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Jovens privados de liberdade viram pesquisadores junto à UFPB

publicado: 17/09/2017 00h05, última modificação: 16/09/2017 10h01
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Parceria entre a Fundac e a Universidade Federal da Paraíba vai beneficiar os adolescentes de três unidades - Foto: Divulgação

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Célia Leal

Especial para A União

Uma iniciativa pioneira transformou alguns adolescentes privados de liberdade em bolsistas/pesquisadores junto a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Isso foi possível através de parceria com a professora doutora Maria de Fátima Pereira Alberto, do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social.

Ela também coordena o Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência e propôs a presidência da Fundação Desenvolvimento da Criança e do Adolescente ‘Alice Almeida’-(Fundac) inserir jovens internos nas unidades socioeducativas em João Pessoa. Eles vão aplicar a pesquisa que pretende analisar “a relação entre o trabalho infantil e o ato infracional”.

Os jovens selecionados como bolsistas são de três unidades. Um do Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE), outro do Centro Educacional do Jovem (CEJ) e uma adolescente do Centro de Atendimento Socioeducativo Rita Gadelha (unidade feminina). A pesquisa será aplicada por um ano e cada interno (a) pesquisador receberá uma bolsa no valor de R$100,00.
Os jovens pesquisadores terão acompanhamento de professores, alunos de graduação e pós-graduação da UFPB, sob a orientação geral da professora Fátima Alberto. O acompanhamento da execução da pesquisa é da mestra e coordenadora do Eixo Educação da Fundac, Roberta Alencar.

A professora Fátima, que já trabalha com pesquisas, extensão e estágios, se aproximou um pouco mais dos jovens e dos adolescentes quando desenvolvia um trabalho nas unidades sobre justiça restaurativa. Ela disse que á época foi percebendo que ‘fazia-se necessário algumas iniciativas que pudessem contribuir no processo de construção desse projeto de vida’.
“Temos identificado nas nossas pesquisas sobre trabalho infantil que, diferentemente do que a sociedade pensa, de que o trabalho evita o envolvimento com atos infracionais e coisas do gênero, nós temos percebido que, pelo contrário, dependendo das condições, do tipo de atividade que a criança e o adolescente desenvolve precocimente, leva essa criança ou adolescente, ou contribui para o envolvimento com o ato infracional”, disse.

Ela ressaltou também que a idéia, nesse projeto, é fazer uma pesquisa onde se relacione esses dois aspectos: ‘Em que medida os jovens vivenciaram antes com o ato infracional, inserção precoce no trabalho’. Ela disse que já tem identificado nas próprias unidades que muitos adolescentes e jovens foram trabalhadores na infância.

O trabalho já começou com a formação dos pesquisadores/adolescentes. Segundo Fátima Alberto, eles fazem leituras, discutem os textos para definir, para conceituar, para entender bem o que é o trabalho infantil, para compreender quais as causas, quais as conseqüências, quais os danos e os malefícios que o trabalho infantil traz e, “compreender que um desses malefícios é o que nós chamamos de socialização desviante, que é o envolvimento com o ato infracional”, explicou.

A pesquisa vai ser realizada nas cinco unidades socioeducativas de João Pessoa e, uma vez por semana todos se reunirão e apresentarão a coleta do material. Ao final do trabalho a pesquisa será devolvida a própria instituição (Fundac) e aos adolescentes e jovens que participarem do processo.

Segundo Fátima Alberto, o resultado também será apresentado na Universidade, construído artigos e capítulos de livros publicando sobre essa realidade. “É uma forma de se compreender o processo de desenvolvimento de adolescentes e jovens nestes casos e como é que se dá essa relação entre o trabalho infantil e o ato infracional”, comentou.

Estatuto da criança

A Constituição Federal no Artigo 227 que originou o Estatuto da Criança e do Adolescente e o próprio Estatuto definem que a criança e o adolescente não podem trabalhar antes dos 16 anos porque tem que ir pra escola. O seu trabalho é a atividade educativa, é a atividade escolar. De acordo com a legislação a criança e adolescente não pode trabalhar antes de 16 anos, salvo na condição de aprendizagem que é de 14 a 16.

“E o que nós temos identificado é que muitos trabalharam muito mais cedo que isso. Então, a idéia é ver, nesses que estão em cumprimento de medida, quantos são trabalhadores, em que trabalharam e qual a relação de ter trabalhado na infância e o envolvimento com o ato infracional. Em que medida ser trabalhador precoce favorece, contribui para se envolver em ato infracional”, informou a professora.

Para a docente, é essa atividade escolar que vai dar ferramentas para o adolescente se desenvolver, integralmente, como ser humano, como cidadão e, na idade que estiver apto a trabalhar, terá um capital cultural para isso. “Então se trata de uma perspectiva de Direitos Humanos”, afirmou.

“O que nós identificamos nas nossas pesquisas é que o trabalho infantil viola os Direitos Humanos porque não garante o acesso, a permanência da criança na escola. Ele tem conseqüências no desenvolvimento psicossocial dessa criança, desse adolescente que trabalha precocimente. A depender de cada atividade de trabalho que ele vai fazer, essa atividade, às vezes, tem um dano biológico, dano físico para o seu desenvolvimento e tem o próprio dano cognitivo”, explicou.