por Iluska Cavalcante*
Criação do MEPCT e implantação de projetos sociais contribuem para a prevenção e o combate à tortura
A Paraíba tem andado na contramão da situação do país e priorizado políticas públicas em favor dos direitos humanos, como o combate à tortura. Além de ter um Comitê de Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba (CPCT/PB), o Estado também é um dos primeiros a ter um Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/ PB). Apesar de ser uma imposição da Convenção da ONU Contra a Tortura, no Brasil, além da Paraíba, o órgão foi criado apenas no Rio de Janeiro, Rondônia e Pernambuco.
A tortura é um assunto que voltou a ser falado com mais frequência nos dias atuais, e ainda precisa ser combatida dentro dos locais de privação de liberdade, como prisões, unidades socioeducativas e instituições de longa permanência. O mecanismo antitortura na Paraíba, formado pelos peritos Olímpio Rocha, Breno Marques e Olívia Almeida, trabalha em inspeções nesses locais. Eles verificam se há indícios ou provas de violações aos direitos humanos e se há prática de tortura. Além disso, o órgão busca levantar problemas apontados pelos funcionários, agentes socioeducativos e agentes penitenciários e, através de relatórios encaminhados às autoridades competentes, é iniciada uma investigação, são instaurados inquéritos ou ajuizadas ações civis para solucionar os problemas encontrados.
Apesar de ser um órgão vinculado ao Governo do Estado, o MEPCT é independente em suas investigações. “É preciso dizer que agimos com total autonomia e liberdade, pois somos três peritos aprovados num processo público de prova, análise curricular e entrevista, entre mais de 50 candidatos de alto gabarito e formação, para um mandato de três anos, renovável por mais três anos”, explicou Olímpio.
O procurador Regional dos Direitos do Cidadão, José Godoy, participou do processo seletivo para os peritos do MEPCT e ressaltou que, na Paraíba, é possível agir de forma livre, sem interferências do governo estadual. “O mecanismo do Estado da Paraíba se encontra totalmente à vontade para trabalhar sem sentir nenhum tipo de pressão. Não houve nenhuma indicação, as pessoas que passaram fizeram provas de nível altíssimo, o que fez com que a gente tenha condições de atuar”.
Ele enfatizou que o Estado tem crescido cada dia mais nos direitos essenciais aos cidadãos, com uma segurança pública que se preocupa em combater os casos de violência policial. “Eu vislumbro isso no meu dia a dia. Colegas procuradores da República que atuam em outros estados dizem: ‘Na Paraíba, vocês têm avançado pontos impressionantes’. Seja a criação do mecanismo, seja a forma transparente e direta com que atua o comandante da Polícia Militar ou com que o secretário da Segurança Pública tem buscado responder aos questionamentos quando há suspeitas ou casos de violência policial. A forma como eles se preocupam em tomar providências”, relata.
Godoy afirma ainda que dos próprios gestores municipais é cobrada responsabilidade no campo dos direitos humanos. “Eu vejo que eles buscam dialogar, isso me chama a atenção como a Paraíba tem sido um estado interessante nesse assunto”, comemora.
Além disso, recentemente, os presídios do Estado e as unidades socioeducativas acabaram com as chamadas revistas vexatórias, graças ao uso de aparelhos de scanner corporal. “Esse é um fato muito relevante que sempre foi uma luta muito grande do Ministério Público Federal e das defensorias”, comentou Godoy.
Diálogo e mediação
De acordo com a coordenadora do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba (CPCT/PC), Leilane Soares, as denúncias de tortura na Paraíba têm diminuído nos últimos anos. Ela ressalta que o diálogo e a mediação com as Secretarias de Segurança Pública e da Administração Penitenciária, as polícias Civil e Militar para a implantação de projetos que melhoram o serviço têm sido o motivo da queda nos casos de tortura.
Desde 2016, o CPCT desenvolve um trabalho de acompanhamento dos sistemas de privação de liberdade e da atuação dos agentes de segurança, que são a maioria citada nas denúncias de tortura. “Na Paraíba, eu creio que a situação esteja, de certa forma, caminhando para o reconhecimento da garantia de direitos e proteção destes. Nós estamos tendo abertura dos órgãos de segurança pública para a proposição de projetos e sua implantação, porém, ainda existem casos que demandam a nossa atenção. Tanto o comitê quanto as instituições que dele fazem parte estão trabalhando para diminuir os relatos de violações e trazer melhorias no cumprimento das sanções nas unidades de privação de liberdade e garantir à população a defesa dos seus direitos, garantidos constitucionalmente.”
Discursos incentivam a violência
A Paraíba é um dos quatro estados do Brasil a ter cumprido determinação da ONU e criado o mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
A situação do país tem sido pauta em todo o mundo e preocupação para Ongs e instituições que defendem os direitos humanos. O relatório anual da ONG Human Rights Watch (HRW) de 2019, que traz os principais acontecimentos no Brasil em 2018 no que diz respeito aos direitos humanos, teve como um dos destaques a vitória de Bolsonaro nas eleições do ano passado. O relatório definiu Bolsonaro como alguém que endossa a prática de tortura e outros abusos, além de enfatizar acontecimentos de sua campanha presidencial: “Violência política e ameaças contra jornalistas marcaram as eleições”.
Na opinião do coordenador do Mecanismo Antitortura da Paraíba, Olímpio Rocha, as declarações do presidente Jair Bolsonaro não têm nenhum apreço pelos valores democráticos e pelo processo legal. Segundo ele, o presidente caminha para acabar com qualquer política pública que coloca em prática valores que previnem e punem a tortura.
Ele ressalta que conquistas, como os conselhos e mecanismos antitortura devem sofrer durante o governo Bolsonaro. “Tendo em vista as declarações favoráveis à tortura do presidente Jair Bolsonaro, que já se disse explicitamente a favor de repugnantes e odiosas práticas, não há nenhuma dúvida de que os mecanismos antitortura poderão ser alvos do governo instalado no Brasil”, disse.
Na opinião de José Godoy, ter um presidente que apoia a tortura faz com que policiais se sintam autorizados a cometer crimes contra os direitos humanos. “Ninguém vai combater a violência com instituições policiais fechadas, que não prestam contas à sociedade. Nenhum lugar do mundo baixou violência com violência policial. Se baixou com polícia eficiente, bem treinada, preparada e que preste contas à sociedade”.
*texto publicado originalmente na edição impressa de 07 de julho de 2019