte do ciclo da vida, a sociedade ainda não está preparada para lidar com ela
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Com mais avós do que netos, o mundo caminha, hoje, para uma sociedade cada dia mais envelhecida - Foto: Roberto Guedes
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Para a funcionária pública Raquel Borges, envelhecer é uma dádiva - Foto: Arquivo Pessoal
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Mônica Palitot é pesquisadora na área de envelhecimento humano - Foto: Arquivo Pessoal
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por Carol Cassoli*

Na última década, a população brasileira cresceu. Em contrapartida, a quantidade de pessoas com menos de 30 anos diminuiu, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo fluxo, o número de pessoas em todas as faixas etárias acima de 30 anos aumentou. Ou seja, o brasileiro envelheceu. E, apesar de a velhice fazer parte do ciclo da vida, a sociedade ainda não está preparada para lidar com ela.

Pesquisadora na área de envelhecimento humano e professora do curso de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mônica Palitot, explica que o envelhecimento populacional é realidade não só no Brasil, mas em todo o mundo. Segundo a professora, este é um fenômeno que também existe na Europa e no Oriente e que, por envolver a organização social, tem desdobramentos e impactos diretos em todo o tecido social.

Com mais avós do que netos, o mundo caminha, hoje, para uma sociedade cada dia mais envelhecida. Em 2019, o relatório World Population Prospects da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou que a taxa de natalidade mundial caiu consideravelmente de 1990 a 2019 e deve cair ainda mais até 2050. No ano de lançamento do estudo, o mundo acabara de atingir a marca de 705 milhões de pessoas com 65 anos ou mais (idade projetada em países desenvolvidos como marca para o início da velhice), enquanto havia 680 milhões de crianças com idade entre 0 e 4 anos.

Outra realidade é o aumento da expectativa de vida no mundo. O levantamento da ONU demonstrou que a expectativa de vida mundial subiu de 64,2 anos em 1990 para 72,6 anos em 2019. E a projeção é de que suba ainda mais, chegando a pouco mais de 77 anos em 2050.

“Temos aumentado nossa expectativa de vida e estamos vendo o número de nascimentos diminuir. Então, com isso, temos uma sociedade cada dia mais velha e menos crianças e jovens para futuramente integrarem o mercado de trabalho. Isso, com certeza, gera impactos de várias ordens: sociais, econômicas, políticas, etc”, afirma Mônica Palitot.

Um dos maiores problemas que surgem com o envelhecimento populacional, no entanto, é a dificuldade que a sociedade tem em lidar de maneira respeitosa com a velhice. E esse problema se espraia do individual ao coletivo.

De acordo com a pesquisadora, o preconceito contra a velhice (conhecido como etarismo, idatismo ou ageísmo) fica nítido quando o termo “velho” sempre é utilizado como atributo negativo a coisas ou pessoas. “Existe, na sociedade, essa percepção de que o que é velho não presta mais, principalmente no Ocidente. Nossa cultura de uma juventude eterna, nós estamos deixando de entender a importância do envelhecimento, o quanto ganhamos na velhice e como temos a possibilidade de crescer e nos desenvolver enquanto pessoa. O envelhecimento nos traz essa capacidade de autoconhecimento, de aprimoramento humano, porque decorre dele o nosso amadurecimento”, explica.

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Mônica Palitot é pesquisadora na área de envelhecimento humano - Foto: Arquivo Pessoal

Ao contrário do que a maioria pensa, para Raquel Borges, envelhecer é uma dádiva. Sem vergonha alguma de sua idade, a funcionária pública proclama seus 64 anos e 5 meses com orgulho em dizer que todos eles foram bem vividos. Com a certeza de quem tem um espírito jovial, Raquel afirma conviver bem com pessoas de todas as idades e, talvez por isso, não sinta o “peso do envelhecimento” como as outras pessoas.

“Creio que ser idosa é um privilégio principalmente se você for saudável. Não se trata de negar idade, mas, sinceramente, não me sinto com a idade que tenho. Nunca me incomodei com minha idade e a cada ano que passa, a cada aniversário, me sinto mais feliz e agradecida”, garante. Cheia de vida, Raquel contraria as expectativas que lhe são, diariamente, impressas por outrem.

“Embora algumas pessoas mais jovens perguntem o motivo de eu ainda não ter me aposentado, sempre me senti respeitada no trabalho. Sou funcionária pública e respondo que só vou sair quando mandarem. Ou seja, aos 75 anos”, comenta de forma bem humorada ao afirmar que acredita que trabalhará, no máximo, até os 70 anos. A inconveniência vivenciada por Raquel rotineiramente é, infelizmente, costume.

Mônica Palitot explica que envelhecer gera repercussões sociais não apenas no mercado de trabalho, mas também em outros espaços, como na própria família do indivíduo. E, por isso, não são raras as vezes em que os mais velhos são escanteados por seus parentes distantes e pelos mais próximos também. “Geralmente os mais velhos não são consultados, por exemplo, em uma decisão familiar. E a resposta está, justamente, no contrário: essas pessoas deveriam ser as primeiras a serem ouvidas, porque elas têm uma carga de experiência grande”, diz a pesquisadora ao afirmar que, para reverter essa situação no Brasil, é preciso criar uma cultura de respeito aos mais velhos.

ONU: número de idosos com 80 anos ou mais deve triplicar até 2050

Ainda segundo o estudo realizado pela ONU em 2019, o número de pessoas com 80 anos ou mais deve triplicar até 2050, quando esta população saltará de 143 milhões de pessoas para 426 milhões.

No Brasil, por exemplo, uma projeção feita pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), em 2021, demonstrou que, em 2010, os idosos representavam 7,3% da população nacional. Para 2100, estima-se que este número chegue a 40,3%. Neste período, projeta-se que a população com 15 anos ou menos represente apenas 9% dos brasileiros. Urge, então, a necessidade de se incorporar os idosos à sociedade como parte fundamental dela.

Enquanto a necessidade não se concretiza como fato no Brasil, Raquel segue a vida sem se importar com os pressupostos alheios sobre sua condição. Ciente de que a velhice é parte da vida, tal qual a juventude, a funcionária pública se recusa a ter suas experiências pautadas pela opinião dos outros. E para este caminho, que segundo ela, não tem volta, só há uma direção: se aceitar. “Sempre assumi minha idade numa boa. Até os cabelos deixei de pintar. E não é por falta de vaidade. É a opção de me assumir, de ser autêntica e buscar qualidade de vida. Cabelos sem química são mais saudáveis. Então, hoje, primo pela minha saúde fazendo uso de uma boa alimentação, atividade física e diversões saudáveis e prazerosas”, declara.

Para Mônica, o caminho é exatamente este: a aceitação. Esta estrada, no entanto, é uma via de mão dupla que deve ser respeitada tanto por aqueles que nela já estão, como por quem ainda chegará. “Nós precisamos fazer com que nossas crianças, nossos jovens, tenham valores éticos, morais, que façam com que eles percebam aquela pessoa mais velha como alguém digno de respeito, digno de ser ouvido. O corpo envelhece mas a alma permanece, né? E permanece nessa busca incessante pela vida, pela aprendizagem, pela experiência, pela felicidade…”, reflete a pesquisadora.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 19 de agosto de 2023.