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Apesar de existir semelhanças com a doença em adultos, as crianças têm dificuldade de externar suas emoções

Entenda por que diagnóstico de depressão em crianças é mais demorado

publicado: 05/12/2022 10h11, última modificação: 29/12/2022 15h05
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Os cenários que afetam o emocional de uma criança estão relacionados a escola, convivência familiar e a maneira como a criança é cuidada nessa fase da vida - Foto: Foto: Pixabay

por Sara Gomes*

 

A depressão infantil é um assunto pouco falado, mas cada vez mais presente nas novas gerações. Apesar de existir semelhanças com a depressão em adultos, o diagnóstico é mais demorado pois os pequenos têm dificuldade de externar suas emoções. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que há atualmente 350 milhões de pessoas em todo mundo com depressão e cerca de 1% a 2% dos atingidos são crianças.

Os cenários que afetam o emocional de uma criança estão relacionados a escola, convivência familiar e a maneira como a criança é cuidada nessa fase da vida. São inúmeros os motivos que podem desencadear um sofrimento psíquico em crianças e adolescentes, seja em decorrência do bullying na escola ou sentimento de frustração em relação às notas por achar que não é bom o suficiente. Outro ponto que pode desencadear um transtorno é a sociabilidade, como a criança se sente em relação às pessoas que estão ao seu redor. Todos esses fatores podem gerar instabilidade emocional no paciente.

A psicóloga Danielle Azevedo esclarece que não há motivo para a depressão, mas existem situações que podem gerar gatilhos, pela dificuldade na elaboração de emoções. “Se a criança/adolescente não se sente pronta para enfrentar determinada situação, provavelmente, ela vai reprimir as emoções, fazendo com que seu organismo reaja de forma negativa. Ela acaba canalizando essa dor para algum lugar”, elucidou.

Tristeza persistente, perda de apetite e irritabilidade

Diagnosticar depressão na infância é algo mais demorado. Tristeza persistente, perda de apetite, sono excessivo, desinteresse pelas atividades que antes lhe davam prazer, irritabilidade, isolamento e angústias são características de crianças que estão com o humor deprimido.

Davi, 10 anos, vivenciou muitas mudanças na rotina nos últimos três anos. Morava em João Pessoa, mas se mudou para Maceió por conta do trabalho do pai, consequentemente, teve que se adaptar a uma nova escola. Mas o primeiro acontecimento que culminou um quadro de tristeza foi a morte de sua cadela repentinamente.

Fabiana Veloso, sua mãe, conta que o filho chorava muito na escola por conta da morte do pet. Depois desse acontecimento passou a não querer ir à escola, pouco tempo depois veio a pandemia. “Por um lado, foi bom porque era muito difícil convencê-lo ir à escola”. Depois de um tempo, Davi contou que os colegas o chamavam de “filhinho da mamãe” porque chorava pra não ficar na escola. “Os colegas da escola começaram a fazer bullying com ele. Já que essa tristeza estava persistente, Fabiana resolveu levá-lo a uma psicóloga. “Como era no início da pandemia a terapia teve que ser on-line, mas com criança essa modalidade não funciona muito pois é difícil prender a atenção”, pontuou.

Quando começou o ensino remoto ficou ainda mais difícil captar a atenção de Davi pois queria ficar o tempo todo jogando. “Ele é fascinado por jogos e vídeos no YouTube. Eu já observava que ele tinha uma dificuldade de concentração. Até hoje não gosta do ambiente escolar pois considera uma perda de tempo, ele prefere aprender com um vídeo”, revelou. Davi realmente tinha o vício em telas, mas hoje Fabiana compreende que também era uma fuga da realidade.

A depressão fala muito sobre a falta, o vazio e a necessidade não atendidos no passado. A ausência de suas demandas não atendidas ou conquistadas. De acordo com a psicóloga infantil e orientadora parental, Jaqueline Rabello, a depressão é o mal do século, resultado, muitas vezes, do excesso e ao mesmo tempo da falta de tudo. “O vazio de algo que não consegue ser preenchido com bens materiais ou agendas lotadas de atividades. Mas preenchido com amor e presença, cuidado, limites e, principalmente, um olhar atento e cuidadoso dos pais”, frisou.
Como estavam numa pandemia, os pais de Davi resolveram voltar para Campina Grande, sede do emprego do pai. Fabiana providenciou a transferência de Davi para uma escola em Campina Grande. Quando retornou às aulas presenciais, o problema de socialização com outras crianças persistiu. “Os meninos começaram a excluí-lo das brincadeiras em grupo, então a psicopedagoga da escola sugeriu mudá-lo de horário. Como ela é bem experiente aconselhou também uma consulta médica com o neuropediatra”, afirmou.

Após algumas consultas, o neuropediatra o diagnosticou com depressão infantil. “Ele esclareceu que essa tristeza era depressão. No início foi difícil aceitar que ele precisaria tomar medicação. Foi um período de adaptação complicado pois o remédio causava efeitos colaterais. Eu ficava mal de vê-lo nessa situação”, relembrou a mãe. Depois de dez meses tomando essa medicação, Fabiana perguntou ao médico se poderia suspender a medicação.

“Eu tinha medo do remédio causar dependência, então perguntei ao médico se poderia cortar a medicação. Ele começou a ser agressivo na escola e a desenvolver crises de ansiedade e de pânico”, contou.

Além do médico, Davi estava sendo acompanhado por uma psicóloga e psicopedagoga. “A psicopedagogia indicou outra escola que tinha uma equipe muito boa de psicólogos que trabalhavam o emocional”, contou. A adaptação a esta escola foi difícil pois seu filho já estava fazendo novas amizades.

Após o tratamento, Davi está bem melhor. A mãe conta que aos poucos foi aprendendo a lidar com a doença. “Era muito difícil ver o sofrimento dele. Hoje vejo que Davi está dormindo melhor e a medicação ajuda a controlar a ansiedade, irritabilidade e humor deprimido. Os familiares não compreendiam a mudança de comportamento em decorrência da depressão, então a pressão de enfrentar a doença acabou recaindo sobre mim”, concluiu.

Para Jaqueline Rabello, a não aceitação dos pais que o filho pode estar em um estado depressivo, acaba agravando o caso. “Quanto antes buscar ajuda, menos prejuízos a criança e família podem ter”, analisou.

Adoecimento psicológico
As redes sociais e uso excessivo de telas (celulares, videogames e eletrônicos) podem desencadear algum adoecimento psicológico, fazendo com que o excesso de exposição contribua para a falta de convivência familiar e até sociabilização dos amigos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 4 de dezembro de 2022.