Por Edison Veiga/BBC Brasil
Ele é o padroeiro dos apaixonados e, por conta disso, em muitos países o ‘Dia dos Namorados’ é celebrado em 14 de fevereiro, sua data comemorativa. São Valentim, mártir cristão da Roma Antiga, finalmente ganha um rosto. Graças ao trabalho de um designer brasileiro, restos mortais atribuídos ao santo, abrigados em uma tumba na Igreja de São Jorge, em Monselice, na província italiana de Pádua, foram reconstituídos por meio de computação gráfica e transformados em um rosto fiel ao do homem, um bispo que provavelmente viveu no século terceiro da Era Cristã.
O rosto verdadeiro de São Valentim foi apresentado às 16h do sábado (10) – 13h no horário de Brasília –, em cerimônia marcada para ocorrer na Sala Buonamorte do Museu Sanpaolo, da cidade de Monselice. Trata-se de um homem de feições rústicas e relativamente jovem – ao contrário de muitas das imagens que são conhecidas do santo, que mostram um senhor de aspecto delicado e já com idade avançada.
O trabalho de reconstituição facial de São Valentim de Monselice começou ainda em 2017. Foi quando uma equipe multidisciplinar, formada por acadêmicos da Universidade de Pádua – como Francesco Veronese, do Departamento de Ciência Histórica, Geográfica e da Antiguidade; Alberto Zanatta, do Museu de Anatomia Patológica; e Nicola Carrara, do Museu de Antropologia – se uniu ao grupo de estudos arqueológicos Arc-Team. Luca Bezzi, integrante italiano dessa equipe, foi um dos que se encarregaram de fotografar detalhadamente o crânio atribuído ao santo – em uma operação que foi autorizada e supervisionada pela Igreja Católica. Em seguida, essas imagens em altíssima resolução foram repassadas ao designer brasileiro Cícero Moraes, especialista em reconstrução facial em 3D.
De posse de tais imagens digitalizadas, Moraes levou uma semana para recuperar a face verdadeira do santo. Entretanto, há mais interrogações nesta história do que apenas desvendar o rosto do homem. Acredita-se que São Valentim não tenha sido apenas uma pessoa, mas pelo menos três.
“A Igreja Católica é um pouco caótica nesse sentido. Mas há muitos homônimos. E, pelo que se sabe, a figura protetora dos namorados é a mescla de três desses santos”, conta Moraes. “Um deles, eu mesmo havia 'reconstruído' no ano passado. O terceiro eu também adoraria fazer, mas parece que ele morreu em uma missão na África e não se sabe sobre seu sepultamento”.
O santo do amor
A origem do culto a São Valentim como padroeiro dos apaixonados não tem a ver com o catolicismo, mas sim com lendas romanas anteriores à cristianização. A comemoração é uma releitura da antiga festividade dos Lupercalia, celebrada então em 15 de fevereiro. Era uma homenagem ao deus Fauno, considerado o protetor dos rebanhos. A festa estava ligada à purificação dos campos e aos ritos de fecundidade.
Em 494, o papa Gelásio I proibiu que católicos participassem de tal festa. Como contrapartida, a Igreja então decidiu antecipar-se em um dia e acabou-se atribuindo a São Valentim a capacidade de proteger os enamorados – rumo ao casamento e a uma união santa e com filhos.
Há pelo menos duas lendas atribuídas a São Valentim. A primeira é a da rosa da reconciliação. Conta-se que, certa vez, o bispo estava ouvindo um casal que discutia no jardim. Valentim então levou uma rosa vermelha a eles e convidou-os a fazerem as pazes. Depois de algum tempo, o casal foi até o religioso, pedindo-lhe suas bênçãos para o casamento.
Também há a história de uma donzela cristã apaixonada por um centurião pagão. Quando conseguiram vencer as resistências familiares, a jovem acabou acometida por tuberculose. Valentim foi chamado até onde ela agonizava. Viu-a ao lado do centurião seu namorado. Apesar da morte iminente, este queria permanecer junto a ela. O santo intercedeu e, abraçados, ambos caíram em um sono profundo que os uniu pela eternidade.
Um designer e muitos santos
Natural de Chapecó, Santa Catarina, formado em Marketing e morador de Sinop, no Mato Grosso, o designer especialista em 3D Cícero Moraes, de 35 anos, está se tornando um verdadeiro caçador de santos. Com o São Valentim apresentado no sábado, ele soma 11 reconstituições de figuras religiosas do catolicismo – nove santos e dois beatos.
“Enveredar por esta seara foi ocasional. Tudo começou quando fui contratado pelo Museu da Universidade de Estudos de Pádua para reconstruir 28 faces que seriam apresentadas em uma mostra, anos atrás”, recorda-se. “Uma dessas faces era de Santo Antônio de Pádua, outra do beato Luca Belludi. A partir desse trabalho, fui procurado pelo doutor José Lira, um hagiólogo, ou seja, especialista na vida de santos, que me convidou a participar de outros projetos relacionados a figuras católicas”.
Em alguns casos, como no de São Valentim, ele conta com colaboração de outras pessoas que providenciam a captação das imagens do crânio, conforme as especificidades técnicas necessárias para que consiga produzir o material. Em outros, o próprio Moraes realiza as imagens, como quando fez a reconstituição facial de Santa Paulina, a ítalo-brasileira considerada a primeira santa do país, em novembro de 2015.