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Vida sexual saudável

Viver a mente e o corpo é premissa

publicado: 24/09/2024 09h20, última modificação: 24/09/2024 09h20
Trabalhar com sexualidade não é ensinar a fazer; a realidade é diferente e envolve aspectos essenciais à vida
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Loja específica e com produtos variados contribuem muito, diz a publicitária Marytza Azevedo, dona de um sexshop | Fotos: Arquivo pessoal

por Marcella Alencar*

“Há uma diferença crucial entre sexo e sexualidade”, afirma a consultora em sexo e publicitária, Marytza Azevedo. Ela é dona do sexshop Seu Desejo, em Campina Grande e trabalha com o mercado erótico desde 2017. Seu interesse, no entanto, foi além de vender produtos e, por isso, resolveu fazer duas especializações na área de comportamento sexual. Segundo ela, muita gente acha que trabalhar com sexualidade envolve ensinar a fazer sexo. Marytza atesta que a realidade é outra e envolve aspectos essenciais à vida. “A sexualidade é um dos pilares da vida do ser humano e vai muito além de ensinar sobre ato sexual”. Sexo ainda é um tema com muito preconceito.

Não diferente do que disse Maka, como é popularmente conhecida Marytza, a psicóloga clínica Habiariamana Guedes, que manteve um sexshop por 14 anos, em Campina Grande, disse que há muitos descaminhos para o prazer sexual pela falta de conhecimento. “Chegavam muitas questões na loja. Algumas mulheres tinham maridos com ciúmes do vibrador. Muitas vezes, eles não entendem como essa tecnologia pode contribuir no prazer da mulher e veem como uma competição”. Para a psicóloga, as mulheres que conseguem se tocar e ter disposição para explorar os prazeres ficam sem essa possibilidade, porque o parceiro, às vezes, não consegue caminhar junto.

"Eu me sinto meio desconfortável. Mas, na hora do sexo, eu procuro não pensar nisso e vai com as ferramentas que eu tenho mesmo"
- Li Vieira

O desconhecimento também foi ponto de reflexão para Maka. Em uma palestra que ministrou para 16 mulheres na faixa de 30 a 60 anos, ela percebeu que nenhuma delas sequer sabia falar da própria anatomia, quantos orifícios na vagina as mulheres têm, por exemplo – para os que têm curiosidade, é importante saber que são seis.

Questões como essa mostram que essa realidade também interfere não apenas no ato sexual, mas também na própria saúde de homens, mulheres e pessoas que se identificam com outros gêneros, a exemplo de Li Vieira. Li é uma pessoa sexagenária não-binária e funcionária pública aposentada que reside em Recife.

Se reconhecer como alguém que não se enquadra nem como mulher, nem como homem trouxe muito alívio e fez com que Li conseguisse lidar melhor com o próprio corpo. “Minha relação com o sexo mudou muito, porque eu me compreendi e entendi porque eu não aceitava meus seios, por exemplo. Se houvesse tantas informações e acessos na minha infância, com certeza, eu teria transicionado antes”, comenta a sexagenária, que se reconheceu assim aos 55 anos. A aposentada disse que, por falta da socialização do assunto de maneira honesta, os entraves acabaram se tornando maiores. “Eu me sinto meio desconfortável, mas, na hora do sexo, eu procuro não pensar nisso e vai com as ferramentas que eu tenho mesmo. É sobre isso”. Começar a entender sobre a própria sexualidade fez com que Li entendesse que é um corpo político e social.

Educação sexual é um ponto essencial não apenas para o sexo, como comprova Li, mas também para poder viver uma vida mais equilibrada e satisfatória. Maka ressalta que, para que o sexo funcione, é importante saber reconhecer os pontos de prazer do seu corpo. “Muita gente não sabe, por exemplo, que a diabetes em mulheres pode gerar problemas de lubrificação, por exemplo, e que homens com problemas de ereção pode ser devido à circulação sanguínea com algum comprometimento ou problema hormonais da andropausa, por exemplo”.

