por Sara Gomes
“Assis Nóbrega tinha pressa em servir e sempre dizia: ‘comida é para estar na barriga e não no estoque’. Mesmo com dores na coluna continuava lá no posto de arrecadação de alimentos. Você está falando com uma Gilmara transformada após conviver sete anos com ele. Assis amava a Deus e amava o próximo como a si mesmo. Nos ensinou este mandamento bíblico através do exemplo, da sua maneira de ser. Ele foi a melhor escola, onde aprendi a ser gente, a ser cidadã. Sinto-me privilegiada em ter convivido com ele”, concluiu emocionada. Este é o depoimento de Gilmara da Silva, voluntária da Ação da Cidadania da Paraíba. Uma entre tantas pessoas que conviveram com Assis Nóbrega, coordenador há 25 anos, do Comitê da Ação da Cidadania e da campanha Natal Sem Fome na Paraíba, que morreu na noite da última quinta-feira (28), vítima da covid-19, aos 60 anos de idade. A confirmação da doença ocorreu na última segunda-feira, que estava internado no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa, desde o dia 9 de maio. O corpo foi cremado na última sexta-feira(29), no Caminho da Paz. A celebração simbólica ocorrerá após o fim da pandemia.
Segundo relato dos familiares, há dez anos Assis Nóbrega lutava contra um câncer de tireoide, com metástases ósseas, passando por nove procedimentos cirúrgicos na coluna. Durante a recuperação de sua última cirurgia teve uma crise tireotóxica e outras complicações. O quadro clínico se agravou para hipotensão refratária, levando ao choque séptico e disfunção múltipla de órgãos. Além disso, contraiu covid-19, evoluindo para uma pneumonia grave.
Apesar da debilidade na coluna provocada pelo câncer foi a covid-19 que o matou. Uma de suas quatro filhas, Livianne Nóbrega, conta que Assis Nóbrega continuou arrecadando alimentos para ajudar as pessoas durante a pandemia, apesar de ser grupo de risco. “ Ele não aguentava ficar parado, por isso que caía tanto. Ainda mais sabendo que muita gente estava perdendo o emprego ou não podia sair de casa para ganhar o pão de cada dia. A gente sofre por sua partida, mas sabemos que ele descansou. Os médicos se surpreendiam com a sua força durante todos estes anos. Ele era guerreiro, não se deixava esmorecer”, revelou.
Assis Nóbrega deixou quatro filhas, uma viúva e oito netos. “Meu pai era um homem incrível. Ele teve uma infância difícil, passou fome, mas superou tudo isso. Ele dedicou a vida para ajudar às pessoas. Muitas vezes, chegava chorando em casa, eu preocupada perguntava: o que foi pai? Ele respondia que estava chorando de felicidade porque levou comida para um monte de gente. Ele foi um pai maravilhoso que me educou de uma forma que não sei nem explicar. Nunca precisou levantar a voz pra mim. Ele vai fazer muita falta a todos que tiveram a oportunidade conhecê-lo”, disse Livianne.
Conforme Advanilton dos Santos, voluntário a doze anos na Campanha Natal Sem Fome, uma das últimas ações que Assis acompanhou foi no final de março. Ele e um grupo de homens deslocaram-se para o município São Sebastião do Umbuzeiro, próximo a Monteiro, para prestar assistência a uma família que a mulher estava grávida e o marido desempregado. “ Além de levar alimentos e roupas. A Ação Cidadania de Campina Grande se juntou para fazer uma revitalização na casa deles. Sabemos que continuar a Campanha Natal Sem Fome não será a mesma coisa sem ele mas vamos prosseguir por ele. Toda vez que recebermos aquele olhar de gratidão das famílias carentes ao receber um alimento, vamos lembrar dele ”, relembrou.
Para o padre Egídio Carvalho, da paróquia Santo Antônio de Lisboa, a Paraíba perdeu alguém que dedicava à vida a assistência social. “ O que mais me chamava atenção é que ele fazia mais do que uma campanha de arrecadação de alimentos. Assis era uma pessoa que tinha o coração maior que ele. Dedicou a vida ao serviço. Em várias conversas que tivemos, sempre me questionava: ‘padre como é possível que depois de tanto tempo, em pleno século XXI, a humanidade tenha chegado a um conhecimento tecnológico tão grande, mas, ainda tem gente fazendo campanha para matar a fome das pessoas? relembrou.
O pastor Estevam Fernandes, da Primeira Igreja Batista de João Pessoa, soube da notícia do seu falecimento pela reportagem, mesmo impactado fez questão de prestar uma homenagem. “ Todo final de ano separávamos a verba de 200 a 300 cestas básicas para a Campanha Natal Sem Fome, vi de perto essa campanha nascer. Ele era um homem muito nobre, de alma ecumênica, cristão caridoso e que dedicou a vida ao próximo. O que importava para ele era garantir o alimento do pobre na mesa e que Cristo fosse glorificado. Ele só aparecia na imprensa no início da campanha e depois desaparecia. Por fim, peço as pessoas que permaneçam em casa”, conclui.
*publicada originalmente na edição impressa de 30 de maio de 2020.