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Críticas a reitor

Docentes da UFPB são investigados

publicado: 08/08/2024 09h11, última modificação: 08/08/2024 09h13
Processos estão na Polícia Federal, mas professores alegam que manifestações contrárias são parte da democracia
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Para professores, a atual reitoria é autoritária e incapaz de dialogar e de respeitar as instâncias representativas | Foto: Carlos Rodrigo

por Samantha Pimentel*

Os professores Márcio Silva e Daniel Antiquera, ambos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vêm sendo alvo de uma investigação da Polícia Federal (PF), por supostas ofensas ao reitor da instituição, Valdiney Gouveia. As professoras Marília Bregalda e Mojana Vargas também vêm sendo investigadas, além de técnicos e estudantes da instituição. Os depoimentos de Márcio e Daniel aconteceram, respectivamente, nessa terça-feira (6), em Brasília, e ontem, em João Pessoa.

Em 2020, o atual reitor da UFPB foi nomeado para o cargo pelo então presidente Jair Bolsonaro, mesmo sendo o último colocado nas eleições para a reitoria. Até então, o cargo era sempre ocupado pelo candidato mais votado pela comunidade acadêmica, respeitando a decisão da maioria, mesmo o presidente tendo a prerrogativa de escolher qualquer um dos nomes de uma lista tríplice. O fato causou revolta em toda a comunidade, com protestos e críticas a essa decisão, denominada de “intervenção”.

"Em nenhum dos processos houve apuração prévia, todos foram dirigidos diretamente à PF, com alegações vazias e não comprovadas"
- Daniel Antiquera

Dentre essas ações, formou-se o Coletivo Representativo das e dos Docentes em Luta (Cordel), que conta com os professores investigados como representantes. Em nota, o grupo se posiciona sobre as investigações e destaca que Valdiney Gouveia ficou em terceiro lugar na consulta à comunidade acadêmica, com apenas 5% dos votos, além de não ter recebido nenhum voto nos Conselhos Superiores, entrando na lista tríplice por meio de uma liminar.

O Cordel também afirma que as investigações contra professores, técnicos e estudantes são uma forma de intimidação contra os movimentos críticos à gestão do atual reitor, que tem criado um “ambiente de perseguição política e autoritarismo na universidade”. Além disso, a nota cita que as acusações não possuem materialidade, pois há sete inquéritos abertos na PF, desde 2022, envolvendo os quatro docentes, duas estudantes e uma técnica-administrativa. “Em nenhum dos processos houve apuração administrativa prévia, todos foram dirigidos diretamente à Polícia Federal, com alegações vazias e não comprovadas de ‘crimes contra a honra’ e até de agressão”, destacou a nota.

De acordo com um dos investigados, o professor Daniel — do curso de Relações Internacionais —, ele não sofreu nenhuma acusação concreta. Presente nas manifestações contrárias ao atual reitor, ele alegou que essas mobilizações são instrumentos da democracia, não sendo proibidas ou classificadas como crime, e enfatizou que não há nenhuma ação ou fala sua, de forma pessoal, que justifique a investigação. “Simplesmente colocaram o meu nome lá. O que a gente conclui, de forma muito evidente, é que se trata de uma tentativa de intimidação, porque eu, o professor Márcio e as demais professoras fazemos parte de um coletivo que, desde que ele assumiu, atuou constantemente contra essa gestão”, argumentou.

Daniel também disse que o maior problema, quanto ao reitorado, vai além do processo eleitoral — que, por si só, é muito grave, pelo histórico da luta pela democracia da universidade — e esbarra nos atos da sua administração. “É uma gestão absolutamente incapaz de dialogar e de respeitar as instâncias representativas, os conselhos, os estudantes, os movimentos e os sindicatos. Uma gestão muito autoritária, que veta decisões dos conselhos superiores, que cancela reuniões que não poderia cancelar e que está com dificuldades para aprovar as próprias contas”, salientou.

Ele disse ainda que foi aberto um processo administrativo, com base no estatuto da UFPB, tratando de atos antidemocráticos e irregulares, por parte da Reitoria, e que esse processo não teve andamento, desde agosto de 2021. Também informou que o Ministério da Educação (MEC), ao qual a UFPB está subordinada, foi notificado há meses sobre esses processos, mas não interveio sobre a situação, até então.

Entidades oferecem apoio e denunciam perseguição política 

Segundo o Sindicato dos Professores da Universidade Federal da Paraíba (Adufpb), em nota de solidariedade aos professores, essas ações de investigação são motivadas por perseguição à atuação dos docentes em defesa da democracia. “Trata-se de mais uma ação de natureza persecutória patrocinada pela equipe que tem sustentado a intervenção na UFPB, administrada, nos últimos quatro anos, por um gestor nomeado por um governo golpista, que alçou ao cargo máximo da instituição um candidato a reitor recusado duplamente — pela comunidade universitária e pelos Conselhos Superiores da instituição”, afirmou o texto. A entidade colocou a sua assessoria jurídica à disposição dos professores.

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) também divulgou nota de solidariedade aos docentes: “A UFPB ainda conta, em sua Reitoria, com um interventor da época de Jair Bolsonaro, que foi nomeado pelo ex-presidente com percentual de votação correspondente a menos de um décimo dos votos da comunidade acadêmica. A sua atuação tem provocado uma série de denúncias à Polícia Federal, em desfavor da atividade política e sindical de diversos docentes, indicando uso da Procuradoria da Universidade com fins distintos do que deveriam ser sua prioridade”. O sindicato disse ainda que repudia práticas contra a liberdade de expressão dos docentes, pois “podem configurar perseguição política, assédio institucional e corrosão do ambiente democrático”, destacou a nota.

Procuradoria se manifestou apenas para recomendar consulta direta à polícia

Resposta

Procurada pela equipe do Jornal A União, a Procuradoria Federal da UFPB afirmou que a sua competência é de “representação judicial e extrajudicial da autarquia” e, como a universidade “não é parte nesses processos, não há e nem pode haver qualquer ‘posicionamento da Procuradoria’ acerca da materialidade dos ilícitos, tal como consultado. Recomenda-se consultar o próprio órgão de investigação criminal (Polícia Federal)”, alegou, por e-mail.

Quando contatada, a PF informou, por meio da sua assessoria de comunicação, que não pode falar sobre as investigações em curso. Já o reitor Valdiney Gouveia não quis se pronunciar, dizendo apenas que “já há inquérito aberto e as investigações da PF vão apurar o caso”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de agosto de 2024.