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Bairro do Varadouro abriga um dos mais importantes logradouros da capital: a Praça do Trabalho, popularmente conhecida como Praça da Pedra

publicado: 16/05/2022 09h14, última modificação: 16/05/2022 09h14
2022.04.28_praça da pedra © roberto guedes (51).JPG

Foto: Roberto Guedes

por Lucilene Meireles*

O Bairro do Varadouro, em João Pessoa, abriga um dos mais importantes e históricos logradouros da cidade: a Praça do Trabalho, popularmente conhecida como Praça da Pedra. Localizada entre as Ruas da República, São Miguel e Maciel Pinheiro, sentido Ponte Sanhauá e centro da capital, a praça possui um monumento incomum em seu centro, uma pedra monolítica. Alguns historiadores afirmam que ela pesa duas toneladas e outros, como Luciano de Queiroz, na obra ‘Cenas de um espetáculo político: poder, memória e comemorações na Paraíba – 1935-1945’, diz que são 22 toneladas.

E se há controvérsias em relação ao peso, há também sobre o local de onde a pedra foi retirada e como foi levada até a praça. Do alto de seus 106 anos de idade, a aposentada Maria Rita Tomé Ribeiro tinha apenas 15 quando a pedra foi instalada no local, mas para ela as lembranças estão bem vivas. Na época, a então adolescente morava na Rua da República e acompanhou toda a movimentação.

Muito lúcida, mas com dificuldade para falar em razão da idade, Maria Rita relata a memória que guarda desse momento. “A pedra veio da Borborema, de trem. Quando chegou aqui, colocaram numa carroça que os homens rodavam, empurrando com um pau”, detalhou. A idosa lembra que a praça já existia quando a pedra chegou. “Limpavam bem, e as pessoas colocavam flores lá, faziam promessas”, acrescenta. Conforme inscrição na pedra, datada de 1950, ela representa uma homenagem da classe operária ao presidente João Pessoa, falecido em 1930.

O historiador José Octávio de Arruda Melo afirma que a praça foi criada pelo governo de João Pessoa, mas, segundo ele, existem versões diferentes para contar o que de fato aconteceu. Teriam surgido, por exemplo, histórias fantasiosas, inclusive de que a pedra teria sido transportada com a utilização de um cabo de aço da ferrovia até a praça.

“Não é verdade. Trouxeram a pedra do município de Cruz do Espírito Santo num trem até o ponto final da ferrovia. Depois, foi transportada em carroça. A pé não se podia. Quantos homens seriam necessários para segurar uma pedra daquela? Não era possível”, constata.

Uma vez instalada, a pedra foi literalmente pichada. A Juventude Comunista, sob o comando de Francisco Pontes, filho de um cidadão que tinha uma célula comunista no Bairro da Torre, escreveu na pedra, com piche, ‘Praça Senador Prestes’. A inscrição, conforme José Octávio, ficou lá durante cerca de duas décadas. “A maioria das pessoas passou a chamar Praça da Pedra, e o Partido Comunista, Praça Senador Prestes, porque a juventude pichou. Essa pichação só desapareceu com o tempo, mas eu lembro que, em 1964, quando fui visitar uma pessoa perto da praça, a inscrição ainda estava lá”.

De acordo com o historiador, a praça era muito desorganizada e as melhorias no espaço foram feitas por Damásio Franca, que foi prefeito de João Pessoa duas vezes, no governo de João Agripino e depois de Tarcísio Burity. Ele conta ainda que foi na época de Agripino, em 1968, que a praça foi urbanizada, ganhando bancos, jardim e ficando com a feição atual. “A essa altura, a inscrição do senador Prestes já tinha desaparecido”. O historiador não sabe precisar o peso da pedra.

O nome Praça do Trabalho, segundo José Octávio, tem relação com o dia 1º de maio. A pedra foi instalada nesse dia. “João Pessoa era populista e se voltava muito para as camadas mais humildes. Ele queria prestigiar os trabalhadores e os trabalhadores o queriam prestigiar. Por conta disso, surgiu a Praça da Pedra. Essa é a história”. A praça passou por reforma em 2014, na gestão do prefeito Luciano Cartaxo (hoje no PT e na época no PV).

