A braçadeira de capitão sempre lhe caiu bem. Porte esguio, olhar penetrante, personalidade marcante. Não tinha jogador que não ouvisse com atenção suas observações, seus conselhos ou, na pior das hipóteses, suas broncas. Nem Pelé escapava, e foram muitas as vezes em que precisou até baixar a cabeça. E foi esse grande capitão que o futebol brasileiro e o mundo perderam ontem, aos 72 anos. Morreu no Rio de Janeiro, vítima de enfarte fulminante, Carlos Alberto Torres, atualmente comentarista do SporTV. Nome e sobrenome de craque. O homem do tricampeonato mundial em 1970, que beijou e levantou a Taça Jules Rimet. Pai de Alexandre Torres, zagueiro que atuou no Fluminense e no Vasco.
Seja como lateral-direito, onde começou na base do Fluminense, seja como zagueiro, Carlos Alberto sempre desfilou pelos gramados uma classe com a bola nos pés em que não ficava para trás nem para um astro do nível de Franz Beckenbauer. Santos, Botafogo, Flamengo e New York Cosmos tiveram em campo a sua classe. Era reverenciado no mundo todo pelo seu passado. Depois, como treinador, o Capita, como era carinhosamente chamado, teve como pontos altos a conquista do Campeonato Brasileiro de 1983, pelo Flamengo, da Copa Conmebol, em 1993, pelo Botafogo, e do Campeonato Carioca pelo Fluminense, em 1984.
No tour da Taça Fifa antes da Copa de 2014, realizada no Brasil, Carlos Alberto Torres repetiu o beijo que dera na Jules Rimet, em 1970.
Como jogador, Carlos Alberto conquistou uma penca de títulos. No Fluminense, clube de coração, onde começou a carreira, ganhou o Carioca em 1964, quando estourou, e depois, no seu retorno, os de 1975 e 1976, com a famosa Máquina montada pelo presidente eterno Francisco Horta. No Santos de Pelé, onde chegou em 1965, ainda garoto, e viveu o auge, atuando ao lado de craques como o próprio Rei do Futebol, Edu e Clodoaldo, companheiros de tricampeonato mundial, levou a Taça Brasil em 1965 e 1968, o Torneio Rio-São Paulo em 1966, a Recopa Sul-Americana em 1968 e muitos campeonatos paulistas - 1965, 1967, 1968, 1969 e 1973.
Em sua breve passagem pelo Botafogo em 1971, emprestado pelo Santos, Carlos Alberto Torres não conquistou títulos mas teve também presença marcante, atuando ao lado de craques como Jairzinho, Paulo Cezar Caju e outros. Depois, voltou ao Peixe, ainda no mesmo ano, onde ficou até 1974. Retornou então ao Fluminense, onde viveu outro grande momento em sua carreira, com a Máquina de Rivellino, Paulo Cezar, Pintinho & Cia.
Saiu da Máquina em 1977 para atuar no Flamengo de Zico, onde também passou em branco, mas viu começar ali aquela que seria a maior equipe rubro-negra da história. Depois, reviu Zico, Junior, Leandro e Adílio quando os comandou na conquista do Brasileiro de 1983.
O pouco tempo no Flamengo como jogador teve explicação. O New York Cosmos o queria. Já como zagueiro, Carlos Alberto foi para a equipe americana recém-montada para atuar com supercraques. O Cosmos ficou conhecido por reunir uma verdadeira seleção mundial, de Pelé a Franz Beckenbauer. E o Capita, por lá, foi campeão por quatro temporadas - 1977, 1978, 1980 e 1982. Levantar taça era com ele mesmo.
E quando levantou a Jules Rimet, a maior que conquistou, no tricampeonato de 1970, Carlos Alberto eternizou não só o gesto, mas também uma geração fora de série. Zagallo sempre dizia que fora de campo era o comandante, mas, no gramado, era o seu capitão o porta-voz. O gol marcado pelo lateral-direito, o último na goleada por 4 a 1 sobre a Itália na grande final, sintetizou o que o então camisa 4 e toda aquela Seleção tinham de melhor. A jogada, que iniciou da intermediária com série de dribles de Clodoaldo, foi de pé em pé até Pelé dar um simples toque para o lateral, que vinha de trás. A bola ainda deu uma pequena subida antes de o jogador desferir o potente chute que estufou a rede.
