O limoeiro que a vendedora de plantas ornamentais Marluce Gomes cultiva no quintal sempre fez sucesso entre seus vizinhos, no bairro Valentina Figueiredo, em João Pessoa. “Era limão demais. Eu dava aqui ao povo tudinho. Lá no posto de saúde, as meninas me viam e perguntavam: ‘Marluce, cadê o limão?’”, conta.
Há quatro meses, porém, manchas pretas tomaram conta do caule e se espalharam entre as folhas, reduzindo a quantidade de frutos produzidos. Então, o filho de Marluce, Rivanildo Valério, recorreu a uma receita que aprendeu na internet, uma mistura de bicarbonato de sódio, vinagre e óleo. Com duas aplicações por semana, durante um mês, as manchas diminuíram, mas o problema persiste — e já começa a atingir um pé de acerola.
O ataque de insetos, fungos e outros seres vivos às plantações, como ocorrido no Valentina Figueiredo, é um desafio frequentemente enfrentado por quem cultiva jardins, hortas e plantas ornamentais em casa. Para lidar com esse problema, é possível recorrer a soluções caseiras, menos agressivas ao meio ambiente. No caso do limoeiro de Marluce, há uma segunda maneira de controlar o micro-organismo causador das manchas. A receita é feita com a semente do nim, árvore de origem asiática com propriedades inseticidas.
"Às vezes, a pessoa viaja, gosta de uma planta e quer pegar uma mudinha para cultivar em casa, mas acaba trazendo alguns patógenos"
- Ramon Santos
“Aparentemente, essas manchas podem ser da pinta preta, um fungo que dá, principalmente, em plantas cítricas, como laranjas e limões, mas que pode pegar em outras espécies. O que eu recomendo [a Marluce] é a pulverização semanal do extrato do nim. Ela pode pegar 20 g da semente, triturar no liquidificador com um pouco de água e deixar descansar por 24 horas. Depois, tem que peneirar o extrato com um pano fino e diluir em 10 litros de água. Além de controlar o fungo, isso vai ajudar com outras possíveis pragas”, orienta Ramon Santos, biólogo e mestre em Botânica.
Entre os outros “intrusos”, mencionados por Ramon, comuns nas plantações em casa, estão os pulgões, as formigas — especialmente as cortadeiras —, os percevejos e as cochonilhas. Essas, segundo o biólogo, são uma espécie invasora, trazida do México para o Brasil junto com a palma, forrageira usada para alimentação, principalmente, na região semiárida. O inseto, contudo, adaptou-se e espalhou-se para outras áreas, como o litoral. O caso das cochonilhas, assim, acende o alerta para um fator que pode contribuir com a propagação de animais invasores. “Às vezes, a pessoa viaja para o interior, gosta de uma planta e quer pegar uma mudinha para cultivar em casa. Mas, acaba trazendo consigo, além da planta, alguns patógenos, fazendo com que haja uma invasão de espécies exóticas. E isso pode prejudicar a biodiversidade local”, adverte.
Visão agroecológica
O agroecólogo Fillipe Marini, professor do Departamento de Geociências (Dgeoc) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), destaca outros aspectos que favorecem a proliferação de insetos, fungos e demais espécies incômodas. Em um nível individual, o ataque desses seres vivos pode indicar a falta de um nutriente ou mesmo uma doença. Já em uma perspectiva ampla, pode ser sinal de um desequilíbrio na flora e na fauna locais. Nesse sentido, o cuidado com o espaço onde os jardins e hortas são cultivados é fundamental para reduzir o impacto causado por tais espécies. “Se o ambiente está desequilibrado, a planta já nasce doente. E os insetos adoram uma planta doente, porque eles a devoram rapidamente”, afirma Fillipe.
