A dona de casa Maria de Fátima, de 60 anos, confidencia: “Me sinto muito sozinha, a solidão é ruim demais, não desejo para ninguém o que eu sinto. Às vezes dá vontade até de correr, mas eu me aguento, assisto televisão, faço alguma coisa”. O sentimento de Maria de Fátima, que não quis citar o sobrenome por questões de privacidade, é comum em pessoas idosas, tem causas multifatoriais e pode levar a consequências negativas na saúde mental e física.
Maria não sabe explicar exatamente o que desencadeia tal sentimento. Ela trata depressão e ansiedade há alguns anos, diz que já teve uma crise depressiva fortíssima, mas que se recuperou, apesar de continuar lidando com o sentimento profundo de solidão diante do qual se sente impotente. A dona de casa tem três filhos e uma neta, mora com um deles em João Pessoa e os outros dois moram em São Paulo. Ela conta que sente falta e se preocupa com os filhos que moram longe, e que a separação do marido após um casamento de 30 anos influenciou na sua solidão, apesar de já enfrentar a depressão antes do fim do relacionamento.
Para lidar com a questão, Maria diz que faz terapia há alguns anos. “Eu faço on-line, faço pessoalmente, e gosto demais. É bom falar com ela. Eu também procuro me ocupar, caminho, vejo gente, vou na casa do meu irmão e passo o dia lá, me sinto bem”.
Segundo a psicóloga clínica e psicanalista Monik Monteiro, a solidão é uma condição associada à dor e à tristeza, um sentimento de vazio, o desejo de ter a companhia das pessoas, de pertencer, mas não conseguir vivenciar isso. Existe também a solitude que é um estado de isolamento voluntário e positivo, que, de acordo com a psicóloga, é necessário e muitas vezes pode ser produtiva. Monik explica também que há a solidão emocional e a solidão social: “a solidão emocional é caracterizada pela falta de um relacionamento íntimo ou um vínculo emocional profundo com as pessoas ao nosso redor. Já a solidão social é definida como a sensação de que as relações com amigos ou colegas estão aquém do que se deseja, muitas vezes por dificuldades de manter vínculos e ressignificar laços sociais”.
O sentimento de solidão pode surgir em qualquer faixa etária, mas se destaca por sua prevalência e consequências nos adolescentes e idosos. Estudos realizados com pessoas na terceira idade destacam fatores que contribuem para a solidão como: saída dos filhos de casa; viuvez e outros processos de luto; depressão; ausência e/ou abandono da família; aposentadoria não planejada; isolamento devido a Covid 19; problemas socioeconômicos; entre outros.
“Síndrome do coração partido” e até suicídio
O médico geriatra Jamerson de Carvalho afirma que no Brasil há 25 milhões de idosos e uma parte significativa dos pacientes sofre de solidão, não só por estarem sozinhos, “porque o que atenua a sensação de solidão não é a presença física, mas o vínculo afetivo. Mas a solidão física é muito presente também. Só para ter ideia, um estudo indicou que 20% dos pacientes que tem Alzheimer moravam sozinhos. A OMS decretou a solidão como uma epidemia esse ano, é uma questão global”.
O geriatra conta que há diversas repercussões na saúde física. Um exemplo na cardiologia é a síndrome “broken heart”, ou síndrome do coração partido, uma insuficiência cardíaca causada por um acidente emocional, por conta de uma emoção, de uma tragédia, de uma tristeza. “Também temos os estados depressivos, que culminam em falta de autocuidado, alimentação inadequada ou não alimentação, sedentarismo, suicídio, e até mesmo questões cognitivas de memória”, afirma Jamerson. O médico destaca que a família tem que estar atenta porque muitas vezes a solidão e/ou a depressão no idoso não se manifestam de maneira clássica, da pessoa que chora, que fala em sentimento de morte. “Muitas vezes a solidão se manifesta por dores, por insônia, por isolamento, por falta de apetite. Então a família tem que estar atenta e procurar os profissionais mais habilitados para isso, que são inicialmente o psiquiatra e o psicólogo. O geriatra tem um papel muito importante porque a geração atual de idosos tem barreiras muito grandes com médicos psiquiatras, mas é necessário ter o psicólogo e o psiquiatra no tratamento”, reforça o médico.
Poucas visitas
Joana D’arc Rodrigues de Godoy é proprietária e administradora de uma Casa de Repouso no bairro das Trincheiras, em João Pessoa, na qual residem 10 idosas. No seguimento há 14 anos, ela diz que é comum não receberem visitas constantes, “algumas por não terem filhos, e outros parentes parecem não sentirem que a presença é tão necessária”, relata Joana. Além dessa ausência da família ser gatilho para o sentimento de solidão, ela diz que a perda de autonomia e independência que o idoso vive é um processo muito doloroso, e por isso mesmo esse estágio da vida requer atenção, acolhimento, dignidade, e cuidados específicos para atender as suas necessidades.
Espantando a solidão
A professora aposentada Benedita de Andrade Santana, de 78 anos, é exemplo de uma pessoa idosa que se mantém ativa e consegue espantar a solidão e esbanjar bom humor. Benedita não tem filhos e se dedicou a cuidar dos pais até o final da vida de ambos, quando passou a morar sozinha, há 18 anos. Mesmo depois de aposentada, se manteve envolvida em diversas atividades: ela faz aula de dança, caminhada, costura, faz crochê, cuida das plantas, adora fotos, fazer pesquisas na internet sobre artesanato, e não abre mão de passeios com as amigas e convivência com a família.
“Eu nunca me importei em morar sozinha. Quando minha mãe faleceu, meus irmãos se preocuparam, mas eu preferi continuar morando só. No começo foi difícil até pela saudade, mas tinha outros familiares morando na mesma rua, uma prima que ficou um tempo comigo, e depois que me aposentei comecei a fazer várias atividades. Convivo com meus irmãos, sobrinhos. Não fico triste, pelo contrário, costumo dizer que não gosto de gente mal humorada perto de mim”, disse Benedita.
Ações do Governo do Estado
O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Humano, desenvolve diversas ações voltadas para pessoas na terceira idade. Um dos espaços com atividade para esta faixa etária é o Centro de Convivência da Pessoa Idosa, no bairro do Castelo Branco, em João Pessoa. O local oferece hidroginástica, atividade funcional, fisioterapia, oficina da memória, pilates, ioga restaurativa, dança contemporânea, e em parceria com o Cearte tem ainda desenho encenação, postura corporal e canto e coral. Os Centros Sociais Urbanos – (CSUs), presentes nas cidades de João Pessoa, Santa Rita, Campina Grande, Itabaiana, Sapé, Esperança, Areia e Catolé do Rocha, têm sido de suma importância para a população paraibana que pode usufruir gratuitamente das atividades de ginástica, dança, zumba, hidroginástica, cursos de corte de cabelo e escova, corte e costura e depilação atividades recreativas para crianças e idosos, grupos permanentes para convívio social da pessoa idosa e vários projetos sociais.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de janeiro de 2024.