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Primavera e as mudanças no clima

publicado: 25/09/2023 09h55, última modificação: 25/09/2023 09h55
Estação é marcada pelo aumento da temperatura, chuvas mais esparsas e rotina alterada de animais e áreas verdes
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Biólogo Leandro Giacomin explica que, embora ocorram no inverno, os ciclos de reprodução das plantas são mais percebidos nessa época, considerada a estação das flores - Foto: Evandro Pereira
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"A atividade dos animais é mediada em função do seu próprio ciclo reprodutivo e dos recursos disponíveis" Leandro Giacomin - Foto: Arquivo pessoal
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por Lucilene Meireles*

A primavera, que começou ontem, não é apenas a estação das flores. Ela também provoca transformações na natureza – na fauna e na flora – mas, essas mudanças são pouco perceptíveis no Brasil e, consequentemente, na Paraíba, em razão de estarmos mais próximos à Linha do Equador e não termos as estações bem definidas. É o que afirma o botânico Leandro Giacomin, professor do Departamento de Ecologia e Sistemática da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Biólogo Leandro Giacomin explica que, embora ocorram no inverno, os ciclos de reprodução das plantas são mais percebidos nessa época, considerada a estação das flores - Foto: Evandro Pereira

Ele explica que, antes de falar sobre o que muda na primavera, é importante lembrar que as estações do ano, como definidas internacionalmente, são mais perceptíveis em regiões temperadas, ou seja, latitudes mais altas do que os trópicos. “Nós, que estamos em João Pessoa, a mais ou menos sete graus de latitude, não sentimos de forma tão intensa as mudanças nas estações do ano, a não ser pela alteração no regime de chuvas que é sazonal”, comenta.

Em João Pessoa, cidade onde chove relativamente bastante, por estar no Litoral e ter uma grande influência de chuvas oceânicas, as mudanças mais perceptíveis são num período de chuva concentrado no meio do ano, e um período com chuvas mais esparsas, mais seco a partir de setembro, outubro e que perdura até fevereiro e março. Essa alteração no ciclo das chuvas é mais intensa quando se distancia do Litoral, a exemplo do Cariri, que tem uma das menores intensidades de chuvas no país.

“Considerando que essas mudanças não são tão intensas, a mudança na natureza em relação à produção de flores e de frutos está mais relacionada aos regimes de chuvas e não tanto à estação da primavera em si. Apesar disso, há espécies que florescem durante o período de chuvas, outras logo após as chuvas, e isso é muito variável”, diz o botânico.

O desabrochar das flores não é, necessariamente, uma das principais características porque depende da espécie. O ipê, por exemplo, tende a florescer no período seco. Outras espécies florescem no começo e durante o período chuvoso. “Temos essa variação e não podemos dizer que é uma regra que a primavera traga flores nas formações naturais aqui da nossa região”. Ele esclarece que isso é mais comum nas regiões temperadas, e a principal influência nessas regiões que induzem a floração é a mudança no número de horas de luz ao longo do dia, o chamado fotoperíodo.

“Nós, que estamos próximos à Linha do Equador, temos uma influência muito pequena da alteração desse fotoperíodo ao longo do ano. Assim, a floração é mais ordenada pelo ciclo das chuvas do que por qualquer outra coisa como a mudança do ciclo de luz ao longo do dia ou mesmo mudanças abruptas de temperatura”, explica. A floração, induzida pela mudança do número de horas do dia, se explica porque as plantas captam luz solar e, a partir dessa luz, conseguem produzir os açúcares que precisam para sobreviver.

Giacomin afirma que é difícil dizer o que mais muda na natureza com a chegada da primavera porque há reações específicas de cada uma das espécies ou de conjuntos de espécies. Mas, de maneira geral, o que marca o início da primavera em João Pessoa é uma transição do período chuvoso para o seco. “Temos muitas espécies que floresceram no período chuvoso e vão estar frutificando, ou então vão entrar num período de economia de energia em função da menor disponibilidade de água no solo. E aí temos que analisar cada espécie especificamente”.

Animais ficam mais ativos com alterações climáticas

A atividade dos animais vai ser mais ativa de acordo com os recursos que estão disponíveis. Leandro Giacomin explica que, se um animal consome determinado fruto de uma planta, por exemplo, se é um herbívoro, que come somente vegetais, ou onívoro, que se alimenta de animais e vegetais, ele vai ter uma maior intensidade de forrageio quando há recurso disponível.
Quando as plantas estão produzindo frutos ou se eles se alimentam de folhas - há um determinado momento em que as plantas produzem mais folhas quando elas têm uma maior intensidade fotossintética - eles podem estar mais ativos naquele momento.

O professor observa que, no caso dos onívoros, que se alimentam tanto de partes de plantas como de insetos e outras fontes de proteína animal, há uma alternância em relação à sua alimentação. Ele provavelmente consome mais recursos de origem animal quando não tem a disponibilidade dos recursos oriundos das plantas e vice-versa.

“A atividade dos animais é mediada em função do seu próprio ciclo reprodutivo e dos recursos disponíveis. Em relação aos herbívoros, isso é mais latente. Temos, certamente, uma maior atividade e um período reprodutivo associado ao momento em que eles têm o recurso mais disponível, e não necessariamente esse recurso é coincidente com a ocasião da primavera”, comenta Giacomin. A produção de frutos pode coincidir com a época da primavera, mas o que modula não é o início da estação e sim o término do período de chuva mais intensa.

Condições ambientais adequadas levam as plantas a crescimento

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"A atividade dos animais é mediada em função do seu próprio ciclo reprodutivo e dos recursos disponíveis" Leandro Giacomin - Foto: Arquivo pessoal

A razão pela qual as plantas têm a floração ou a frutificação modulada pelas alterações na temperatura está relacionada a vetores associados a elas, sejam dispersores ou polinizadores. A segunda razão é que a produção de flores e frutos constitui o dreno de energia. São estruturas nas plantas que demandam grande canalização de energia.

“Quando a planta está passando por um período de seca e ela, naturalmente, já tem uma dificuldade de se manter em função da ausência de água no solo ou uma menor quantidade para os seus processos naturais, tende a fixar uma produção de drenos fora desse período”, explica o botânico Leandro Giacomin.

Na seca, essa planta está lutando para se manter porque há menor disponibilidade de água no solo e ela tende a alocar sua energia para manutenção. O botânico Leandro Giacomin esclarece que quando há um período de chuvas e a água passa a estar abundante no solo, é o momento adequado para investir nessa estratégia de gastar muita energia com as flores e os frutos para poder se reproduzir.

“Isso varia conforme a espécie porque algumas têm capacidade de armazenar água, como as árvores barrigudas de áreas secas; algumas também armazenam no sistema subterrâneo. Temos espécies que aceleram seu metabolismo na ausência de água abundante para as reações que têm que fazer para o seu próprio corpo”.

Oferta de água incide nos ciclos de vida e reprodução de vegetação

Em regiões mais secas existe uma mudança muito maior na temperatura em função da presença ou não de água, segundo o biólogo Leandro Giacomin. “Temos uma intensidade muito maior de calor e uma menor disponibilidade de água no solo. É isso que vai modular o crescimento e a produção de flores pelas plantas”.

No Litoral, em cidades como João Pessoa, o especialista diz que as temperaturas oscilam pouco. No período chuvoso, a média é de 26 graus e, no seco, entre 30 e 32 graus. “Uma variação de quatro graus, que não é extremamente notável, tanto é que em João Pessoa não é comum que tenhamos que mudar muito o modo de vestir durante o ano. É claro que essa não é a mesma situação do interior”, disse.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 24 de setembro de 2023.