A associação entre a proliferação de insetos, fungos e outros organismos e o desequilíbrio no ambiente remete ao entendimento da Agroecologia de que tais “intrusos”, na verdade, fazem parte do ecossistema. Por isso, os adeptos dessa ciência evitam o uso do termo “pragas”, preferindo a referência a seres “indesejáveis”. “A presença de insetos, como besouros, mariposas e lagartas, é normal. Eles só não podem estar com uma população elevada, que cause prejuízos à plantação. Por isso, a gente tem que conviver com esses insetos, em vez de eliminá-los, até porque eles são daquele ambiente. Se você matar, no ano que vem, eles voltam de novo”, declara o professor da UFPB.
Uso de adubos naturais mantém as plantas saudáveis e fortes
O manejo adequado das plantas ajuda a prevenir ataques de seres indesejados. Segundo Fillipe, uma boa nutrição é o primeiro passo, com o uso de adubos naturais, obtidos por meio de compostagem. Outra estratégia de prevenção ao problema é a diversificação das espécies cultivadas. A técnica, conhecida como consórcio de plantas, aumenta as barreiras naturais contra os predadores.
“Algumas dessas plantas podem, inclusive, ser atrativas aos insetos, o que os desvia da planta que você quer cuidar. Tem também espécies que expulsam esses animais. Uma parte delas a gente até considera como ‘mato’ e sai cortando; por exemplo, o cravo-de-defunto, que elimina da área os nematoides, vermes presentes no solo. A citronela também é uma excelente opção para expulsar insetos”, aponta o agroecólogo.
Quem costuma fazer mudas das plantas — ou qualquer interferência que provoque um corte — também precisa tomar um cuidado específico. De acordo com Ramon Santos, a aplicação de canela em pó sobre o local do corte, tanto no indivíduo original como na muda retirada, protege a espécie do ataque de fungos e outros micro-organismos.
A dica é importante para pessoas como Marluce, que dedica à produção de mudas parte de sua rotina, enquanto vendedora e admiradora das espécies vegetais. “Eu amo minhas plantas e cuido delas com o maior prazer na minha vida. Todo dia, tenho que molhar todas as plantas, e sempre que está faltando terra, eu coloco terra, adubo e misturo. E vou vendendo. Às vezes, faço as mudas: tiro a planta do jarro, divido a metade dela com a raiz e coloco em outro jarro. Nisso, eu posso fazer duas, três ou quantas mudas eu quiser”, conta a moradora do Valentina.
Saiba Mais
Conheça outras técnicas que podem ser reproduzidas em casa
Com as plantas bem nutridas e cultivadas em ambiente equilibrado, o controle das pragas — ou dos seres indesejáveis — torna-se uma tarefa mais acessível, sem a necessidade de utilizar inseticidas ou outros defensivos químicos. Confira, então, algumas receitas, além do extrato da semente de nim, que colaboram para a diminuição de eventuais prejuízos às plantações cultivadas em casa. As dicas são de Ramon Santos, que recomenda o início do dia e o fim da tarde como os melhores horários para a aplicação sobre as plantas.
Detergente neutro – Misturar duas tampas (cerca de 20 ml) de detergente neutro com 500 ml de água. Em seguida, colocar em um borrifador e pulverizar sobre toda a planta. O processo pode ser feito três vezes por semana, em dias intercalados.
Extrato de fumo – Diluir 100 a 200 g de fumo em 300 ml de água e 300 ml de álcool. Deixar descansar por, pelo menos, 24 horas e coar para retirar os excessos. Para aplicar, é preciso misturar duas colheres de sopa do composto obtido em 500 ml de água. Pode-se borrifar duas vezes por semana.
Extrato da folha de nim – Macerar 120 g de folhas e bater no liquidificador com 350 ml de água. O líquido deve ser mantido em repouso entre 24 horas e 48 horas e, após esse período, coado. A aplicação é feita com a mistura de duas colheres de sopa do extrato em meio litro de água. Já a frequência é semanal, exceto se a infestação for grande. Nesse caso, aplica-se duas vezes por semana, até a situação ser regularizada.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de outubro de 2024.