por Iago Sarinho*
Entre os anos 1930 e 1970, especialmente no período entre 1963 e 1968, um time se destacou como grande formador de novos talentos para o futebol da Paraíba, o Esporte Clube União que surgiu vinculado ao Jornal A União que, já naquela época, era um dos principais do estado. A data de sua criação da equipe que vestia as cores rubro-negras é divergente, mas ela é atribuída ao período entre os anos 1935 e 1941.
O site Futebol Nacional, importante depositório de informações sobre os clubes da modalidade no Brasil, registra como data de criação o dia 1º de maio de 1935 - dia do trabalhador - e também aponta a participação da equipe em 21 edições do Campeonato Paraibano (1936-1939, 1945-1947, 1953-1955 e 1962-1972) em concordância com a Rec. Sport. Soccer Statistics Foudation, organização internacional que registra dados estatísticos sobre o futebol em todo o mundo.
A equipe inicialmente surgiu como um clube vinculado ao Jornal A União e mantido por funcionários. É importante notar que naquele período, a maior parte dos times ainda eram amadores, o Cabo Branco – maior campeão do estado entre 1915 e 1943 -, por exemplo, só contava com atletas filiados ao clube e em dia com suas obrigações financeiras relativas à agremiação. É nesse cenário que o Esporte Clube União se instala e começa a disputar competições no estado, contando com relativo sucesso e agregando para a sua história três títulos do Torneio Início – competição que abria o certame estadual – nos anos de 1936, 1945 e 1969.
Com a criação da Comissão Nacional de Desportos, através do Decreto-lei n° 3.199, de 1941 que durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, passou a institucionalizar e forçar a profissionalização do futebol brasileiro. A partir disso, surgiu como fenômeno a criação e organização de clubes ligados às fábricas, indústrias e empresas, na Paraíba não foi diferente e são bons exemplos disso, o Sol Levante, o Dolaport e o União que, mesmo sendo criando antes da legislação, já surgiu a partir do novo modelo que surgia para o futebol a partir de mudanças iniciadas no final dos anos 1920 em São Paulo e no Rio de Janeiro - capital federal na época -.
Com essas mudanças, algumas equipes como o Cabo Branco e Palmeiras – primeiro campeão paraibano de futebol em 1919 -, foram abandonando aos poucos o futebol por não se adequarem ou não concordarem com a profissionalização do esporte. Essa transição extinguiu equipes, assim como também abriu o cenário para que novos times como Botafogo e Auto Esporte aproveitassem o vácuo para se consolidar no cenário local, especialmente na capital.
União de Costeira
No período em que esteve ativo, não foi possível precisar qual era o regime de vinculação dos atletas ao clube, exceto a partir dos anos 1960, quando a equipe passa a ser gerenciada por Manoel Costeira Neto que foi gerente do setor gráfico de A União entre os anos 1950 e 1970. Com ele o clube elevou seu patamar dentro e fora do campo, incluindo receitas de empresas que forneciam insumos ao jornal e que passaram a contribuir com o clube. Sob a nova administração, o Esporte Clube União passou a ser conhecido como o União de Costeira e foi a partir desse período que o clube voltou suas atenções para a contratação de novos atletas, estes, em sua maioria, eram empregados nos setores gráficos e administrativos da empresa, alguns até mesmo na redação como revisores e linotipistas.
A maior parte dos novos jogadores vinha de equipes amadoras como a Portuguesa de Cruz das Armas ou de equipes mais frágeis do nível profissional como o Red Cross. O campo de treinamento era o do ABC em Jaguaribe, onde hoje se encontra a tradicional feira pública que acontece todas as quartas. Foi assim que entre 1963 e 1972 a equipe se consolidou no cenário local e revelou craques e grandes jogadores como Fernando Freire, Valdeci, Naná, Mineiro, Lando, Ferretti, Celso, Paulo Fóba, Juca, Farias e Delgado.
Miguel Maurício de Almeida, o Mineiro, hoje com 74 anos, foi um dos principais jogadores da equipe entre os campeonatos de 1963 e 1967 e depois retornando para jogar o Torneio Inicio do paraibano de 1969, último título da equipe. Para Mineiro, jogador de grande qualidade técnica e estilo, esse foi um período de grandes jogos, amor ao clube e esforço para combater os grandes do futebol local, tudo isso capitaneado por costeira.
“Eu jogava pela Portuguesa nos campeonatos amadores, mas quando acabou o campeonato em 1962, o time vendeu todo mundo e aí eu fui para a União, pois disseram que eu tinha virado jogador profissional e que agora teria um emprego, não entendi muito bem na época e fiquei desconfiado, mas Costeira me convenceu. Ele ao longo do tempo que estive lá era um verdadeiro pai para todos nós, fazia de tudo pelo time e foi o responsável por organizar aquela equipe que deu muito trabalho para os times tidos como grandes na Paraíba”, afirmou.
A partir de 1967, a União iniciou a formação de seu quadro funcional e com a transição do governo de João Agripino para Ernâni Sátiro em 1971, Costeira perdeu sua função no Jornal e em 1972 a equipe jogou seu último campeonato estadual para não mais retornar ao futebol profissional da Paraíba. O Jornal e parte dos atletas que seguiram como funcionários da empresa até sua aposentadoria, ainda disputaram posteriormente campeonatos fabris, mas já sem a organização enquanto clube. Aqueles que decidiram seguir no futebol passaram a ingressar elencos dos principais times da Paraíba e também dos estados vizinhos, especialmente Pernambuco.
