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Usada de maneira sutil ou escancarada, a violência molda comportamentos e provoca danos físicos e psicológicos

Violência - Problema social que afeta multidões

publicado: 18/09/2022 00h00, última modificação: 19/09/2022 11h57
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Na violência coletiva - social, política e econômica - o agressor busca o benefício próprio, a partir da negação dos direitos dos outros - Foto: Foto: Pixabay

tags: Pensar , enfrentamento da violência

por Nalim Tavares*

 

“Existem tantas formas de ser violento que é difícil falar sobre esse tema de forma ampla, sem pensar em um caso específico”, analisa a psicóloga Rayanne Moreira. Segundo ela, todos nós sabemos o que a palavra violência significa, mas, às vezes, a ação violenta é tão sutil, tão psicológica, que passa despercebida. “Nem sempre sabemos apontar o que aconteceu, como começou, ou como chegou ao ponto em que chegou. Só sabemos que aconteceu e que deixou um dano físico, social, espiritual ou psicológico”.

Rayanne conta que, por décadas, a violência vem sendo conversada no âmbito da saúde: em 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi convidada a desenvolver um estudo sistematizado, que categorizasse a violência e identificasse possíveis conexões entre cada uma delas. Do estudo, surgiram as tipologias da violência, e uma das mais simples divide o problema em três classes: a violência autodirigida - que aflige a si mesmo; a interpessoal - voltada para outra pessoa ou grupo de indivíduos; e a coletiva - que é social, política e econômica.

Segundo Rayanne, se debruçar sobre a violência coletiva é uma das formas mais simples de ver o quanto os tipos de violência se entrelaçam e alimentam uns aos outros. Ao contrário das demais categorias — que se referem ao alvo da agressividade, seja esta física ou psicológica — a violência coletiva, além de desenhar o padrão das vítimas, trata também das possíveis causas e motivos do agressor, que age buscando o benefício próprio, a partir da negação dos direitos de outras pessoas. Na categoria, estão inseridas violências cometidas por grandes grupos, como crimes de ódio e violência econômica, diretamente ligadas à violência interpessoal, que afeta, principalmente, mulheres, idosos e crianças.

Tipos de violência

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Na violência coletiva - social, política e econômica - o agressor busca o benefício próprio, a partir da negação dos direitos dos outros

Para explicar como essas agressões se entrelaçam, a psicóloga destaca dois tipos de violência: a patrimonial e a social. A violência patrimonial — também conhecida como econômica — ocorre quando a propriedade e os meios de subsistência de uma pessoa ou grupo são negados ou retirados por outro indivíduo ou comunidade. Já a violência social é quando um grupo se impõe sobre outro, afetando seus relacionamentos e sua integridade física e mental, desrespeitando as diferenças, sendo intolerante, buscando formas de forçar o outro a se submeter à violência.

Nas palavras de Rayanne, toda violência é brutal, mas a patrimonial é dotada de uma frieza específica, em que a liberdade da vítima é uma mentira. “Todos nós sabemos que existem grupos sociais sendo extremamente violentados, mas algumas dessas violências, como é o caso da patrimonial, acabam sendo pouco discutidas e invisibilizadas.” Este tipo de violência está prevista como uma das formas de agressão dispostas na Lei Maria da Penha, segundo a qual a violência patrimonial pode ser entendida como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.”

“Mas se a vítima não tem acesso a um celular, nem aos próprios documentos, e nem tem dinheiro ou meios para sobreviver longe do agressor, que com certeza também mexe com o psicológico dessa vítima, como ela vai denunciar? Por isso precisamos falar sobre o assunto e agir a respeito, para que as vítimas saibam que não estão sozinhas, e que existe ajuda”, fala Rayanne.

Registros aumentam
De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Datafolha para o C6 Bank — um banco digital brasileiro — desde o início da pandemia, em março de 2020, os números da violência patrimonial no Brasil aumentaram em 47%. Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, três mil denúncias de crimes contra a segurança financeira com vítimas do gênero feminino — grupo que mais sofre violência do tipo — foram registradas no mesmo ano. Apesar de não computados, os estudiosos da área garantem que esse número é maior, porque casos de violência patrimonial, bem como de tantos outros tipos, são subnotificados.

