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Biomédico paraibano lidera equipe que desenvolve, na USP, uma vacina contra a covid-19 em spray e 100% brasileira.

publicado: 24/01/2021 23h25, última modificação: 24/01/2021 23h27
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Renato Félix
Especial para A União

CoronaVac, AstraZeneca, Sputnik V, Pfizer, Moderna... Quem diria, há um ano, que o brasileiro estaria íntimo dos nomes de vacinas, de seus laboratórios, de onde são produzidas e seus métodos? Esta semana, a CoronaVac começou a ser aplicada no Brasil, e também a campanha de imunização já ameaçou parar pelos entraves burocráticos a respeito do envio desde a China dos insumos para a produção de mais doses. Mas isso é só o começo. Há ainda pesquisas em curso, inclusive de outras vacinas. Como a vacina brasileira em desenvolvimento na Universidade de São Paulo, que segue um caminho diferente: dando tudo certo, ela será aplicada por via nasal, por spray.

O biomédico paraibano Roberto Carlos Junior é project manager na pesquisa da USP e aponta que as vacinas que já estão no mercado ainda estão, também, com pesquisas em andamento – sobretudo um estudo mais avançado sobre o tempo de proteção que elas darão aos imunizados. Elas terão prazo determinado e necessitarão de reforço no futuro. “A nossa tem a tendência de ser uma vacina definitiva”, afirma o biomédico.

A aplicação por spray no nariz tem o objetivo de reduzir ainda mais a contaminação. “A nossa vacina, por ser intranasal, causa uma imunidade de mucosa”, explica. Mesmo sem ficar doente, uma pessoa pode transmitir o vírus que fica lá no nariz pelo espirro. Esse método pretende não apenas tratar do coronavírus dentro do corpo, como as vacinas injetadas, mas bloqueá-lo já na entrada.

“É um grande diferencial. No nariz, a gente pode vir a ter receptores do vírus. Você não tem mais a doença, mas os receptores continuam lá. Quando você espirra, libera gotículas no ar e pode contaminar outra pessoa. Então, se você tem uma vacina que neutraliza esses receptores, então o vírus não vai se ligar a eles. Você nem tem mais a doença, nem transmite”, diz o pesquisador.

A aplicação intranasal também pode ajudar na absorção da vacina. “Ela é um spray que se assemelha muito a medicações que já tem no mercado”, conta Roberto. “Quando você aplica ela no nariz, a mucosa absorve. Então quando você lida direto com o trato respiratório – e um dos problemas do covid é a inflamação a nível respiratório –, você já tem uma absorção mais rápida. Então pode ser que a vacina já tenha uma eficiência mais rápida”.

Na elaboração da nova vacina, os pesquisadores da USP, em parceria com o Instituto do Coração (InCor) colocaram uma proteína do novo coronavírus dentro de uma nanopartícula. Já foram finalizados testes em camundongos e agora a pesquisa vai entrar em uma nova fase. “Agora estamos na fase de logística para começar os testes em humanos. É uma fase bem crucial”, diz o biomédico.

Os testes iniciais em humanos também serão cruciais para que os pesquisadores tenham uma data mais precisa de quando a vacina chegará à população brasileira. “O nosso direcionamento é aplicar o mais rápido possível no SUS”, afirma. “Depois é que vamos ver o mercado de outros países”.

Ao contrário, por exemplo, da CoronaVac – que é produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, a vacina em desenvolvimento na USP é 100% brasileira. Por isso, já são reduzidas as possibilidades de um entrave diplomático, como aconteceu esta semana em relação à China – no caso do envio de insumos necessários para a produção de mais doses pelo Butantan. Ou com a Índia, de quem o Governo Federal esperava receber 2 milhões da AstraZeneca na semana passada, mas cuja entrega foi adiada após o governo do país asiático informar que não exportaria a vacina antes de iniciar seu próprio programa de imunização (as doses finalmente chegaram na sexta-feira).