O Esporte Clube União é uma das equipes mais icônicas do futebol paraibano, o time do Jornal A União reuniu diversos jogadores de equipes amadores e menos poderosas do futebol profissional, montando assim um elenco que deu trabalho aos principais clubes da Paraíba e que adorava enfrentar equipes de fora do estado, especialmente as de Pernambuco. Para isso, fazia uso de um bom meio campo com Mineiro e Paulo Fóba e no ataque contava com os gols de Farias e a classe de Henrique Delgado.
O ápice do clube sem dúvida alguma ocorreu nos anos 1960, foi nessa época que sob a organização de Costeira a equipe tomou forma, contratou jogadores e montou um elenco forte. Uma das características da equipe era ser destemida, algo que segundo os atletas da época era estimulado pelo “dono do time” que em meio a um de seus rompantes após uma série de derrotas no campeonato de 1966, promoveu o repórter do Jornal A União, Ivan Bezerra para a condição de treinador da equipe – falecido em maio do ano passado, Ivan foi um dos principais cronistas esportivos da história da Paraíba, em especial pela Rádio Tabajara, ele também treinou equipes de futsal no estado -.
A mudança deu certo e a equipe voltou a vencer. Nesse ano, inclusive, a União foi a única equipe a não ser derrotada pelo poderoso esquadrão do Treze que foi campeão invicto em 1966. Nos confrontos entre o Galo e o time rubro-negro, foram dois empates em 2 a 2 um no Presidente Vargas em Campina Grande e outro no Estádio Olímpico de João Pessoa, onde hoje encontra-se a Vila Olímpica Parahyba, antigo Dede.
Quem relembra esse episódio é o ex-goleiro Inácio Montenegro, o Naná que teve passagens pelo Red Cross e posteriormente pelo Botafogo, ele se aposentou trabalhando na edição do Diário Oficial, rodado na gráfica de A União. Hoje com 74 anos, ele reforça a vontade que o time tinha dentro de campo, as cobranças e ao mesmo tempo o cuidado por parte de Costeira com os jogadores e principalmente os grandes jogos contra as principais equipes da região, onde o time costumava fazer grandes exibições.
“Costeira foi uma pessoa que dedicou toda a sua vida ao esporte do estado, eu nunca tinha buscado virar profissional, o futebol para mim era uma brincadeira, mas aceitei o emprego aconselhado por meu pai e saí do Red Cross para agarrar pela União – onde trabalhou por 49 anos -. Nesse período montamos um grande time e batemos de frente com qualquer time da época, especialmente quando o jogo era contra o Botafogo, Campinense ou Treze, pois com esses a motivação de provar nossa qualidade era ainda maior”, afirmou Naná.
Para Paulo Fóba, independente disso, o Esporte Clube União deixou sua marca na história do futebol paraibano como uma equipe que desafiou os grandes da Paraíba e dos estados vizinhos. Um time que encantou pela qualidade do futebol que apresentava e por ter revelado grandes jogadores com destaque para Farias, artilheiro por vários times paraibanos e que jogou no futebol de Portugal onde reside até hoje, Ferreira que chegou na equipe com 17 anos e jogou no Santos com Pelé, Miruca que jogou no São Paulo-SP e Henrique Delgado que chegou a jogar pelo Corinthians-SP.
“Nós fizemos história aqui no futebol da Paraíba. Tínhamos um grande time, que jogava bonito e que dava prazer de fazer parte. A gente impunha respeito, encaravamos Treze, Campinense, Botafogo e Auto Esporte sem medo, assim como os times de Pernambuco (Sport, Náutico e Santa Cruz), vencemos eles várias vezes, o quarto time de Recife, que é o América, esse nem aguentava jogar mais contra a gente”, relembrou com alegria Paulo Fóba.
Henrique Delgado, o maior craque
Em meio a essa história de tantos jogos, triunfos, gols e alegrias, uma história triste acabou abalando vitimando um dos principais, senão o maior craque que vestiu a camisa do Esporte Clube União. A data não é precisa, mas estima-se que em 1974, Henrique Delgado quando retornou à Paraíba, após jogar por diversos clubes do Brasil, foi vítima de um assassinato, no centro de João Pessoa, as razões para o episódio até hoje são inconclusivas. Mesmo passados mais de 40 anos de sua morte, Delgado ainda é vivo na memória de diversos ex-atletas e cronistas esportivos paraibanos.
Nascido em 10 de maio de 1934 em Esperança, ele passou pelos principais clubes do estado e partiu para ganhar o futebol brasileiro como revelou Francisco de Lorenzo Serpa em sua coluna semanal no Jornal A União. Segundo o radialista Eudes Toscano, em seu livro “Tirando de letra”, Delgado marcou 108 gols em sua carreira e tratava-se de um jogador exuberante, de rara técnica e qualidade. Sob o olhar de quem teve a tido a oportunidade de jogar ao seu lado, Paulo Fóba ajuda a dimensionar o tamanho da qualidade desse que foi um dos principais jogadores do futebol paraibano.
“Jogar com Delgado era um luxo, um prazer inigualável. O time da União teve grandes jogadores, mas nenhum como ele. Para nós do meio campo era uma tranquilidade, nós sabíamos que o desafio era fazer a bola chegar nele e o resto estaria resolvido, pois ou ele marcaria ou nos entregaria de volta na cara do gol e foi assim que fiz muitos. Ele sem sombra de dúvidas foi o melhor jogador que eu vi jogar”, afirmou.
*publicado originalmente na edição impressa de 10 de novembro de 2019