Notícias

Fauna e Flora

Um Brasil de plantas “estrangeiras"

publicado: 04/09/2023 10h52, última modificação: 04/09/2023 10h52
Diversas espécies foram introduzidas no país durante a colonização e hoje fazem parte do cotidiano da população
ipe1.JPG

Foto: Ortilo Antonio

por Alexsandra Tavares*

Castanholas, mangueiras, ipês e bananeiras são exem­plos de espécies vegetais co­muns nas ruas e praças dos municípios paraibanos. Elas já estão integradas à paisa­gem local e dão mais cor e sombreamento ao ambiente. O que muita gente não sabe é que estas e outras plantas não são nativas do estado, vieram de diferentes países ou re­giões do Brasil. Enquanto uns exemplares exóticos são bem recebidos pela fauna e flora local, outras podem ameaçar espécies nativas, atrapalhan­do, inclusive, a reprodução.

O mestre em Botânica e doutorando em Ciências Florestais, Ramôn da Silva Santos, explicou que essas plantas exóticas ou invaso­ras - como são chamadas as não nativas, são transferidas de seus habitats naturais para lugares longínquos pela ação humana e também pela ação da natureza. Essa mudança geográfica pode ser motiva­da por fatores como transa­ções comerciais, exploração científica, ornamentação ou de maneira acidental.

Animais, como aves, que costumam se alimentar de espécies frutíferas, podem espalhar sementes em luga­res afastados de onde as en­contraram. Nesse processo, ainda deve-se levar em consi­deração a ação do vento, que carrega sementes para áreas distantes do lugar de origem. “Uma vez introduzidas em novos ambientes, essas plan­tas podem exibir uma varie­dade de comportamentos de colonização, como compe­tir por recursos nutricionais com plantas nativas”, afirmou Ramôn.

O engenheiro agrônomo e diretor de Controle Am­biental da Secretaria do Meio Ambiente de João Pessoa (Se­mam), Anderson Fontes, afir­mou que as plantas exóticas comuns no estado são as cha­madas árvores viárias, que são aquelas plantadas nos canteiros centrais, praças, jar­dins de escolas e passeios pú­blicos. Ele contou que umas das plantas exóticas frequen­temente vistas nos municí­pios paraibanos é o neen in­diano, natural da Índia.

“Ele tem crescimento rápi­do, mas as raízes costumam danificar imóveis e calçadas que estejam por perto. Tam­bém não é muito apropriado para a fauna local, considera­do abortivo para as abelhas. Apesar de não ser muito boa nesse sentido, é a árvore mais plantada nos municípios pa­raibanos”, explicou Ander­son, que também é diretor da Sociedade Brasileira de Ar­borização Urbana, Regional Nordeste (SBAU-NE).

Há espécies exóticas que podem apresentar comporta­mento invasor, como a leuce­na e a castanhola, retardando o desenvolvimento da flora nativa, interferindo negativa­mente até no desenvolvimen­to das florestas.

Esse não é o caso das mangueiras, árvores não na­tivas encontradas, facilmen­te, em cidades paraibanas, como João Pessoa. Na capital, são comumente vistas nas vias públicas, como as aveni­das João Machado e a Maxi­miano Figueiredo. Segundo Anderson, elas são nativas do Sul e Sudeste asiático, mas se adaptaram bem ao clima brasileiro. O único cuidado que se deve ter é com relação aos frutos, pois na época de colheita podem cair repenti­namente, podendo trazer da­nos ao cidadão ou aos bens patrimoniais.

Anderson Fontes frisou que o lado positivo de se plan­tar espécies nativas nas cida­des, é o fato de se estar mais familiarizado com a sua fisio­logia, morfologia, e entender com maior clareza os possí­veis aparecimentos de doen­ças e os respectivos tratamen­tos. Além disso, é uma forma de preservar o bioma local.

Fatores econômicos tam­bém influenciaram a chegada de plantas exóticas no Brasil, disseminando mudas em esta­dos como a Paraíba. Com a ca­rência de alimentos no perío­do de seca do Sertão, algumas plantas foram introduzidas no estado para matar a fome das criações. Um exemplo é a algaroba. A espécie chegou à Paraíba na década de 1960 e foi plantada, inicialmente, na zona rural, assumindo a fun­ção de suplemento alimentar para os animais. Depois, foi levada para espaços públicos, inclusive urbanos. Anderson citou que um dos problemas que ela apresenta é a facilida­de de tombamento.

Produtos que se tornaram símbolo da economia nacio­nal, como a cana-de-açúcar, também vieram de lugares distantes. O botânico Ramôn Santos afirmou que a planta é originária da Ásia, e foi in­serida no país pelos coloni­zadores portugueses para a produção de açúcar. Já o café, originário da África, chegou em terras brasileiras no sécu­lo 18, com a finalidade de di­versificar a produção agrícola e atender à crescente deman­da mundial.

“Naturalistas, botânicos e exploradores também tive­ram um papel importante na introdução de plantas exóti­cas. Plantas eram coletadas em expedições científicas e trazidas para estudos e cole­ções botânicas. Espécies não nativas foram trazidas com o intuito de estudar sua adapta­bilidade a diferentes climas e solos”, ressaltou Ramôn.