“Nós usamos, sim, alguns insumos que partem do exterior e alguns nacionais”, explica o pesquisador paraibano. “Isso vai fazer com que a gente tenha uma melhor análise de qual o melhor insumo a utilizar. A gente faz uma análise em paralelo de testes com vários insumos. Ainda bem que estamos conseguindo manter um ótimo relacionamento com os órgãos regulatórios, junto às empresas. Isso está ajudando no andar do desenvolvimento da vacina”.

A pesquisa também já está de olho nas variações do coronavírus, que começaram a aparecer na Inglaterra, na África do Sul e no Brasil (em Manaus). “A gente também começou o mapeamento das estruturas que compõem as variantes que estavam acontecendo em outros países e em Manaus”, confirma. “Estamos analisando para que nossa vacina seja mais completa”.

Roberto Carlos Junior comentou detalhes da vacina da USP em live do programa Horizontes da Inovação (https:// www.youtube.com/ watch?v=ev6aa2-2OZY), no canal da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB) no YouTube. E vale lembrar que há outras vacinas brasileiras em desenvolvimento. Algumas delas pelo Instituto Bio-Manguinhos/ FioCruz, pelas universidades federais de Santa Catarina, do Paraná, de Pernambuco e de Minas Gerais, e pela empresa Farmacore (em parceria com a americana PDS Biotech).

Negacionismo é outra epidemia a ser enfrentada

 

Um desafio que a campanha de imunização atual e futuras terão que enfrentar é a epidemia de negacionismo que assola o Brasil. Há sempre um contingente barulhento de pessoas que não aceitam o que a ciência aponta após extensas pesquisas, preferindo acreditar em achismos disseminados sem fontes pelas redes sociais. Mas Roberto Carlos Junior é otimista: “A gente vê que isso já aconteceu antes: pessoas que tentam se posicionar contra para ganhar um pouco mais de mídia acerca disso”, analisa. “Mas a visão que nós temos é que quando essas pessoas que se posicionam contra começarem a ver que realmente vale a pena, que pessoas que vierem a participar das campanhas de imunização começarem a ter resultados e melhoras, isso vai diminuir”.

Para ele, essas campanhas negacionistas acontecem porque essa turma fica sempre procurando algo pra se posicionar contra. “Quando você começa a mostrar bons resultados, ela vai se autodestruindo ou vai definhando. A gente sabe que o cenário vai mudando e não existe nada melhor pra combater o negacionismo que um resultado positivo”, diz.

Recursos garantidos

 

Esse cenário de negacionismo tem um ator importante no Governo Federal, com declarações contra a vacinação por parte do presidente da República e sinais contraditórios do Ministério da Saúde. A última diz respeito aos vetos presidenciais ao Projeto de Lei 135/2020, que proibia o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e o transformava em fundo financeiro. Aprovado por ampla maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, o projeto foi sancionado com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro em 12 de janeiro.

Os vetos subtraem R$ 9,1 bilhões dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação neste ano, mas ainda podem ser derrubados pelo Congresso. Roberto Carlos Junior, no entanto, tranquiliza, no que diz respeito à vacina em desenvolvimento: não deve faltar dinheiro. “Hoje nós temos recursos”, afirma. “O nosso coordenador geral Jorge Kalil conversou com o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que disse que o Governo Federal vai garantir o incentivo para vacinas brasileiras. Isso vai ajudar o nosso desenvolvimento”.

O otimismo do biomédico se estende para o cenário geral. Ele vê que as coisas estão, enfim, entrando nos eixos. “A gente quer logo um aumento de doses para a maior parte da população ter acesso”, afirma. “Mas, por exemplo, já começou a ter esse alinhamento. As vacinas que estavam vindo já estão chegando. Então são pontos que já estão sendo alinhados, já vai começar esse aumento de produção. Já vamos ter a liberação por parte da Anvisa de mais 4,2 milhões de doses da CoronaVac que já estão aqui. Então são pontos que vão se encaixando”.