As discussões em torno do patriotismo costumam ser frequentes e variadas, envolvendo uma série de perspectivas e opiniões divergentes. Definido como devoção e lealdade a um país acompanhadas pelo orgulho nacional, a interpretação desse conceito pode variar significativamente, gerando debates acalorados com a aplicação em diferentes contextos.
“Patriotismo vem de pátria, pátria vem de liberdade, ou seja, de independência. Então, a gente passa a ter uma noção de pátria a partir dos processos libertários. No caso, as independências no Brasil, da América Latina e também na Europa. Essa ideia de patriotismo surge associada também ao nacionalismo. Se sou patriota, defendo os interesses nacionais e começo a aglutinar dentro de mim e a pensar quais são os atributos de uma identidade patriótica”, argumenta Nilda Câmara, historiadora e professora aposentada da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), citando ainda elementos no Brasil que trazem essa identificação. “Podemos indicar a Bandeira, o Hino Nacional, o ato de cantá-lo nas escolas, os desfiles de 7 de Setembro, quando acontecem as comemorações da Independência, além de outros”, ressalta.
Todavia, essas formas de expressar o patriotismo também são pontos controversos, onde se enxerga, por exemplo, o hasteamento da Bandeira, a participação em eventos nacionalistas e o respeito aos símbolos patrióticos como demonstrações legítimas, porém questiona-se se essas expressões são suficientes ou se são, por vezes, utilizadas para criar divisões.
“O patriotismo pode expressar aspectos pouco admiráveis. Freud define isso como o narcisismo das pequenas diferenças, de um mecanismo pelo qual indivíduos, para compensar sentimentos/complexos inconscientes de inferioridade, recorrem à identificação com instituições, personagens, grupos, regiões ou nações, para construírem para si um sentimento de superioridade”, argumenta o sociólogo Lemuel Guerra, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Para ele, o patriotismo, com esses aspectos, aponta para uma ambiguidade, tendo uma origem viciada na medida, sendo resultante de estabelecimento arbitrário e violento de fronteiras geográficas, historicamente constituídas com base na força, ocupação injustificável e processos vergonhosos de conquista e colonização, levados a cabo por povos mais poderosos em termos militares e de armamentos.
“O patriotismo é um sentimento portanto perigoso, na medida em que desperta nos indivíduos fenômenos tais como o etnocentrismo, da concepção da pátria em que se nasce como superior as outras, vemos isso de forma recorrente nos hinos nacionais, traços de xenofobia e a produção de competitividade e concorrência das guerras marcadas pela irracionalidade, culto fanático do solo e do particularismo, inimigos de utopias belas como a de um planeta unificado em torno do bem-estar de todos os seres humanos viventes, não importando o lugar em que se nasceu”, define.
Conforme explica, o patriotismo é da mesma família do regionalismo e do bairrismo. “Todos sentimentos/fenômenos responsáveis por injustiças históricas imensas e por modos de existir baseados em fantasias ‘infantilóides’ e perigosas de superioridade sobre os indivíduos de outros países, regiões, cidades, bairros, grupos”, aponta.
Linha tênue que separa a ideia de patriotismo do nacionalismo
Nilda Câmara lembra que, a partir da proclamação da Independência do Brasil, foi difundido, com o passar dos anos, uma série de sentimentos nacionalistas e patrióticos associados ao fim da escravidão, aos direitos dos trabalhadores, à liberdade cultural, à liberdade de religião, ao estado laico. “Um conjunto de estereótipos que se pressupunha a construir a identidade nacional, tanto é que Getúlio Vargas foi um dos principais nacionalistas. E podemos dizer que naquele período a principal preocupação era preservar, por exemplo, a riqueza nacional, e aí entra a história de o petróleo é nosso... Tudo isso fazia parte da identidade patriótica nacional da época, diferente desse patriotismo de hoje, associado a extrema direita, com o seu radicalismo e que pode levar à destruição da nação”, considera.
A discussão vai além quando considerado a linha tênue entre patriotismo e nacionalismo. Os debates muitas vezes giram em torno de onde traçar essa linha entre esses dois conceitos. “A Alemanha começou a construir a nação inserindo determinados tipos de atributos para a identidade nacional. Um desses levou ao nazismo que excluiu parte da sociedade que era extremamente diversa. Tanto é que os campos de concentração foram todos selecionados para pessoas tidas como diferentes, a exemplo dos judeus, os homossexuais e outros. A ideia de uma raça ariana fazia parte do perfil individual da Alemanha nacionalista”, diz a historiadora.
Alguns argumentam que o patriotismo não deve ser cego, e sim crítico, sendo importante amar e apoiar o país, mas também apresentando-se crucial questionar e trabalhar para melhorar as políticas e práticas que possam ser prejudiciais ou injustas. “Por exemplo, a gente pode discutir os lemas que os ‘patriotas’ foram às ruas do nosso país recentemente. Muitos eram defensores da ditadura militar, monarquistas, extremistas, grupos religiosos, inclusive, anticomunistas, mas levando consigo um sentimento muito difuso da anticorrupção e do que seria a família tradicional. Quer dizer, quando falam de família tradicional, estão querendo dizer o quê? Estão falando da exclusão social de outras famílias que não a tradicional. Temos que considerar que família não é pai, mãe e filho. A família não tradicional é também aquela como a minha. Tenho três filhas mulheres, uma neta e uma bisneta, e sou a chefe da família, vamos dizer assim, quem ordena a casa. Eu não tenho marido, então eu não sou tradicional”, questiona.
Ela argumenta ainda que a visão de patriota em relação a muitas das mulheres separadas ou divorciadas é sobrecarregado de preconceito, classificando como não tanto ideal. “Se o marido a deixou é porque ela não era boa, ou, então, se saiu com o cara no primeiro encontro e engravidou, a culpa sempre é dela. Vale esclarecer que, nesse caso, eles não excluem, mas passam a olhar como um projeto que não seria de uma família tradicional”, avalia.
Para a professora aposentada, esse é um discurso retórico de um grupo que termina por tentar implantar no pensamento coletivo que todo discurso em defesa da família tradicional é uma forma de proteção contra a pauta LGBTQIAP+.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de fevereiro de 2024.