A Comunidade Religiosa Cidade Eclética ou “cidade cor-de-rosa”, como ficou conhecida, completou 67 anos ontem. Incrustada no solo avermelhado do entorno do Distrito Federal, mais precisamente no município de Santo Antônio do Descoberto, em Goiás, foi criada pelo Mestre Yokaanam, em novembro de 1956. Erguida numa localidade intitulada Campo Limpo, tem atualmente cerca de 300 moradores e mantém-se através da solidariedade entre os habitantes, obreiros, acolhidos e visitantes, a exemplo dos médicos que residem no local e realizam atendimentos de forma gratuita, além de outros profissionais de diferentes áreas, responsáveis pela manutenção do complexo sacro.
Na Paraíba, o instrutor da matriz regional é o bancário Eduardo Godofredo, que é nascido na Cidade Eclética de Goiás, onde ganhou o nome de Trajano, a partir do batismo religioso ocorrido no ano de 2012. O templo da Paraíba tem como patrona Nossa Senhora da Luz e, além do diretor espiritual, conta com dez obreiros.
“Consciência, compreensão e paciência”. Foi com essas palavras que Trajano iniciou a conversa com a reportagem de A União, quando instigado a falar sobre o desafio de coordenar uma das unidades da entidade que mantém uma disciplina rígida e que ainda não é tão conhecida do grande público, principalmente aqui no Nordeste.
Ele ressalta que o diálogo é a forma mais eficaz para manter os ideais de conscientização e restauração dos indivíduos nesta caminhada. “Muitas vezes, até por conta da influência da indústria da moda, existe uma não aceitação da própria natureza, fazendo com que as pessoas mudem gradativamente e percam até a forma humana, por uma beleza temporária”.
Comunidade pertence à Fraternidade Eclética Espiritual Universal e mantém uma rotina de trabalhos de caridade
Na sequência, o líder espiritual complementa: “Precisamos entender que essa é uma missão dos espíritos de luz, que estão apoiados num pensamento de amparo, caridade e fé, na busca por algo superior onde todos possam colher os frutos da fraternidade”, aponta Trajano.
A irmã Luciana Accioly, que é diretora espiritual da regional da Paraíba, é pernambucana, e conheceu a Fraternidade Eclética ainda na sua infância, na cidade de Recife, onde frequentava acompanhada dos seus pais. Depois veio morar na Paraíba, onde atua. Instada a falar sobre a instituição, ela ressalta “Aqui é o lugar onde a gente busca a caridade. A fraternidade para mim hoje é uma representação de Deus aqui na Terra e que nos dá força para pregar a bondade e a solidariedade para o público que bate à nossa porta em busca de um esclarecimento, de um apoio espiritual, de um alívio para o seu espírito”. Luciana resume o trabalho da instituição: “É uma escola de reforma para todos nós!”.
A comunidade, que pertence à organização Fraternidade Eclética Espiritualista Universal (FEEU), mantém uma rotina de trabalhos de caridade e espirituais, a exemplo dos rituais de Umbanda eclética da Fraternidade e eclético-Kardecista, além de ofícios solenes de ação de graças, batismos de catecúmenos, enlaces matrimoniais, bênçãos espirituais e cerimônias de sepultamento, todos de forma gratuita. Na ordem, acontecem os sepultamentos na posição vertical e de frente para o nascente, exclusivos para os membros com nível de maior graduação religiosa.
Sede fica localizada em Goiás, e cidade foi criada em 1956
Sobre o epíteto de “cidade cor-de-rosa”, o diretor-geral de Assistência Social e Espiritual, sacerdote Irmão Alípio, revela uma história curiosa. “Pelo fato do nosso Mestre Yokaanam ter sido aviador, quando viemos para cá [em Goiás], muitos amigos seus que também eram pilotos de aeronaves vinham visitá-lo, e por ser uma região aberta no cerrado, inicialmente as casas eram todas brancas, fato esse que dificultava a visão dos pilotos durante a aterrissagem no campo de pouso da comunidade, portanto, comentaram isso com o mestre e, a partir desses relatos, foi adotada a cor rosa alvorada na fachada das casas, e, assim, a Cidade Eclética ficou conhecida também por ‘cidade cor-de-rosa’”.