Sem verdadeira versão

A princípio, a história da Praça da Pedra é construída a partir de interpretações tecidas sobre evidências ou, mais precisamente, fontes históricas. É o que afirma a historiadora Eduarda Brandão. Para ela, não há uma verdadeira história dos eventos, mas sim diferentes versões para um mesmo fato, construídas através de uma investigação que perpassa por uma série de rigores pré-estabelecidos.

A pesquisadora destaca que, investigando os eventos, observa-se que existem diferentes versões a respeito da história da Praça da Pedra que, não necessariamente partem de fontes precisas acerca dos eventos. “Não obstante, uma pista valiosa pode ser encontrada na publicação do Jornal A União, do dia 10 de julho de 1931”, pontua.

“Segundo consta na chamada, o jornal anuncia: ‘A Grande Comemoração: o transporte do grande bloco de granito para a Praça do Trabalho’, evidenciando como a denominação ‘Praça do Trabalho’ seria anterior à instalação da pedra”, emenda. A União informa que o monolito em questão teria sido transportado da Borborema, num trem cedido pela administração da Great Western, empresa britânica que, na época, seria responsável pela estação de trem, atualmente conhecida como CBTU. Na pedra, conforme o texto, seria posta uma coroa simbólica em bronze e, numa de suas bases, aberta uma inscrição, em baixo relevo, em homenagem aos operários.

A matéria informa ainda que, àquela altura, a pedra já se encontrava na esplanada da Companhia de Comércio e Indústria Kroncke, uma empresa internacional vinculada ao algodão, envolvida nos setores de transporte, distribuição, exportação e importação. O transporte da pedra à Praça do Trabalho teria começado no dia 11 de julho. Ainda de acordo com a reportagem, a pedra foi carregada por centenas de operários.

A matéria do Jornal A União anunciava que, para a passagem da pedra, a Rua da República seria interditada por dois dias. “Ademais, a instalação da pedra nessa praça fazia parte dos eventos relacionados ao aniversário de um ano da morte do presidente de província, João Pessoa”, destaca Eduarda Brandão. Esses eventos incluíam diversas localidades, como Areia, Patos, Cabedelo e Sapé, envolvendo hasteamentos de bandeiras, marchas fúnebres e outras solenidades.

Espaço de resistência

A Praça do Trabalho, ou Praça da Pedra, como é mais conhecida, constitui-se na década de 1930 como espaço de resistência ou contrateatro - como nomeia o historiador Luciano de Queiroz - da classe trabalhadora pessoense, e sua história carrega muito de simbolismos que remetem à história política local. É o que observa a historiadora Loyvia Almeida.

Ela confirma que, em meio às comemorações e homenagens prestadas ao ex-presidente João Pessoa, por ocasião do primeiro ano de sua morte, a praça ganhou o monólito. A historiadora explica que, a partir de estudos realizados por Luciano de Queiroz, a pedra foi transportada via trem, do interior à capital. A obra do historiador diz que ela pesava 22 toneladas. “Ainda há dúvidas se ela veio de Bananeiras ou Cruz do Espírito Santo”.

Conforme a publicação de Luciano Queiroz, ao desembarcar na estação ferroviária da Great Western, próxima ao Sanhauá, a pedra foi conduzida por não menos que mil trabalhadores, até a praça. “Mas o que um monólito teria a ver com o político João Pessoa? De acordo com o historiador Arion Farias, ao viajar pelo interior, o ex-presidente teria descansado na sombra de tal pedra, enquanto seu carro, que havia apresentado defeito mecânico, era consertado”, acrescenta Loyvia.

Participando das homenagens ao político João Pessoa, os trabalhadores da cidade, sob os atentos olhos do interventor Antenor Navarro e demais autoridades, enfeitaram a pedra com uma coroa de louro e uma placa de bronze fazendo menção à data de 26 de julho, dia do assassinato de João Pessoa. A historiadora lembra que a praça tornou-se simbólica: um lugar de memória e espaço de homenagem.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 15 de maio de 2022