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Campina além do Parque do Povo

publicado: 01/07/2024 08h50, última modificação: 01/07/2024 08h52
“Rainha da Borborema” recebe artistas de variados gêneros durante o ano inteiro, até mesmo no mês de junho
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Show da banda Zepelim e o Sopro do Cão, uma das atrações do São João Alternativo, evento fora do circuito forrozeiro | Foto: Arquivo pessoal

por Marcella Alencar*

Há anos que não é só de xote, xaxado e baião que sobrevivem os festejos juninos na Serra da Borborema. Em mais de um mês de festa, Campina Grande incorporou diversos ritmos e formas diferentes de vivenciar a cultura, de modo que o tradicional e o contemporâneo se encontrassem e conversassem — muito embora esse diálogo nem sempre seja amigável, ressalte-se.

Há quem defenda que, no palco principal do Parque do Povo, deveriam entrar apenas cantores das matrizes tradicionais do forró, hoje reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas há quem acredite que as atrações deveriam ser plurais e abarcar diversos públicos, independentemente do estilo musical.

De fato, Campina Grande é uma cidade com potencial para festas que vão além do forró. No entanto, durante o período junino, muito se fala sobre a descaracterização e a perda de espaço desse gênero para ritmos que já dominam as paradas e as programações festivas de norte a sul do país — como o sertanejo, por exemplo. Não foi à toa que, no intuito de evitar situações como essa, o estado de Pernambuco criou uma lei específica (Lei no 14.679/2012), para proteger expressões artísticas genuinamente pernambucanas. De acordo com essa lei, 60% das apresentações fomentadas pelo estado e pelos municípios devem ser destinadas a artistas e grupos artísticos que se encaixam nessa acepção.

Esse processo cultural, que envolve o diálogo intenso entre formas de cultura popular, culturas marginalizadas e cultura de massa, tem um nome, para os estudiosos da comunicação: chama-se folkcomunicação. Assim o definiu Luiz Beltrão, professor e estudioso que inaugurou esse campo no Brasil.

Para além de teorias, Campina Grande também vive, na prática, uma grande mistura de cantores, que incluem nomes como Elba Ramalho, Flávio José, Belo, Matuê e Alok, entre outras tendências musicais que têm cabido no palco principal d’O Maior São João do Mundo.

Há quem concorde e há quem discorde do que é ou não forró. Mas o ritmo acabou incorporando batidas eletrônicas, de funk, de sertanejo e de piseiro. São sonoridades que compõe os versos diários da tradicional festa nordestina — e geram discussões que ultrapassam as festas juninas. O modo como a festa cresceu e se expandiu foi tal que, neste ano, Campina Grande recebeu a ministra da Cultura, Margareth Menezes, junto com o governador do estado, João Azevêdo, na véspera do São João.

Museu Vivo: forró no relicário de memórias nordestinas

Na Paraíba, as discussões sobre a preservação da cultura paraibana sempre dão o tom do São João, que, apesar de tudo, conta com festas tradicionais em todos os cantos da cidade, como a que ocorre há mais de 30 anos no Museu Vivo do Nordeste, todo dia 23 de junho. No museu, montado na casa do professor Adonhiran Ribeiro dos Santos, a festa é organizada pelo filho dele, Thiago Mentor, auxiliado por sua esposa, Cynthia Menezes. “Neste ano, inovamos com as pulseirinhas, para ter um controle maior dos convidados do evento. Nossa prioridade é exaltar o forró. O São João é forró, baião e xaxado. São elementos indissociáveis da nossa cultura”, disse Cynthia.

Neste ano, participaram da festa mais de 200 pessoas. Segundo Thiago, ele passou a ajudar na produção da festa assim que ela tomou outra dimensão. “Era apenas uma festa de família, mas cresceu de forma orgânica, junto com o museu, que também é a casa do meu pai. A coisa foi aumentando até se tornar essa coisa enorme”, contou. O Museu Vivo do Nordeste, onde ocorre a festa e outras manifestações ao longo do ano, é também residência de seu Adon, como é popularmente conhecido o professor Adonhiran.

