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Sobrado

História e cultura vivem nas ruas

publicado: 03/06/2024 13h36, última modificação: 04/06/2024 10h52
Aos 30 anos de emancipação, município de rico passado histórico investe em eventos culturais para a população
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Neste ano, a festa de emancipação política municipal incluiu o Pedala Sobrado, uma exposição histórica na Casa de Cultura e a Feira de Artesanato | Fotos: Divulgação/Secretaria de Cultura e Turismo de Sobrado
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por Sara Gomes*

Localizado na Zona da Mata paraibana, a 52 km de João Pessoa, o município de Sobrado completou 30 anos de emancipação política no dia 29 de abril. Ex-distrito de Sapé, a cidade vive um momento de intenso fomento cultural, como demonstram iniciativas recentes envolvendo cinema, poesia e artesanato. Mas o passado local, que sobrevive, inclusive, por meio de casarões antigos, também é fonte importante de conhecimento histórico sobre a região, como evidenciado pela relação entre o município e a atuação das Ligas Camponesas.

Mais de 80% da extensão territorial de Sobrado – 132,94 km², segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – é pontilhado por propriedades agrícolas, que se estendem por 16 localidades rurais. Reflexo disso, a economia da cidade é sustentada, em sua maioria, pela agricultura familiar e pela agropecuária, que abastecem as feiras dos municípios circunvizinhos.

Atrações diversas

A festa de emancipação política é um dos principais eventos culturais de Sobrado. Neste ano, a celebração aconteceu entre os dias 2 de abril e 1o de maio, contando com uma programação diversificada de atrações que já integram o calendário municipal, como Pedala Sobrado, Cineclube Itinerante, Feira de Artesanato e uma exposição sobre a história da cidade na Casa de Cultura.

O Pedala Sobrado é um evento organizado pela Secretaria de Esportes do município, tendo reunido, em sua 2a edição, 500 ciclistas de várias cidades do estado, como Guarabira, Mari, Sapé e Riachão do Poço, além da capital. Depois de um café da manhã, os participantes iniciam um trajeto ciclístico que percorre diversos locais da região, como Areia Vermelha, Lagoa do Padre, Campo Grande e o Sítio Caruçu, passando por belezas do cenário rural, como estradas de barro, casas antigas e pequenos rios. “Esse evento é uma oportunidade de curtir o ar puro e vivenciar o espírito aventureiro que o pedalar promove”, destaca a secretária de Cultura e Turismo de Sobrado, Inyédja Dantas Ferreira. Em seu retorno, os ciclistas do Pedala Sobrado são recepcionados com um banho de mangueira para amenizar o calor, como também massagens e aplicação de ventosas para aqueles que sofrem maior desgaste físico durante o percurso.

Por sua vez, o Cineclube Itinerante é uma iniciativa da Secretaria de Cultura e Turismo, por meio da Lei Paulo Gustavo, para saciar o desejo da população urbana e rural sobradense em conhecer obras cinematográficas. Inaugurado no dia 15 de abril, o projeto exibiu, como primeiro filme, “O Sertão Vai Vir ao Mar”, produção paraibana dirigida por Rodrigo César e estrelada por nomes como Tay Lopez, Lucas Veloso, Zezita Matos e Buda Lira. De acordo com a secretária da pasta, a próxima edição do Cineclube vai acontecer em junho. “Começamos a nos cadastrar em algumas leis federais de fomento à cultura, como as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, para que a cultura ocupe todos os espaços, tanto a zona rural como a urbana de Sobrado”, complementa Inyédja.

Outros eventos culturais de expressão no município são o Salão de Artesanato, que agrega uma exposição de trabalhos artesanais e gastronomia, e o Sarau das Palavras, em que poetas e amantes da literatura declamam poemas e realizam apresentações musicais.

