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Pensar - Depressão

Quando a tristeza não é normal

publicado: 22/05/2023 12h44, última modificação: 22/05/2023 12h44
Doença atinge mais de 300 milhões de pessoas no mundo, causando abatimento intenso e prolongado
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“Qualquer pessoa pode ser acometida por depressão, entretanto, algumas podem estar mais susceptíveis para o seu desenvolvimento à medida que reúnem um maior número de fatores de risco” Ricardo Henrique Araújo - Foto: Arquivo pessoal
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“Muitas vezes, a pessoa não tem a intenção de se matar, mas deseja profundamente a morte, como forma de acabar com o sofrimento causado pela doença da qual ela não consegue enxergar uma saída (...) devido estar com os pensamentos distorcidos da realidade” Roberta Mota - Foto: Arquivo pessoal
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“Esse distúrbio neuroquímico geralmente tem a ver com a hereditariedade. Existe algum familiar – pais, avós ou tios - que deve ter tido depressão, então a pessoa apresenta essa alteração” Aracelly Marques - Foto: Arquivo pessoal
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“Um profissional da saúde mental, um psiquiatra, com certeza, identifica o quadro depressivo, que também pode ser avaliado por um psicólogo” Scheilla Matos Ferreira - Foto: Arquivo pessoal
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por Alexsandra Tavares*

A depressão é uma doença considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o “Mal do Século” e atinge mais de 300 milhões de pessoas no mundo, segundo estimativa da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). A condição é diferente das alterações comuns de humor, como resposta do cidadão diante dos contratempos da vida. Especialistas dizem que sentir tristeza em certos momentos da vida é normal, mas manter-se deprimido não. A depressão é um estado de abatimento intenso, prolongado, que afeta todas as esferas de relacionamento do paciente – seja na família, no trabalho, no lazer e na vida conjugal, podendo levar, inclusive, à morte por meio do suicídio.

Caso não haja acompanhamento profissional, a doença pode gerar graves consequências físicas, emocionais e comportamentais ao ser humano, como a maior probabilidade de comportamento de risco, predisposição para o uso de drogas lícitas e ilícitas, além de ser uma janela para a chegada de outras doenças psíquicas, gastrointestinais, musculares, entre outras.

“Pode também culminar em comportamentos e atos suicidas. Muitas vezes, a pessoa não tem a intenção de se matar, mas deseja profundamente a morte, como forma de acabar com o sofrimento causado pela doença da qual ela não consegue enxergar uma saída e a melhoria da doença, devido estar com os pensamentos distorcidos da realidade”, explica Roberta Mota, psicóloga clínica e do trabalho, especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde.

Roberta afirma que a depressão traz uma avalanche de complicações relacionadas ao humor como tristeza, angústia, irritabilidade, ansiedade exacerbada e desmotivação, tornando-se um problema de saúde que requer cuidados múltiplos.

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“Um profissional da saúde mental, um psiquiatra, com certeza, identifica o quadro depressivo, que também pode ser avaliado por um psicólogo” Scheilla Matos Ferreira - Foto: Arquivo pessoal

A médica psiquiatra Scheilla Matos Ferreira, especialista em terapia cognitivo comportamental, declara que a doença é caracterizada por humor deprimido associado às anormalidades das funções neurovegetativas, da atividade psicomotora e da cognição, assim como ansiedade e ideação suicida. Segundo ela, o início da depressão pode ocorrer após um evento traumático na vida do paciente e que ele não se dá conta da magnitude da ação sobre o sistema emocional. Também pode surgir sem um motivo aparente, ou depois de algum tipo de perda – como morte de um familiar querido, separação entre cônjuges ou demissão de um emprego.

O médico psiquiatra Ricardo Henrique Araújo, especialista em dependência química, resume bem os fatores que culminam com a enfermidade. Ele conta que existem multifatores, ou seja, várias causas para o surgimento da depressão. Tem a ver com questões genéticas, com relevância para a hereditariedade; está associada às situações traumáticas vividas no decorrer da vida, às características de personalidade, ao consumo exagerado de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) e à adoção de determinados medicamentos, como corticosteroides.

