Com o Brasil confirmado como sede da Copa do Mundo Feminina de 2027, os olhos se voltam para iniciativas locais que ajudam a construir o futuro do futebol feminino. Na Paraíba, a realização do primeiro Campeonato Paraibano Sub-17 marca um passo histórico para as categorias de base e traz esperança para a inserção do estado no panorama nacional em notável evolução da modalidade. A atleta Lu Meireles, referência e representante da força e resistência estadual, com passagens por grandes times nacionais, como Flamengo e Ferroviária, conversou com o jornal A União sobre o atual momento do esporte, cada vez mais protagonizado pelas mulheres.
A entrevista
Como você enxerga a realização do primeiro Campeonato Paraibano Feminino Sub-17 e o impacto disso para o futuro do futebol feminino no estado?
Faz tempo que a Paraíba estava precisando desse pontapé inicial das categorias de base. A gente sabe que, em alguns outros estados, já acontece de forma muito natural, Sub-12, Sub-10, enfim, todas as categorias de base já acontecem de forma muito natural. E aqui faz um bom tempo que a gente, que vive o futebol feminino, esperava isso acontecer, porque sabemos o quão importante é trabalhar desde cedo. Eu, que jogo futebol aqui na Paraíba há muito tempo, já saí para jogar fora, já voltei, sempre havia um estadual Adulto, e de base nunca tinha. Esse Paraibano é, de fato, um marco. Então, eu espero que seja uma porta para Sub-15, para, de repente, Sub-12, né? Porque a gente começa com Sub-17 e ainda vêm outras categorias. Então, eu, que estou à frente do Juliette Paulinha do Sesi, vejo o quanto de meninas boas que só precisam ser trabalhadas, lapidadas, para que possa realmente abrir os caminhos e dar continuidade a esse trabalho que vem sendo feito pelas mulheres. Hoje a gente vê o futebol feminino cada dia melhor, cada dia mais evoluído. Então, eu tenho certeza que é um caminho sem volta.
O Campeonato Paraibano Feminino Adulto é marcado por muitas goleadas, muitos placares elásticos. A que você atribui isso?
Olha, o motivo é o mesmo há muitos anos: apoio, apadrinhamento, patrocinadores, empresas que realmente queiram investir no futebol feminino. Lá no Sul e Sudeste, a gente já vê que há retorno. Não é à toa que, hoje, as meninas de lá estão ganhando muito bem, graças a Deus. Aqui, eu atribuo, realmente, a essa falta de empresas que abracem o futebol feminino. Sabe por quê? Porque esses placares elásticos que acontecem são porque, de fato, o campeonato ainda começa com seis, oito equipes. Dessas, duas ou três têm um pouco de estrutura, de condições, e as outras entram realmente só para participar. Essa é a verdade. Não existe um trabalho a longo prazo que possa fortalecer esses clubes. E eu sinto também que a federação poderia ajudar um pouquinho mais nesse sentido, sabe? Porque, se, infelizmente, as empresas privadas não chegam junto, a federação pode ser essa casa. A nossa casa, vamos dizer assim. Poderia ajudar esses pequenos clubes a trilhar caminhos para chegar a um nível melhor, entende? Eu não consigo ver como produtivo, para fazer um bom campeonato, um time que treina um mês e vai para a competição. Ou que treina 15 dias e vai para a competição. No mínimo, no mínimo, uns dois meses. Um mês, se as meninas já vierem, por exemplo, cuidando da parte física por conta própria, aí até vai. Mas está todo mundo parado. Porque hoje, aqui na Paraíba, não dá para viver só de futebol. Eu digo isso porque até eu, hoje, como profissional atuante, o que eu ganho jogando futebol é um extra. Não é o que paga minhas contas. Então, se as meninas precisam trabalhar para se sustentar, elas não têm condições de dedicar muito tempo para treinar e chegar num nível de competição bom. Então, é um apelo que eu faço para a federação, há um bom tempo, de melhorar um pouco mais. Agora, graças a Deus, a nossa presidenta está em um cargo muito interessante na CBF, como chefe de delegação da seleção principal; isso me dá esperança de dias melhores. Já vem aí o Campeonato Sub-17, que é muito bom. Espero que isso abra portas para o Sub-20, para o Sub-15, para outras categorias.
A evolução do futebol femino, sobretudo o paraibano, realmente está acontecendo? Ou por que ela está acontecendo tão devagar? O que você pensa sobre isso?
Se a gente for olhar anos anteriores e comparar com agora, já conseguimos ver uma evolução. Eu joguei 12 anos no Botafogo e, durante uns cinco a seis anos, o Botafogo era o único time. Não tinha nenhum outro que se equiparasse. Qualquer pessoa que for analisar o futebol feminino na Paraíba, hoje, vai ver que o Botafogo já não tem mais essa hegemonia. O VF4, por exemplo, foi campeão paraibano dois anos seguidos. Depois veio o Mixto, que também ganhou por dois anos consecutivos. Hoje, infelizmente, o VF4 não está mais competindo no futebol feminino, mas o Mixto vem batendo de frente o tempo todo com o Botafogo. Já faz quatro anos que o Botafogo não conquista o título estadual. Então, eu consigo ver evolução. E não só nesse aspecto. O futebol feminino, como um todo, caminha a passos lentos, mas caminha. São passos lentos, mas que aos poucos vão trazendo resultado. Prova disso é o futebol feminino em nível nacional. Até três anos atrás, eu jogava no Flamengo e ganhava um valor baixo. Hoje, três anos depois, as meninas estão ganhando cinco, 10 vezes mais do que eu ganhava naquela época. Quando eu falo que é um progresso lento, é porque não dá para comparar com o futebol masculino. O masculino é uma realidade completamente diferente. O feminino tem seu próprio caminho, mais devagar, mas está conquistando seu espaço a cada dia. A gente vê campeonatos sendo transmitidos em TV aberta, e isso é incrível. Quando que, há cinco anos, a gente ia imaginar que o Campeonato Brasileiro Feminino estaria passando na TV aberta? Ou que uma das fases da competição estaria sendo televisionada? Então, isso é um marco. É motivo de muita alegria, mas também não apaga tudo o que ainda precisa melhorar.
