“Tudo no judô me encanta. Eu me sinto em casa quando eu estou no tatame. Quando eu estou no tatame, eu esqueço tudo. Todo problema que eu tiver, quando eu boto o pé no tatame, eu esqueço”. A frase é de autoria da atleta Maria Eduarda, uma das integrantes da Seleção Brasileira de judô paralímpico que conquistou, no último sábado, ao todo, oito medalhas, no Youth German Open, torneio voltado a atletas de até 21 anos de idade, realizado na cidade de Heidelbebrg, na Alemanha.
Duda, como gosta de ser chamada, competiu na categoria até 57 kg J1 e retornou para casa com a medalha de bronze. “Foi uma experiência, em primeiro lugar, incrível, porque é a minha primeira medalha internacional. Eu tive um bom resultado, trouxe medalha, e isso pra mim é fruto de um trabalho que vem sendo realizado desde 2018. São consequências de dias muito difíceis, uma viagem um pouco complicada, mas, graças a Deus, toda a delegação conseguiu trazer um bom resultado, e isso é muito positivo para minha carreira como judoca e para minha vida pessoal também, para me ensinar a não desistir dos meus sonhos e continuar me corrigindo, e, com fé em Deus, eu vou ter outras oportunidades pra eu mostrar essas correções”, disse ela.
A convocação para o campeonato foi anunciada à paraibana pelo técnico da seleção brasileira de base ainda em maio, antes da divulgação oficial feita pela CBDV (Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais), em setembro. Os meses que antecederam o torneio foram marcados pela preparação, a qual foi imprescindível para vencer, inclusive, uma lesão às vésperas de entrar no tatame em solo alemão.
“Foi uma preparação intensa, tiveram alguns imprevistos, porque eu não consegui controlar tudo, mas eu continuo ali no foco, na academia, porque a preparação do atleta não é apenas dentro do seu local de treino e de competição, é também fora, no meu caso, do tatame. Então, a limitação é muito regrada e psicológica também, porque o atleta não vive só do físico, precisa estar com o mental bem. Com o meu técnico e toda a comissão técnica da base, eu posso dizer que eu tive uma preparação diferenciada de muitos atletas do mundo mesmo que não tem, porque esse projeto de iniciação com a base, de jovens, começou pelo Brasil”, pontuou a judoca.
O técnico dela, João Neto, que a acompanha desde sua iniciação nesse esporte, em 2018, atribui seu sucesso à sua força de vontade e ao projeto de vida bem delimitado dentro do esporte. “Falar de Duda não é muito difícil, não, porque é uma pessoa que vem se dedicando, ela sabe onde ela quer chegar e facilita muito o nosso trabalho. Quando ela mantém esse foco o tempo inteiro de ter como objetivo chegar a uma seleção, como ela acabou de chegar, e depois a gente alavancar para uma próxima seleção, para uma seleção principal, sair da base para a principal, para mim, facilita muito”, falou.
Como um dos principais responsáveis também pelo sucesso crescente de Duda, João Neto faz uma projeção positiva em relação ao futuro dela. “O que é mais bacana é essa relação de confiança que a gente tem um no outro. Então, lá em 2018, quando ela começou a dar os primeiros passos no tatame, lá no Instituto dos Cegos, sempre valorizou muito o treino, ela sempre fazia outras modalidades esportivas, mas o judô a abraçou e ela abraçou o judô nessa causa e eu acredito muito mesmo na ascensão dela. Basta ter paciência, basta confiar no processo que as coisas acontecem, até porque para chegar e se manter em alto rendimento, requer muita paciência. Porque ser campeão brasileiro, ser medalhista em um evento internacional, não é muito difícil. Mas você se manter ali ao longo do processo, aí é que eu não sei quanto tempo a gente consegue. Espero que seja a vida inteira com esse foco”, explicitou o técnico paraibano.
Escrever uma história de sucesso dentro dos tatames, sobretudo no âmbito paralímpico, implica renúncias, esforço redobrado e condições financeiras suficientes para arcar com os gastos diários. É com base nessa realidade que Duda aponta a importância de ter incentivos financeiros.
“Qualquer esporte gasta muito. E o judô, então, com kimono que é caro, além de outras coisas, alimentação para atleta que quer se manter no alto rendimento é caro, passagens também para competições. Inclusive a gente, quando vai pro pódio da primeira etapa nacional, só quem ganha passagem para a outra etapa é o atleta. Mas aí, quando eu for pra segunda etapa, o meu técnico vai ter que ir também, eu não vou sozinha. Então, assim, financeiramente é difícil se manter. Eu vou para os treinos, minha mãe paga passagem, mas é caro se manter no esporte”, iniciou a judoca.
“Hoje, eu recebo o Bolsa Atleta Federal por conta da competição do jogo de juvenil, do ano passado. Só que é apenas um ano, e pra gente se manter ali, querendo ou não, não é suficiente. É um bom dinheiro, ajuda muito, mas não é o suficiente. Graças a Deus, eu sou muito grata ao Instituto dos Cegos nesse sentido, que, ultimamente, acredita em mim e eles vêm investindo em questão de passagem. Porque se fosse pra sair do nosso bolso, seria um grande gasto. A CBDV também quebra um galho muito grande e quando a gente chega lá, se fosse sair do nosso bolso, teria que pagar hotel, transporte do aeroporto para o Centro de Treinamento, alimentação, e a CBDV, por conta do projeto, eles pagam, eles cobrem tudo isso, é outro galho grande quebrado.”, acrescentou.
“Eu sinto muita falta de patrocínio, muita falta dessa credibilidade da sociedade em nós, porque eu vejo que o judô já não é valorizado nem no olímpico. Eu vejo que, assim como meus colegas, nós não somos muito notados. Mas, querendo ou não, para nós paratletas a dificuldade é maior ainda, porque eles pensam ‘nossa, deficiência visual, eu vou investir minha empresa, meu dinheiro, em uma pessoa com deficiência visual, não vai valer a pena’, tem tudo isso, todas essas barreiras. Então, eu faço esse apelo, não só para mim, mas para qualquer atleta paralímpico, que a sociedade, as empresas enxerguem a nossa capacidade”, diz ela.
Apesar de praticar judô há apenas seis anos, a prateleira de medalhas de Duda já está bem ocupada. Os grandes xodós, como ela descreve, são o bronze recém conquistado, na Alemanha e outra medalha da mesma cor alcançada nos Jogos Paraescolares, em 2018.
“A de bronze de 2018 ela é muito especial para mim, foi ali que eu dei o meu primeiro passo para ser vista nacionalmente. Falando das minhas favoritas, agora também tem a internacional. Há umas que eu acho muito especiais e eu ainda guardo, são medalhas de outros esportes, que foi onde eu comecei a minha vida esportiva, que me salvou. Hoje, eu sou quem sou pelo esporte. Falando fisicamente e psicologicamente”, descreve Duda.
Para a mãe, Eliene Lourenço, a trajetória da judoca já é, por si só, até aqui, um motivo de muito orgulho. “Isso é um aprendizado para a minha vida. Eu sempre digo a ela que tenho muito orgulho dela ser a pessoa que é, da força de vontade que tem, porque ela sabe de onde veio, lá do interiorzinho,, no meio de oito irmãos. Eu me sinto muito bem acompanhando ela. Quando eu vou para a Vila com ela, é uma terapia para mim. Eu fico lá sentada, olhando, e eu só tenho a agradecer a Deus por ela estar onde está hoje, e a João Neto também”, finalizou.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 25 de outubro de 2024.