Alvo de perseguição persistente, presencial e virtual, a pessoa atingida pelo stalking passa a conviver com o receio iminente da ação do agressor — contexto que pode gerar danos à saúde mental, como ansiedade, síndrome do pânico, depressão e estresse pós-traumático. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 apontou um aumento expressivo no número de casos registrados contra mulheres, em 2024: a taxa cresceu 18,2% em relação ao ano anterior. Na Paraíba, houve 1.414 ocorrências, em 2024, um salto de 51,3% na comparação com 2023, quando foram 930 registros.
De acordo com o levantamento nacional, o país totalizou, no período, 95.026 casos de mulheres vítimas desse tipo de violência, o que corresponde, aproximadamente, a 10 alvos de perseguição por hora. A delegada de Polícia Civil e coordenadora das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) da Paraíba, Maria Sileide de Azevedo, avalia que o aumento pode estar relacionado a um maior acesso à informação sobre o crime, que foi tipificado há alguns anos. “Estamos vendo uma redução na subnotificação de casos: denúncias de situações que existiam, mas, antes, permaneciam sem registro. Muitas vítimas, que antes não sabiam como nomear ou denunciar esse comportamento, agora conseguem reconhecer o stalking como um crime e procurar ajuda”, afirma a delegada.
Representando um avanço na proteção da privacidade e da segurança individual, a Lei Federal no 14.132/2021 categorizou essa prática abusiva no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme a legislação, o stalking caracteriza-se quando alguém persiste em vigiar, seguir, ameaçar ou invadir a privacidade de uma pessoa de forma contínua, ameaçando a integridade física ou psicológica e causando medo, angústia ou constrangimento. “A facilidade de acesso a informações, inclusive de localização, no meio digital, viabiliza a rastreabilidade da vida pessoal da vítima, sobretudo por meio das redes sociais”, explica Maria Sileide.
Situação provoca medo e afeta a liberdade
Identificar o stalking é o primeiro passo para proteger-se e tomar as medidas legais adequadas. Isso, contudo, nem sempre é fácil, já que o crime não precisa ser fisicamente violento. “Pode iniciar como uma justificativa de cuidado, parecendo inofensiva, mas tende a evoluir, afetando, diretamente, a liberdade e a tranquilidade emocional da vítima”, exemplifica a delegada Maria Sileide.
- Comportamento pode manifestar-se por meio do envio repetitivo de mensagens e do monitoramento da rotina e das redes sociais do alvo
A presença constante e indesejada do agressor (ou stalker) nos mesmos locais que a vítima frequenta; o envio repetitivo de mensagens, ligações ou e-mails; o monitoramento da rotina ou das redes sociais; e até o aparecimento inesperado na moradia ou no local de trabalho do alvo estão entre os comportamentos manifestados nesses casos. “Um sinal de alerta é quando a insistência provoca medo, afeta a liberdade da mulher ou altera seu comportamento, por receio de ser seguida ou vigiada. Assim, a repetição da conduta e a perturbação da liberdade, da privacidade ou da segurança da vítima configuram o crime”, descreve a coordenadora das Deams.
Outro ponto importante a ser considerado é a vivência da vítima em ciclos de violência doméstica e relações abusivas. “É relevante ressaltar que os ex-companheiros representam a maioria dos casos de stalking registrados, já que muitos agressores não aceitam o fim do relacionamento e passam a perseguir a vítima, como forma de controle ou punição”, salienta a delegada.
A pena por stalking é de reclusão, por um período de seis meses a dois anos, e multa, podendo ser aumentada em 50%, quando o crime for cometido contra mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência ou com o uso de armas. Nesses casos, também podem ser concedidas medidas protetivas, com a proibição de contato e de aproximação da vítima por parte do stalker.