Irmão Silvain, que é diretor de Imprensa e Divulgação da FEEU, fala da dinâmica e das atividades no local. “Oferecemos apoio espiritual por meio dos nossos rituais e atendimentos e pregamos a fé, a solidariedade e a caridade como preceitos para uma vida com correção e restauração, pois acreditamos que a nossa existência hoje é resultado de uma carreira espiritual encarnatória e é nos dado a chance de aprimorar o nosso lado espiritual por meio da retidão das nossas ações durante essa trajetória terrena”.
Nas dependências da Cidade Eclética, no Planalto Central, em local de destaque, existe um mausoléu que guarda os restos mortais do Mestre Yokaanam, criador da FEEU, onde estão expostos o cajado que o acompanhava e algumas vestimentas, como túnicas e batas. O local, considerado sagrado, só é aberto à visitação em datas especiais, sendo um recinto de reverência e meditação, onde os peregrinos só podem entrar descalços em reverência ao líder.
Origem, acidente do piloto de avião e a peregrinação
Fundada em 27 de março de 1946, a Fraternidade Eclética Espiritualista Universal, era localizada na Avenida Presidente Vargas no antigo Distrito Federal, Rio de Janeiro. O grupo realizava peregrinações anuais entre os meses de novembro e dezembro, distribuindo alimentos, remédios, roupas, assistência espiritual e clínica. Em 1947, fundou o jornal da comunidade, O Nosso, atualmente principal veículo de comunicação da Fraternidade.
Nascido em Alagoas, em 23 de fevereiro de 1911, Oceano de Sá foi o caçula de 14 irmãos. Estudou em colégio de padres salesianos, ingressou na Ordem dos Franciscanos antes de fazer carreira militar e civil como aviador. Morou alguns anos na Bolívia e na Alemanha. Foi piloto particular do então presidente Getúlio Vargas até ser reformado pelas Forças Armadas com a patente de coronel. Após sofrer, em 1944, um grave acidente aéreo nas águas da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, quando administrava uma aula de voo, Oceano sobreviveu e encerrou a sua carreira militar, e passou a viver exclusivamente a vida religiosa.
Em 1945, se autointitula Mestre Yokaanam e, em 1945, fundou a FEUU, na cidade do Rio de Janeiro, em três andares alugados num prédio antigo, na Avenida Presidente Vargas, onde prestavam serviços de enfermagem, doações de roupas, calçados, brinquedos e medicamentos aos necessitados, além de oferecer passes espirituais. O mestre faleceu no dia 21 de abril de 1985, na cidade de Anápolis, em Goiás, vítima de derrame cerebral.
Segundo a página da FEUU, em 31 de outubro de 1956, um grupo com aproximadamente 150 famílias, liderado pelo Mestre Yokaanam, saiu do Rio de Janeiro em direção à localidade Campo Limpo, distante nove quilômetros de Santo Antônio do Descoberto, então Distrito de Luziânia, a 27 quilômetros de Brasília. No dia 4 de novembro do mesmo ano, chegaram ao destino, onde ergueram 18 barracas que serviram de moradia provisória para os peregrinos.
Numa solenidade simples, porém majestosa, de fundação da cidade, Yokaanam enterrou seu cajado e inaugurou a Cidade Eclética. O cajado foi enterrado no local onde hoje existe um monumento dedicado à mãe preta, Maria Pastora, que tinha sido ama do mestre.
Algumas frases de Yokaanam: “Lembra-te de que a dor bate em qualquer porta sem respeitar fortunas e poderes humanos”; e “Quando você trabalha, sem relógio... com amor e com o coração contente, sem preocupações com as vantagens mortas do reino deste mundo, nenhuma fortuna paga sua felicidade!”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 05 de novembro de 2023.