A depressão ainda pode ter relação com doenças orgânicas, com alguns tipos de infecções, doenças inflamatórias e autoimunes. “Para cada pessoa, podemos identificar uma série de elementos que, ao se combinarem, deflagram o início de um quadro depressivo. Qualquer pessoa pode ser acometida por depressão, entretanto, algumas podem estar mais susceptíveis para o seu desenvolvimento à medida que reúnem um maior número de fatores de risco”, frisa Ricardo Araújo.

Mas o que ocorre no cérebro para que o desânimo profundo e até a perda da vontade de viver, típicos da doença, se instalem no ser humano? A psiquiatra Scheilla Matos Ferreira explica que a depressão está relacionada com a diminuição da disponibilidade de serotonina no cérebro, pois esse é um neurotransmissor capaz de alterar várias áreas cerebrais. A substância estimula e transporta sinais entre as células, tendo relação direta com sentimentos de satisfação e bem-estar. Ela conta que, apesar de ainda não haver comprovação, percebe-se que existe uma maior predisposição de se ter depressão quando há histórico na família de transtornos psiquiátricos.

Transtorno afeta o corpo, o cérebro e a mente

De origem latina, a palavra depressão significa “abatido” ou “aterrado”, sendo definida como um transtorno mental que afeta o corpo, o cérebro e a mente, com alterações significativas no humor e no comportamento. “A pessoa com sintomas depressivos fica aterrorizada diante de tudo, experimenta um vazio existencial, desesperança, desânimo, tristeza profunda, pensamentos negativos, alterações no sono, no apetite e na libido”, declara a psicóloga Roberta Mota.

Apesar de estar bastante em voga neste século, a depressão é um mal que atinge a humanidade há milhares de anos. Segundo o psiquiatra Ricardo Henrique Araújo, os primeiros relatos datam da antiguidade, havendo descrições do que era chamado de “melancolia” por Hipócrates, médico grego, considerado o “Pai da Medicina”, em 400 a.C.
Ricardo também destaca que ainda há registros da enfermidade na Bíblia. Está presente no Velho Testamento, ao ser apresentado o estado psíquico do rei Saul, assim como também há descrições que sinalizam estados depressivos acometendo figuras como Moisés, Davi, Jó, Jeremias e Jonas, entre outros. “Na Ilíada de Homero (século 8 a.C.), deparamo-nos com o suicídio de Ajax, um dos personagens da mitologia grega”, declara.

Tristeza e alucinações

Alguns sintomas podem indicar o aparecimento ou agravamento da depressão. Segundo o psiquiatra Ricardo Henrique Araújo, sempre que alguém apresentar um quadro com algumas alterações comportamentais que estejam trazendo sofrimento e comprometendo às atividades do dia a dia deve procurar ajuda profissional. Os sintomas devem perdurar por duas ou mais semanas.

Os principais sintomas são: mudanças no comportamento, como tristeza, diminuição do interesse e prazer para o que antes era atraente e agradável; alterações do apetite e do sono, baixa autoestima, tendência a isolamento, fadiga ou sensação de energia diminuída, sentimentos de inutilidade e de culpa; desesperança, dificuldades para tomar decisões, prejuízos na memória, perda de vontade de estar vivo ou até mesmo desejo de tirar a própria vida; e delírios, que surgem nos casos considerados graves. Nessa fase, a pessoa pode chegar a desenvolver pensamentos distorcidos da realidade, além de perceber sons e ter visões que de fato não existem (alucinações).

Doença pode durar até mais de dois anos

Especialistas explicam que tudo vai depender do tempo de apresentação dos sintomas e do contexto em que se encontra o paciente

O médico psiquiatra Ricardo Henrique Araújo, especialista em dependência química, explica que, dependendo da forma como se apresenta no paciente, a depressão pode ser dividida em três fases. Apresenta-se como episódio único de “depressão maior” (apenas um episódio na vida), “transtorno depressivo recorrente” (dois ou mais episódios na vida) ou “depressão persistente” (duração por períodos de dois anos ou mais).

