Notícias

Aprendizados

Há beleza no renascimento diário

publicado: 10/04/2023 11h57, última modificação: 10/04/2023 11h57
Pandemia da Covid-19 representou um processo de amor ao próximo, uma essência do período pascoal
1 | 2
Um dos principais sentimentos após o renascimento pós-Covid-19 foi a possibilidade de sentir, novamente, a água do mar tocando os pés - Foto: Marcus Antonius
2 | 2
Após renascer, Hellen observa o mundo com outros olhos e deseja mais empatia - Foto: Arquivo Pessoal
20210617-caminhabilidade-Marcus_Antonius (101).JPG
WhatsApp Image 2023-04-05 at 14.49.18.jpg

por Taty Valéria*

Para os cristãos, a Páscoa simboliza renascimento e renovação. Para a tradição judaica, representa libertação. Seja a ressurreição de Cristo ou a libertação do povo hebreu escravizado, o fato é que a Páscoa traz uma mensagem de esperança e fé, e que ganha uma nova camada de significados em 2023, quando o recuo da Covid-19, proporcionada pela vacinação em massa da população, garantiu que a vida dos brasileiros pudesse voltar à normalidade.

Os dois primeiros anos de pandemia foram especialmente dramáticos e atingiu a população de diferentes formas. “Depois daquilo tudo me sinto renascida. Aprendi a fazer artesanato, a apreciar muito mais a minha companhia. Comecei a brincar mais com meus cachorros, a agradecer os pequenos milagres da vida como um bebedouro de beija-flor que instalei no meu jardim”. A farmacêutica Bibiana Rosa, de 38 anos, fez parte do contingente que precisou lidar com a solidão compulsória.

Formada há poucos anos, com um emprego numa rede grande de farmácias, em uma cidade que escolheu morar por ser mais tranquila, ela estava feliz com a nova vida que estava prestes a se iniciar. “Eu estava animada com a cidade, muitos atrativos para quem gosta de curtir, a orla e as praias, lugares históricos... eu estava adorando viver em João Pessoa”.

Aprendi a dar valor ao que é importante. Eu renasci, mudei minha visão de vida e, hoje, compreendo que a gente precisa viver um dia de cada vez
Hellen Peres

Já Hellen Peres, 40 anos, tinha um outro perfil. Divorciada e mãe de duas filhas, a atendente deixava o emprego para trabalhar com uma de suas paixões: o artesanato. “Eu comecei a fazer tiaras e laços de cabelo e estava me sentindo realizada por conseguir trabalhar de casa, cuidar e ficar mais perto das minhas filhas”, falou. A vida de Hellen mudou radicalmente a partir daquele mês de março de 2020, e ao contrário de Bibiana, que precisou se adaptar à solidão, Hellen dividia o apartamento com seus pais idosos e com suas duas filhas. Mas a chegada da Covid-19 em sua casa mudou toda a dinâmica familiar.

“Minha filha mais velha adoeceu, depois eu, e minha caçula apresentou alguns sintomas leves. Meus pais testaram negativo e foram morar com meu irmão”. Enquanto a filha mais velha apresentava uma melhora progressiva, Hellen foi agravando seu quadro até precisar ser internada com alto grau de comprometimento dos pulmões.

Longe do cuidado e do carinho de sua família e sem condições de contratar uma cuidadora, ela aprendeu a desenvolver a coragem, o desapego e a humildade. “Eu usava fraldas e às vezes só tinham enfermeiros para me trocar e me limpar. Eu tive que engolir meu orgulho e minha vergonha. Aprendi naqueles dias a dar valor ao que é importante e que a gente vive um dia de cada vez”, disse.

Bibiana fez parte do grupo de trabalhadores essenciais e teve que lidar com o medo e uma sensação extra de responsabilidade. “No início, que ninguém sabia de nada, tínhamos muito medo de sermos contaminados e a cada receita que sabíamos que era para quem estava doente, ficávamos apreensivos... Foi muito desgastante explicar à população o risco que todos estávamos passando e a responsabilidade de cada um em minimizar a transmissão”, afirmou. Mesmo não tendo sido contaminada pelo vírus, a jovem precisou lidar com a doença de forma constante e permanente, e essa convivência trouxe algumas lições.

 Aprendizado e renascimento

WhatsApp Image 2023-04-05 at 14.49.18.jpg
Após renascer, Hellen observa o mundo com outros olhos e deseja mais empatia - Foto: Arquivo Pessoal

Bibiana acredita ter se tornado uma pessoa mais compreensiva e empática, apesar dos exemplos negativos que vivenciou. “Mas também acredito que, infelizmente existe a maldade em algumas pessoas e temos que nos preservar bastante disso”, disse a farmacêutica quando se deparava com o negacionismo e com a falta de responsabilidade coletiva.

Esse lado negativo do ser humano também foi testemunhado por Hellen enquanto esteve internada. “Vi muito egoísmo, as pessoas só pensavam em si e muitas vezes me tratavam como se minha doença não fosse grave”, lembrou.

Os aprendizados dessas duas mulheres, trazidos pela pior pandemia deste século e que lidaram de diferentes perspectivas com a mesma doença, representam a essência do que significa não só o domingo de Páscoa, mas toda a mensagem da Semana Santa: empatia, amor ao próximo, humildade, resiliência e uma valorização da vida e daquilo que realmente importa.

“Eu renasci, mudei minha visão de vida e hoje compreendo que a gente precisa viver um dia de cada vez”, diz Hellen.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 9 de abril de 2023.