Carlos Pereira, de 62 anos e natural de Campina Grande, conta que, como ex-alcoólatra, adquiriu problemas de circulação e isso afeta a vida sexual, mas atesta que a melhor solução é cuidar da própria cabeça para que o corpo funcione melhor. “Desde que envelheci, minha cabeça, em relação ao sexo, continua a mesma de quando eu era jovem. A cabeça quer, mas o corpo, às vezes, não responde, o desejo não chega no local em que a gente deseja”, comenta Carlos, que trabalha como vigilante em uma creche com muitas mulheres e que lida com muita naturalidade com sexo com seus filhos e pessoas com quem trabalha.

Ele também acredita que mulheres têm a cabeça mais fechada para o assunto e que isso atrapalha em sentir prazer: “A gente com a cabeça aberta consegue se satisfazer mais facilmente. Eu trabalho com muitas mulheres e acho elas mais fechadas. Isso atrapalha elas também”. Carlos conta que, apesar da idade, entendeu que o prazer com a parceira vai muito além da ereção, pois é com a cabeça aberta que é possível sentir mais prazer na vida como um todo. 

Marytiza (ou Maka, como é mais conhecida) na premiação concedida pelo Mercado Ertótico | Foto: Arquivo pessoal

Educação sobre o assunto é regra fundamental 

O prazer parte, sobretudo, do autoconhecimento e, por isso, o sexo parte de uma vivência pessoalizada. Maka comenta que, em sua loja de produtos eróticos e como terapeuta sexual, “é importante sempre oferecer uma experiência individual para saber o que cada pessoa passou, para que eu possa indicar o produto certo, porque nem sempre o que elas precisam é o que elas querem”.

Para atingir esse objetivo, portanto, é preciso estar com a saúde mental equilibrada, comenta Maka, que acrescenta também que “o nosso corpo físico também precisa estar bem, com exercício físico, alimentação e terapia”. Em relação à mente, a psicóloga Habiariamana relembra que educação sexual é uma necessidade inclusive para compreender quando o sexo é consensual. “Eu fui casada por 16 anos com um homem 22 anos mais velho e a minha experiência sexual foi de abuso e, como não tive educação sexual enquanto criança, eu não tinha como expressar o que sentia”, conta Habiariamana. Uma das formas que ela encontrou para lidar com a situação foi se tornar terapeuta e abrir um sexshop.

O sexo, tanto para Maka como para Habiariamana, precisa deixar de ser tabu e começar a ser tratado com seriedade. Há fatores determinantes para cada tipo de pessoa e isso pode ou não, na relação, gerar o que ela chama de adequação ou inadequação sexual. Isso, muitas vezes, faz com que a pessoa não sinta o prazer adequado para o próprio corpo. No sexo, isso tem a ver com as possibilidades que determinados atos geram dentro do ato sexual. “Por exemplo, se alguém ejacula rápido e a outra pessoa goza rápido também, então eles têm uma adequação sexual e não gera nenhum problema”, comenta Maka Azevedo.

Consultora atende jovens, adultos e idosos

Além disso, há muitos outros casos  lembrados e que são importantes para demonstrar que a busca do prazer atinge todos os públicos. “Tenho cliente que tem anorgasmia, que é a dificuldade ou quem nunca atingiu o orgasmo; cliente caminhoneiro que se preocupa em comprar produtos para a mulher que ficará só por muito tempo”. A psicóloga Habiariamana diz que, na clínica, sempre indica para que as pessoas se deem a possibilidade de visitar um sexshop um dia para aumentarem o leque de possibilidades para o prazer.

“Mas o nosso maior órgão sexual, primeiro, é o cérebro. Depois, é a nossa pele. Onde tem pele, a gente tem, sim, possibilidade de sentir prazer”, ressalta a consultora em sexo ao comentar sobre a possibilidade de todas as pessoas sentirem prazer; se conhecer é um ponto essencial para atingir o orgasmo.

Há muitos outros casos lembrados e que são importantes para a busca do prazer que atinge todos os públicos

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de setembro de 2024.