Um trabalho científico realizado sobre os efeitos da invasão biológica da algaroba (Prosopis juliflor), no município de Monteiro, na região do Cariri paraibano, revelou que o plantio desse vegetal no Semiárido, apresentado e difundido como promissora alternativa econômica, por ser uma espécie de uso múltiplo, transformou em problema.
A valorização da algaroba pretendia ser uma solução para minimizar, inclusive, os efeitos nocivos da seca. A avaliação é dos professores Cláudia Maria Alves Pegado, Leonaldo Alves Andrade e Leonardo Pessoa Félix, que integram uma equipe do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa e em Areia; e ao Laboratório de Botânica da Universidade Federal de Lavras, em Minas gerais.
Segundo eles, a falta de manejo adequado, a adaptação regional da espécie, a facilidade de dispersão promovida pelos rebanhos, dentre outros fatores, transformaram em problema o que antes parecia ser uma medida econômica promissora: “A espécie foi sendo disseminada e se estabeleceu em determinados sítios da Caatinga, ocupando grandes extensões de terras em praticamente todos os estados do Nordeste. Os sítios preferenciais da invasora são as áreas de matas ciliares, as manchas de neossolos flúvicos (solos minerais não hidromórficos, oriundos de sedimentos recentes referidos ao período Quaternário) e as baixadas sedimentares, onde se formam maciços populacionais de alta densidade”, observa o professor Leonaldo Andrade, da equipe de pesquisadores.
"Espécie foi disseminada em determinados sítios da Caatinga, ocupando grandes extensões de terras em todo o Nordeste" Leonaldo Andrade
Ao contrário de muitos problemas ambientais que geralmente tendem a se amenizar com o decorrer do tempo, a contaminação biológica se multiplica ou se expande, causando impactos de longo prazo, não permitindo que os ecossistemas afetados se recuperem naturalmente. É o que ensinava Westbrooks, em 1998.
A invasão biológica é caracterizada quando um organismo ocupa, desordenadamente, um espaço fora de sua área de dispersão geográfica. É frequentemente relacionada à influência do ser humano, intencional ou não, como também a processos naturais. Depois de estabelecido, o organismo, pode expandir-se aos habitats circunvizinhos, podendo ocasionar grandes perdas econômicas ou biológicas, pela extinção ou perturbação da biota nativa. As espécies invasoras geralmente afetam a estrutura das comunidades ou a funcionalidade dos ecossistemas, assim entendeu Williamson, ao escrever sobre o assunto em 1996.
As invasões biológicas podem causar impactos em diversos níveis, incluindo efeitos sobre os indivíduos (morfologia, comportamento, mortalidade, crescimento), efeitos genéticos (alteração de padrões de fluxo gênico, hibridização), efeitos sobre a dinâmica de populações (abundância, crescimento populacional, extinção), sobre a comunidade (riqueza de espécies, diversidade, estrutura trófica) e sobre processos do ecossistema (disponibilidade de nutrientes, produtividade, regime de perturbações).
Na pesquisa e de acordo com Ziller & Galvão (2002) e Randall (1996), a grande maioria dos países carece tanto de registros como de medidas de prevenção e controle de espécies invasoras, requerendo coleta e organização de dados para retratar a situação atual e estabelecer prognósticos sobre o problema. Esse seria exatamente o caso do Brasil, que sofre com o problema, mas que ainda não se conhece suas reais dimensões.
Para a América do Sul, ainda existem poucos registros de plantas invasoras em ambientes florestais provavelmente em decorrência de escassez de estudos com esse enfoque direto. Em se tratando do bioma Caatinga, é notória a escassez de informações científicas relativas até mesmo a abordagens mais básicas como, por exemplo, a sucessão ecológica, a estrutura fitossociológica das diferentes fisionomias, a dinâmica de regeneração, dentre outras. Em se tratando do tema invasão biológica, muito pouco foi estudado até o presente na Caatinga, não obstante a gravidade do problema, particularmente causado por espécies introduzidas pelo homem, como foi o caso de Prosopis juliflora (algaroba).
O município de Monteiro está localizado na microrregião do Cariri Ocidental paraibano, onde ocupa uma área de mais de 1,05 mil quilômetros quadrados e apresenta uma altitude em torno de 600 metros. O clima é do tipo semiárido quente, com precipitação pluviométrica média anual em torno dos 400 milímetros. As médias de temperatura situadas às margens do Rio Paraíba são características dessa região, onde os solos predominantes são os neossolos flúvicos.
Planta chegou à Paraíba na zona rural de Serra Branca
A altitude local de Monteiro é de 621 metros. Uma área remanescente de 30 hectares não sofreu corte raso pelo menos nos últimos 40 anos, embora haja relatos de que a área já tenha sido usada com agricultura, passando posteriormente a ser usada com pecuária extensiva, uso esse que permanecia até a realização do trabalho dos pesquisadores da Paraíba e de Minas Gerais. Existem núcleos com “indivíduos jovens e adultos” de algaroba altamente adensados e locais onde esses ocorrem em menor densidade, dividindo espaços com a pecuária extensiva de caprinos e bovinos.
A algaroba foi introduzida pela primeira vez na Paraíba pelo engenheiro agrônomo Inácio Antonino Gonçalves, no Sítio Ligeiro, na zona rural de Serra Branca, na década de 1940. Ele trouxe algumas mudas selecionadas de Custódia, em Pernambuco, e usou sua propriedade para experimentos. Procurado por outros fazendeiros locais, ele acabou cedendo gratuitamente diversas mudas para plantios em Taperoá, Sumé e São João do Cariri, todos no Cariri paraibano.
No início, a algaroba fornecia óleo comestível para os rebanhos através de seus grãos e dava lucro
Os fazendeiros alegaram, depois, que a algaroba fornecia óleo comestível para os rebanhos através de seus grãos, e dava lucros a quem comercializava suas vagens dentro do Brasil e com os Estados Unidos, México e Canadá, que fabricam, ainda hoje, um xarope de largo uso industrial na farmacopéia norte-americana, utilizando esse produto. O proprietário rural Manoel Maximiano, de Taperoá, costumava dizer que “plantar algaroba significava obter madeira, lenha e comida para os rebanhos, além de ter dinheiro no bolso diariamente”.
Em junho deste ano, a Prefeitura de Campina Grande (PMCG), por meio da Coordenadoria do Meio Ambiente, anunciou que deveria realizar o transplante de árvores na Avenida Almirante Barroso, uma das principais vias da cidade.
Segundo a coordenadora da pasta, a bióloga Lilian Ribeiro, as árvores de espécie algaroba seriam retiradas e substituídas por plantas nativas, como o ipê, pois as algarobas, por terem raízes grandes e profundas, podem prejudicar o asfalto, “além de fazer mal a outras plantas que estão em seu entorno”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 08 de outubro de 2023.