Casarões e Ligas Camponesas compõem a memória local

A trajetória de João Pedro e Elizabeth Teixeira  à frente das Ligas  Camponesas de Sapé é tema do documentário “Cabra Marcado para Morrer” (1984),  de Eduardo Coutinho | Foto: Divulgação/“Cabra Marcado para Morrer”
A trajetória de João Pedro e Elizabeth Teixeira à frente das Ligas Camponesas de Sapé é tema do documentário “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho | Foto: Divulgação/“Cabra Marcado para Morrer”

O nome da cidade faz referência a uma antiga habitação portuguesa de primeiro andar, que passou a ser conhecida pelos moradores das redondezas como “sobrado”. De acordo com o pesquisador Juraci Marques, o imóvel foi edificado e abriga, atualmente, o escritório local da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), além de caixas d’água do município.

Os casarões antigos, a propósito, são marcos da história de Sobrado desde o século 18. Segundo informações extraídas do site Cultura de Sobrado, o Centro Histórico do município reunia diversas moradias do tipo. Com o tempo, porém, muitas delas chegaram a ruir, e outras foram derrubadas por seus proprietários. Já na saída da cidade, em direção ao Riachão do Poço, edificações pertencentes à família Braz Pereira também foram demolidas por falta de conservação. “Ainda com base no relato de pessoas idosas, outros casarões foram destruídos, há mais de 80 anos”, afirma Juraci.

O casarão da Rua Júlio Guabiraba e o da antiga Câmara Municipal são alguns dos poucos que permanecem de pé, guardando não apenas a memória de Sobrado, mas dos povoamentos do interior do estado no século 18. Edno de Luna, professor de Geografia e ativista cultural, ressalta a importância de se preservar a história da cidade por meio dessas edificações, inclusive para enriquecer o turismo e fomentar a educação patrimonial. “A não valorização do patrimônio histórico e dos elementos que constroem a memória de um povo permite que o tempo apague os traços de suas histórias, a cultura e o sentimento de pertencimento desse povo. Precisamos de ações urgentes, como a revitalização desse patrimônio por parte do Poder Público”, enfatiza.

A história das ligas camponesas atravessa Sobrado

A história das Ligas Camponesas rompe as estruturas de dominação. De acordo com a professora de História no site Cultura de Sobrado, Juliana Teixeira, João Pedro Teixeira passou a perceber as injustiças que ocorriam com o homem do campo,reivindicando direitos para os trabalhadores rurais, confrontando a opressão e o monopólio de terras na região. A partir desses questionamentos, em meados de 1958, surgiram as Ligas Camponesas de Sapé.

“Esse movimento lutou contra as injustiças não só de Sapé mas de toda a Paraíba. Os camponeses lutavam pelos seus direitos de plantar e colher na terra, denunciavam os abusos cometidos pelos latifundiários”,disse a neta de João Pedro e Elizabeth Teixeira. A história do casal, aliás, é tema do documentário “ Cabra Marcado pra Morrer”(1984), de Eduardo Coutinho;

Na década de 60, o líder camponês João Pedro Teixeira residiu em Barra de Antas, atual território sobradense que fica na divisa entre Sapé e Sobrado. Inclusive, Edno de Luna acrescenta que Sobrado ficou marcada por ter sido o território onde o líder camponês foi assassinado, nas imediações da comunidade Antas do Sono na estrada PB 073. “Hoje existe um simples memorial exatamente no local onde ele morreu. Todo ano grupos de reforma agrária e vinculados a movimentos culturais fazem uma peregrinação deste local até Barra de Antas”,disse.

A trajetória do militante camponês foi, inclusive, uma das inspirações do professor e ativista em suas incursões na música e na literatura, como se nota na canção “Fogo de Monturo” e no cordel “João Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas”.

Ex-diretor de Cultura da Prefeitura de Sobrado, Edno mantém uma carreira que já rendeu dois discos e um livro de poesia, além de ter sido finalista do festival Forró Fest. Para ele, explorar essas formas de expressão é uma maneira de honrar a cultura local. “Depois que comecei a me aprofundar na literatura de cordel, passei a utilizá-la em sala de aula, pois o cordel conta a memória do povo, história e cultura através da linguagem popular”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 02 de junho de 2024.