“Pessoas com transtorno bipolar podem também apresentar episódios depressivos, entretanto, vão existir, em períodos distintos, episódios com alterações do estado de humor diferentes dos que ocorrem nos episódios depressivos”, declara Ricardo.

A psicóloga cognitivo-comportamental Aracelly Marques comenta que há dois tipos da doença: a depressão endógena, cuja origem é interna, pois consiste na alteração neuroquímica cerebral, uma recaptação serotoninérgica. “Esse distúrbio neuroquímico geralmente tem a ver com a hereditariedade. Existe algum familiar – pais, avós ou tios - que deve ter tido depressão, então a pessoa apresenta essa alteração”, explica Aracelly.

O outro tipo é a depressão exógena, em que a causa pode ser decorrente da falta de habilidade, de ferramentas terapêuticas para lidar com problemas situacionais de vida. Esse contexto pode causar alterações neuroquímicas. Aracelly afirma que todo mundo já passou por momentos de tristeza, angústia, ou perdeu a vontade de fazer as atividades do dia a dia, inclusive prazerosas. Porém, não se pode afirmar que todos esses quadros são de depressão, porque existe o humor deprimido, o episódio depressivo e o transtorno depressivo. Tudo vai depender do tempo de apresentação dos sintomas e do contexto em que se encontra o paciente.

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“Esse distúrbio neuroquímico geralmente tem a ver com a hereditariedade. Existe algum familiar – pais, avós ou tios - que deve ter tido depressão, então a pessoa apresenta essa alteração” Aracelly Marques - Foto: Arquivo pessoal

Há casos em que os sintomas da doença são confundidos com outros transtornos que possuem sinais semelhantes, como o transtorno efetivo bipolar. “Que tem o quadro clássico da depressão, mas ao longo da vida, a pessoa demonstra episódios de mania ou hipomania. Por isso é tão importante a avaliação criteriosa”.

Ainda pode se assemelhar a quadros de ansiedade e a outros transtornos do humor. A médica Scheilla Matos Ferreira conta que, nas crianças, os sinais de alerta são irritabilidade e agressividade. Nessa fase da vida, não é comum o surgimento de apatia. Já nos idosos, a doença pode parecer com quadros de demência. “Mas um profissional da saúde mental, um psiquiatra, com certeza, identifica o quadro depressivo, que também pode ser avaliado por um psicólogo”, comenta Scheilla.

Tratamento envolve vários profissionais

O tratamento da depressão, segundo especialistas, envolve uma tríade de ações. A primeira delas é a psicoterapia, que é indicada pelo psicólogo que acompanha o paciente. Juntamente com ele, o paciente, vão se definir detalhes do acompanhamento, como número de sessões semanais.

Há o tratamento fármaco, que fica sob a responsabilidade do psiquiatra. Ele define qual o remédio mais adequado a cada paciente. Vale lembrar que nem todo quadro de depressão irá precisar da ingestão de remédios.

Por fim, a atividade física, pois o exercício periódico, segundo a psicóloga Aracelly Marques, ajuda na remissão de muitos sintomas, contribuindo para a evolução do tratamento. A prática da atividade física precisa ocorrer, pelo menos, três vezes por semana, durante, no mínimo, 40 minutos a cada dia.

Segundo Aracelly Marques, caso não haja a busca por acompanhamento profissional, a pessoa pode até conseguir conviver com a depressão, porém, com um grande déficit da qualidade de vida. “Porque ela é uma doença que afeta a vida de uma forma global. Segundo a OMS, a depressão é considerada uma das doenças mais incapacitantes do mundo. Então, é importante buscar ajuda o quanto antes”.

Problema grave
Dados do Ministério da Saúde mostram que a prevalência da depressão ao longo da vida do brasileiro está em torno de 15,5%, sendo considerado um problema grave e altamente prevalente. O período da vida em que é mais comum o surgimento da doença é final da terceira década de vida, podendo acometer pessoas de qualquer idade. Informações do Ministério da Saúde apontam que a doença atinge 20% das mulheres e 12% dos homens.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 21 de maio de 2023.