“Muitas vezes, as pessoas sequer percebem que estão sendo vítimas de violência, então como elas poderiam denunciar?”, diz Rayanne. “Se uma mulher, um idoso ou quem quer que seja não tem acesso, ao extrato bancário, por exemplo, mesmo quando a conta é conjunta, ela é uma vítima de violência patrimonial”, conta a psicóloga. “Se alguém pega seu celular, ou te impede de participar do orçamento familiar, se alguém te nega recurso para uma necessidade pessoal, você está sendo vítima de violência patrimonial. E, apesar de diferentes, é interessante observar como essa violência está ligada a grupos que, comumente, são vítimas de violência social”, reflete.

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Às vezes, o controle vem disfarçado de cuidado. O monitoramento constante é um sinal de alerta

Opressores usam o medo como “arma” para manter o controle

Caracterizada da forma mais básica como o preconceito, ódio e opressão de um grupo em relação a outro, a exemplo do racismo, da homofobia e da misoginia, a violência social atinge comunidades inteiras, e normalmente está ligada a outras formas de agressão, física e psicológica.

A psicóloga Rayanne Moreira explana: “Não é fácil se sentir seguro quando se é uma minoria no país. Qualquer pesquisa rápida mostra como a violência social leva a crimes de ódio, e nós aprendemos muito observando as experiências alheias. Afeta o psicológico de qualquer um ver todas as notícias sobre mulheres sendo assassinadas, pessoas trans sendo assassinadas, pessoas de um grupo do qual você faz parte sendo feridas”. Disto, Rayanne interpreta que os grupos opressores utilizam o medo como estratégia para manter o controle sobre as demais comunidades, e diz que “é preciso muita coragem para se unir aos seus e lutar pela mudança”.

Uma outra vertente da violência social diz respeito a comportamentos que visam controlar a vida comunitária de um companheiro ou pessoa próxima, impedindo visitas de familiares e amigos, mantendo a pessoa em casa, como forma de isolá-la da coletividade.

Denunciar é preciso
A psicóloga Maria Vitória, especializada em projetos sociais e políticas públicas, explica que o medo, a dependência financeira, a cultura, o preconceito e a discriminação por parte da sociedade estão entre os principais motivos que tornam difícil escapar ou denunciar alguma violência. Ela também ressalta que a manipulação e intimidação são estratégias comuns entre os agressores. “O parceiro insulta, xinga, faz pressão, ameaças”, explica. “Mas, muitas vezes, acontece de maneira sutil, até imperceptível”.

“Às vezes, o controle vem disfarçado de cuidado”, alerta. Como exemplo, Vitória cita o desejo de controlar as roupas com que a pessoa anda, os ambientes que ela frequenta e as pessoas com quem convive, utilizando estratégias para afetar a confiança e autoestima da vítima, buscando meios de responsabilizá-la pelas atitudes do agressor, querendo sempre controlar os passos da pessoa. “Usando frases como ‘me deixa saber aonde você está’, ‘manda foto ou faz chamada de vídeo para eu ver se você chegou bem’. O monitoramento constante é um sinal de alerta”.

Para Vitória, é importante falar que, apesar do medo e de toda a intimidação, “existem leis que protegem vítimas de violência, coordenadorias, secretarias, centros especializados. É possível conseguir ajuda”.

Isolamento
Violências patrimoniais e sociais estão diretamente ligadas à violência psicológica. Ao impedir uma pessoa de utilizar o celular, um exemplo de violência patrimonial, o agressor está encontrando uma forma de isolar a vítima.

Se uma pessoa não tem acesso a meios de subsistência, se torna dependente de quem quer que possa prover sua sobrevivência.

Para Rayanne Moreira, psicóloga cognitivo-comportamental, a discussão vai muito além de uma única definição de violência. “Por exemplo, todos nós sabemos que as mulheres são um grupo que sofre diversas violências, mas, segundo o Anuário Brasileiro 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 37,5% das vítimas de feminicídio são brancas e 62% são negras. Esses dados estão repletos de violência social, física e psicológica. É impossível desvincular uma da outra”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de setembro de 2022.