Era 24 de agosto de 1975 quando um passeio em uma embarcação na Lagoa do Parque Solon de Lucena, em João Pessoa, transformou-se em tragédia. Foram 35 mortes, a maior parte crianças. Quase 50 anos depois, ninguém foi responsabilizado e a situação é muito pouco lembrada. Um professor da Universidade Federal da Paraíba, porém, não esqueceu e defende a criação de um memorial em homenagem às vítimas.
O professor de História Ângelo Emílio da Silva Pessoa poderia ter sido ele mesmo uma vítima não fosse a intuição de sua mãe, que o proibiu de fazer o passeio por considerá-lo inseguro. Ele conta que, na época, tinha oito anos e estava muito empolgado para participar. “Quando a gente viu todo aquele movimento, evidentemente que a população ficou muito curiosa em ir e ver o que estava acontecendo; e, quando a gente soube que ia ter esse passeio de barco, era uma coisa em princípio bastante simples, com o barco dando algumas voltas na lagoa, e as crianças ficaram empolgadíssimas por essa possibilidade. Eu me lembro que eu fiquei muito empolgado e minha mãe não me deixou, ela achou inseguro, então eu esbravejei, fiquei muito contrariado, mas, enfim, tinha que obedecer”, contou ele.
A gente até gostaria que fosse mais célere, que a justiça fosse feita plenamente, porém, estávamos em 1975 numa Ditadura -- Ângelo Emílio da Silva Pessoa
Era véspera do Dia do Soldado, comemorado em 25 de agosto, e o Exército Brasileiro estava promovendo uma série de ações para a população no Parque Solon de Lucena, em celebração à data. O evento chamava-se Semana do Exército e o passeio era uma das atividades ofertadas.
A embarcação, uma portada do tipo M-2, fazia sua última viagem, por volta das 17h15. Os relatos eram que houve superlotação, já que havia muitas pessoas aguardando pela última oportunidade de viver a experiência. Uma nota do Grupamento de Engenharia, publicada na época pelo Jornal A União, entretanto, informava que a embarcação tinha capacidade para transportar até oito toneladas. A nota também afirmava que, no meio da Lagoa, alguém alertou que havia água entrando na portada, o que causou pânico e levou todos os passageiros a se afastarem para a frente. A embarcação teria tombado devido ao desequilíbrio na distribuição do peso.
Ninguém foi responsabilizado pelo que aconteceu e, para Ângelo Emílio Silva, isso está relacionado com a Ditadura Militar que se vivia no período. Ele chegou a comparar a tragédia com o incêndio da Boate Kiss, que matou 242 pessoas no Rio Grande do Sul, em 2013. “O processo da Boate Kiss está em andamento, houve algumas etapas. A gente até gostaria que fosse mais célere, que a justiça fosse feita plenamente, porém, estávamos em 1975 numa Ditadura, e houve um tremendo ‘abafa’, algumas notas muito lacônicas dos responsáveis, ou irresponsáveis, devido ao que deu, e sem uma maior apuração das responsabilidades e as reparações devidas às famílias”, comentou.
Mas, para ele, pior do que a falta de punição é o esquecimento. “Eu acredito que tem uma coisa ainda pior. É o lento apagamento disso da memória da cidade. Nós estamos às vésperas dos 50 anos, Não existe até hoje um monumento de um memorial às vítimas ali na Lagoa. Eu acho que isso é o mínimo que a cidade, a Câmara dos Vereadores ou a Assembleia Legislativa, enfim, a governança municipal e estadual precisa fazer. Isso é um dever cívico, é um dever de memória, é um dever democrático”, completou.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de abril de 2025.