Você acha que a realização da Copa de 2027 no país também apressará um pouco mais essa evolução e melhorará a questão da visibilidade para o futebol feminino?
Sem dúvida alguma. Isso vai fazer com que mais empresas queiram investir no futebol feminino, porque eu sinto que as empresas ainda não veem retorno. Por isso eu falo que talvez faltem alguns projetos que fizessem as empresas enxergarem que investir no futebol feminino poderia, sim, trazer retorno. As grandes empregadoras, os grandes grupos, hoje, já enxergam isso. Tenho uma agência esportiva, faço acompanhamento de carreira de atletas, e vejo algumas jogadoras que já estão no mercado há muito tempo, assim como outras agências, conseguindo, por exemplo, apoio e patrocínio de grandes marcas, como a Amazon, entre outras. Isso é um marco para o futebol feminino. Ver uma empresa do tamanho da Amazon, por exemplo, apoiando e patrocinando atletas do futebol feminino é incrível. A Nike, antigamente, só patrocinava atletas do masculino. Hoje, muitas meninas da Série A1, que é a elite do futebol feminino brasileiro, já são patrocinadas pela Nike, pela Adidas e por outras marcas. Isso é uma evolução sem tamanho. Quem não acompanha o futebol feminino acha que ele não vai crescer, que vai continuar do jeito que está. Mas quem acompanha de perto sabe que a gente deu um salto. E, com a Copa, eu não tenho dúvida de que outras empresas vão querer, sim, colocar a sua cara e estampar a sua marca no futebol feminino.
Na sua vivência, o que mudou no futebol feminino desde que você começou a jogar até hoje?
Olha, eu vivo o futebol há muitos anos, e me formei por conta dele. Sempre fui de família carente, nunca imaginei que teria condições financeiras para pagar uma faculdade, e, graças a Deus, me formei através do futebol, com bolsa integral, para jogar pela faculdade. Eu sou muito grata ao esporte. Mas, ao longo desses anos, foi muito difícil. Há 10 anos, o futebol feminino era ainda mais complicado, então, foi muito difícil mesmo. Só que, depois que me formei em Educação Física, em 2013, dando aula e convivendo com essa garotada, com essas crianças e adolescentes, eu comecei a perceber que elas poderiam alcançar tudo o que eu alcancei, ou até mais, muito mais rápido, se tivessem apoio. Eu me tornei atleta profissional de futebol aos 29 anos. Muito tarde. Muito tarde mesmo. Hoje, com 29, as meninas já estão pensando em se aposentar daqui a dois, três, cinco anos no máximo. E eu só consegui me tornar profissional com essa idade. Foi muito tempo de espera. E isso me fez querer continuar trabalhando com o futebol feminino.
Para além da atuação como jogadora, como você tem atuado na modalidade e o que você pensa para o seu futuro dentro dela?
Eu me considero uma militante do futebol feminino hoje. Queria continuar trabalhando para melhorar a modalidade, mas não necessariamente como técnica. Adoro trabalhar com iniciação, adoro ensinar os primeiros passinhos. Tem vários atletas, meninos e meninas, que me enchem de orgulho, porque chegaram até mim sem saber nem dar um passe, e hoje estão jogando campeonatos. Isso é surreal. É um pagamento, de verdade. Mas, mesmo assim, eu continuo achando que não me vejo como treinadora nesta vida. Quando eu estava jogando em alto rendimento, no Flamengo, na Ferroviária, eu tinha um empresário, que, apesar de ser um pouco atencioso, eu sentia que havia coisas que faltavam, necessidades que não eram atendidas. Quando voltei para a Paraíba, me enraizei por aqui de vez e decidi não jogar mais fora. Na verdade, não queria me aposentar de fato, pendurar as chuteiras, mas queria continuar jogando aqui, na minha terra. Foi então que percebi que cuidar da carreira de atletas promissores poderia ser uma forma de ajudar o futebol, tanto feminino quanto masculino, porque a minha agência não lida só com mulheres, lida com atletas. Eu vi ali uma forma de encurtar o caminho, de ajudar esses atletas a chegarem mais rápido aos seus objetivos. Porque, se tem talento e tem apoio, a chegada é muito mais rápida. Mas, se tem talento e não tem apoio, de 10, um chega, e olhe lá. O resto fica pelo caminho. Falo por mim mesma. Quando eu estava nessa caminhada, vi tantas meninas, muito melhores que eu, que ficaram pelo caminho. Sempre digo nas minhas entrevistas: eu não venci por ser uma jogadora boa, técnica ou habilidosa. Eu venci porque fui muito dedicada. Foi aí que comecei a perceber que eu podia continuar no futebol de outra forma: ajudando a modalidade e ajudando outros atletas a realizarem seus sonhos de viver do esporte com apoio.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de setembro de 2025.