Outra razão para a chega­da dessas espécies invasoras foi o “modismo”, ou seja, o desejo de seguir a tendência paisagística de outros países ou regiões do Brasil. O pa­raibano visitava paisagistas de fora do estado e desejava seguir a tendência paisagís­tica adotada por ele. Então, importava uma muda, dan­do sequência ao plantio das árvores exóticas nas cidades paraibanas.

Espécies têm gerado contribuições na economia, paisagismo e culinária

Apesar das ressalvas so­bre a adoção de plantas exó­ticas, vale lembrar que elas também contribuíram para a economia e diversidade pai­sagística brasileira. O mes­tre em Botânica, Ramôn da Silva Santos, frisou que mui­tas delas são usadas na cons­trução civil, têm fins medici­nais, são usadas na área de cosméticos e até em projetos paisagísticos.

O eucalipto, nativo da Oceania, é um produto co­biçado na construção civil, devido à qualidade da ma­deira. Segundo Ramôn, a planta ainda é matéria-pri­ma para produção de pa­pel, óleo essencial e outros produtos aromáticos. “No entanto, o cultivo extensivo de eucaliptos, em algumas regiões, pode gerar preocu­pações ambientais, como a alteração do ecossistema lo­cal e a competição com es­pécies nativas. Portanto, é fundamental equilibrar os benefícios econômicos com a preservação ambiental”, destacou o especialista.

Já o coentro (Corian­drumsativum), tão comum nas feiras livres, supermer­cados e agricultura parai­bana, é nativa do Mediter­râneo. De cheiro intenso, é considerado um importante condimento e está presente em vários pratos da culiná­ria brasileira, contribuindo para a cultura e economia de diversas cidades.

Flora diversa foi impulsionada pela presença da família real

ipe2.JPG
Foto: Ortilo Antônio

A história das importa­ções de espécies vegetais exóticas no Brasil remonta à época das Grandes Nave­gações, quando explorado­res, colonizadores e comer­ciantes transportavam ervas e mudas de plantas em suas viagens pelo mundo.

O botânico Ramôn San­tos contou que as espécies eram frequentemente cole­tadas em diferentes regiões e trazidas como amostras botânicas ou para uso em cultivos agrícolas. Na vin­da dos portugueses ao Bra­sil, diversas plantas originá­rias de Portugal e de outras partes da Europa foram in­troduzidas no país. Muitas delas foram trazidas como presentes, brindes diplomá­ticos ou para embelezar jar­dins e compor paisagens.

“Dom João 6o trouxe di­versas plantas para o Bra­sil, quando a corte portu­guesa se transferiu para o Rio de Janeiro, em 1808. Es­sas plantas eram destinadas ao enriquecimento de jar­dins reais e embelezamen­to de áreas urbanas”, men­cionou Ramôn.

Para o bem ou para o mal, essas plantas não na­tivas já fazem parte da pai­sagem de vários estados brasileiros. “Em resumo, a chegada de plantas exóticas em uma região ocorreu ao longo de séculos, impulsio­nada por uma variedade de motivos, incluindo, explo­rações marítimas, comércio, interesses científicos, embe­lezamento urbano e neces­sidades econômicas. Essas introduções contribuíram para a diversificação da flo­ra brasileira, mas também ti­veram impactos positivos e negativos sobre os ecossiste­mas locais e a biodiversida­de”, completou Santos.

Legado

A presença da famí­lia real no Brasil influen­ciou na diversificação da flora brasileira. O impera­dor Dom Pedro II contri­buiu decisivamente para a criação de um dos mais importantes celeiros da flo­ra do país - o Jardim Botâ­nico, no Rio de Janeiro. “O Jardim Botânico é um dos instrumentos de referência mais importantes do mun­do para o estudo da Botâni­ca”, enfocou o engenheiro agrônomo, Anderson Fon­tes. Ele afirmou que lá estão tanto espécies brasileiras, quanto exóticas, a exem­plo da palmeira real e da imperial, sendo esta últi­ma originária da América Central e comumente en­contrada no Parque Zoo­botânico Arruda Câmara (Bica) e o Parque Sólon de Lucena (Lagoa).

Ipê Amarelo

Uma das plantas não nativas que já virou atrativo contemplativo no estado pela beleza da cor de suas flores foi o ipê, sobretudo, o amarelo (Handroanthuschrysotrichus). Segundo o mestre em Botânica, Ramôn da Silva Santos, o ipê-amarelo é originário dos países da América do Sul, e no Brasil se concentra na região Sul e Sudeste. No entanto, a árvore já está presente em inúmeros estados brasileiros.

“Uma planta é considerada exótica quando ela sai de outros locais, não necessariamente de outro país, mas também de um bioma para outro. Na Paraíba, encontramos espécies da região amazônica, do Sul e Sudeste, que não germinariam naturalmente no nosso estado, mas porque foram trazidas para cá”, explicou.

Outro exemplo que ele citou foram as araucárias, comuns apenas nos pampas do Sul do Brasil, mas que são vistas em terras paraibanas, na região da Borborema, em áreas de grande altitude.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 02 de setembro de 2023.