O museu é resultado de um projeto de extensão da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), instituição onde o professor, hoje aposentado, deu aulas de História. Ele adotou o conceito de “museu casa” para a sua residência, que abriga, mensalmente, festas voltadas para manifestações de cultura popular. “A ideia é reproduzir, na medida do possível, um ambiente do semiárido nordestino. Então, a festa foi adquirindo uma verdade cultural cada vez mais profunda”, disse ele.

O museu, que existe desde 2010, conta com um vasto acervo de peças antigas que retratam, ambientam e também participam ativamente da festa, como é o caso das comidas que são cozinhadas no fogão a lenha, durante os eventos. Caldos, milho-verde e feijoada fazem parte do cardápio que é oferecido a quem prestigia a música.

Evento reúne estilos que agradam a variadas “tribos” culturais da urbe

A festa campinense não se resume ao Parque do Povo. Durante o mês de junho, a cidade conta com atividades que demonstram a grandeza cultural do que ela ainda tem a oferecer. Tem espaço, por exemplo, para punk rock, hardcore, coco e batuque. É o que será demonstrado a partir das 15h de hoje, no Polo Baixinho do Pandeiro (na AABB): o São João Alternativo de Campina Grande.

Com incentivo do Governo da Paraíba, por meio da Lei Paulo Gustavo, o evento será gratuito e terá, como atrações musicais, a banda Devotos (PE), Zepelim e o Sopro do Cão (PB), Batuque Nagô (PB), Coco de Seu Vira (PE), DJ Gleydson (PB) e DJ Herbíssimo (PB), além das participações especiais de Arthur (banda Cabruêra), Pablo Ramires e Felipe França.

Tanto o polo quanto o evento foram pensados como uma proposta alternativa à programação tradicional do São João. “A gente nunca vê espaço para o alternativo ou para os artistas locais, uma movimentação que ajude a suprir a demanda do público e dos artistas de uma cadeia produtiva que faz evento o ano inteiro, mas acaba ficando de fora”, comentou Babu, vocalista do Zepelim e o Sopro do Cão, banda campinense que tem seis anos e lançou o primeiro disco, Caranguejo do Açude Velho, no ano passado.

De acordo com ele, a articulação para organizar uma programação alternativa e dar oportunidade ao artista que gostaria de estar no São João de Campina Grande, mesmo sem ser forrozeiro, começou no ano passado. “É por meio desse evento que a gente está conseguindo participar”, disse, ao ressaltar que a ideia da festa é pluralizar e diversificar, criando possibilidades para os artistas locais.

Por essa razão, a produtora do evento, Mola Produz, resolveu homenagear o artista Baixinho do Pandeiro, músico que sempre circulou entre as várias cenas de Campina Grande — de Elba Ramalho ao meio underground. Ele simbolizaria, portanto, o encontro de dois universos do meio cultural.

Chorinho, coro em canto e pé de serra: de tudo um pouco no Maap

Na edição junina, o grupo Chorata homenageou o Forró do Nó, liderado por Noaldo | Foto: Arquivo pessoal

Outro evento que ocorreu fora do circuito do Parque do Povo foi o Projeto Palco do Choro, com o grupo Chorata. A apresentação aconteceu na sexta-feira passada, no Museu de Arte Popular (Maap) de Campina Grande, localizado às margens do Açude Velho.

Nesta edição junina, o grupo se reuniu com convidados e homenageou o Forró do Nó, liderado por Noaldo, cantor e compositor campinense. “Nó atua há décadas, tocando e cantando forró de muitíssima qualidade. Então, a gente pensou que seria uma parceria excelente, neste mês de São João”, disse Victor Herbert, bandolinista do Chorata.

A apresentação de chorinho acontece toda última sexta-feira do mês, é gratuita e aberta ao público. É um evento que faz parte do Projeto Palco do Choro, que acontece em Campina Grande desde 2016, sempre com o grupo Chorata como anfitrião. “O principal objetivo é manter o choro vivo, pois é o primeiro gênero genuinamente brasileiro, respeitadíssimo em todo o mundo. Mas é também um meio de trazer artistas de Campina Grande e da região para mostrar as suas artes”, explicou Victor.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de junho de 2024.