Carlos Alberto era um jogador moderno no seu tempo. Tinha forte poder de marcação, a ponto de poder ter atuado, já como veterano, na zaga. Era também dono de uma rara habilidade e tinha fôlego e capacidade para subir ao ataque como elemento surpresa.
Líder como jogador e técnico
Como jogador, Carlos Alberto Torres ainda teve uma breve passagem pelo California Surf, até retornar ao Cosmos e encerrar a carreira em 1982. Não demorou muito, no entanto, para o Capitão voltar a frequentar o mundo do futebol, mas como treinador. Numa decisão ousada na época, o Flamengo, em crise na tabela do Brasileirão, convidou Carlos Alberto para ser o técnico. O time tinha sido campeão em 1982, mas passava por mau momento naquele período. O Capita assumiu a equipe e a levou a uma reação na tabela rumo ao tricampeonato brasileiro, na final sobre o Santos, vencida por 3 a 0, num Maracanã com mais de 150 mil pessoas.
Ali era o começo de uma carreira como treinador com altos e baixos. Sim, Carlos Alberto não foi como técnico tão brilhante como era no gramado com a bola nos pés. Mas teve momentos importantes. No Botafogo, comandou uma equipe limitada tecnicamente rumo à conquista de uma competição internacional, a Copa Conmebol, conquistada em 1993. A final foi contra o Peñarol. Depois do 1 a 1 em Montevidéu, os dois times voltaram a empatar, mas por 2 a 2, no Maracanã. A disputa foi para os pênaltis, com vitória alvinegra por 3 a 1.
Torres fazia palavras cruzadas ao sofrer o infarto
Companheiros de SporTV, ex-jogadores da seleção. Amigos e parceiros de negócios, Carlos Alberto Torres e Ricardo Rocha estavam juntos no domingo passado, na última participação do Capita como comentarista de TV. Ricardo lembrou do último encontro e relatou sua tristeza com a morte do colega.
“Ele estava em casa sentado quando passou mal, fazendo palavras cruzadas”, contou o ex-zagueiro. “Ele passou mal e caiu. Foi infarto fulminante.”
Ricardo Rocha disse que o lateral tricampeão do mundo em 1970 tinha boa saúde. “Zero problema cardíaco, ele não tinha nada. Parou de fumar há mais de 30 anos. Quando a coisa tem que acontecer, acontece”, lamentou.
O comentarista do SporTV contou que encontrava Carlos Alberto Torres de duas a três vezes por semana, que era seu amigo, e falou da lembrança inesquecível que o ex-lateral deixará. “A gente sempre vai lembrar daquele beijo na taça do tri de 70. Quando se fala de capitão no Brasil se fala em Carlos Alberto Torres. A família está arrasada.”
Colega de mesa no SporTV, Luiz Ademar acompanhou Carlos Alberto Torres em sua última participação como comentarista e recordou que lhe deu carona após o programa “Troca de Passes” do domingo passado.
“Eu estava com ele domingo, deixei ele em casa, nós chegamos lá, comemos um lanche juntos, e ainda quando saímos o pessoal ainda ia começar o ‘Extraordinários’”, narrou.
Ademar, que também é comentarista do canal, afirmou que o ex-jogador tinha saúde e os problemas que ele tinha eram comuns da idade: uma operação no joelho há cinco anos e uma dor na coluna. Bem humorado, Carlos Alberto falou do aniversário de Pelé, que também se recupera de dificuldades físicas.
“Negão (Pelé) está se recuperando. Nós somos todos novos, ele falava antigamente que se morria com 50, 60, agora dá para viver até uns 80, 90 anos”, disse o ex-lateral na ocasião.