Denúncia
Mensagens, e-mails, prints de conversas virtuais, gravações de chamadas e registros de aparições inesperadas do agressor constituem evidências que podem ser reunidas pela vítima para denunciar o stalking. A mobilização de testemunhas também pode reforçar a acusação, e o registro de um Boletim de Ocorrência (B.O.) possibilita a investigação do caso e, consequentemente, a determinação das medidas judiciais aplicáveis.
Para isso, a vítima pode dirigir-se a qualquer uma das 21 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher no estado, em municípios como João Pessoa, Campina Grande, Bayeux, Cabedelo, Santa Rita, Alhandra, Guarabira, Patos, Sousa, Monteiro, Esperança, Itaporanga, Picuí, Queimadas e Cajazeiras. Em localidades que não dispõem de uma Deam, as delegacias municipais devem ser procuradas. É possível, ainda, registrar o B.O. por meio da Delegacia On-line (https://delegaciaonline.pb.gov.br/), na qual podem ser solicitadas, inclusive, medidas protetivas de urgência, com ou sem representação criminal.
Qualquer pessoa pode denunciar violências do tipo, anonimamente, por meio dos telefones 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 197 (Polícia Civil). Caso a agressão esteja em curso, deve-se ligar para o número 190, a fim de que a Polícia Militar realize uma intervenção imediata, efetuando a prisão em flagrante, caso seja possível localizar o agressor.
Vítima fica vulnerável a transtornos mentais
Como reforça Stive Ferreira Lima, especialista em Psicologia da Saúde e psicólogo do Centro de Referência dos Direitos LGBTQIAPNb+ de Campina Grande, o padrão obsessivo, persistente e indesejado do stalking ameaça a integridade física e psicológica de seu alvo. “Diante desse comportamento nocivo, a vítima pode sofrer consequências que vão desde medo e desconforto até o desenvolvimento de transtornos mentais. Em casos mais graves, pode até colocar a própria vida em risco”, aponta.
Segundo o psicólogo, o stalker provoca na vítima um sentimento persecutório, mantendo-a em estado de alerta constante e sob sensação contínua de ameaça, o que gera estresse, dificuldade para relaxar e problemas de sono. “A longo prazo, isso pode comprometer a saúde mental, favorecendo o surgimento de distúrbios mais graves, como depressão, síndrome do pânico e ansiedade generalizada. É importante estar atento aos sinais como alterações no padrão de sono, mudanças de humor, distúrbios alimentares e isolamento social”, alerta Stive.
Por isso, conforme ressalta o especialista, o acompanhamento psicológico e o tratamento adequado são fundamentais para minimizar os danos emocionais causados por essa forma de violência e perseguição sistemática. “A psicoterapia, por exemplo, é uma ferramenta essencial para lidar com o trauma e os impactos emocionais. Evite minimizar o problema ou se culpar, o stalking é responsabilidade exclusiva de quem o pratica e a vítima nunca tem culpa”, recomenda Stive.
Além disso, é comum que amigos e familiares do alvo de stalking considerem seu temor como exagerado ou passageiro. No entanto, um stalker pode perseguir sua vítima por períodos que variam, em média, de dois a cinco anos. “É essencial explicar claramente o que está acontecendo, mostrando registros, locais e datas dos episódios de perseguição. Uma das atitudes mais importantes é não enfrentar tudo sozinha: buscar uma rede de apoio e contar com pessoas próximas pode aumentar a segurança e fortalecer o amparo emocional”, orienta o psicólogo.
Stive enfatiza a importância de também acionar o sistema de amparo formal dedicado a esses casos, como a Defensoria Pública, serviços de assistência psicológica e autoridades policiais, incluindo, no caso das mulheres, as delegacias especializadas e os Centros de Referência da Mulher. “Recorrer a esses serviços é essencial porque, ao contrário do apoio apenas de amigos, familiares ou vizinhos, envolve instituições e profissionais capacitados, que podem oferecer proteção, orientação jurídica e acolhimento psicológico, seguindo a legislação e os protocolos de segurança”, conclui o especialista.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de agosto de 2025.