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culpabilização da mulher

Juristas celebram decisão do STF

publicado: 28/05/2024 09h19, última modificação: 28/05/2024 09h19
Advogadas repercutem proibição a comentários sobre hábitos e comportamentos de vítimas de estupros
2024.05.24 Violência contra mulher © Carlos Rodrigo (28).JPG

Policiais, advogados e juízes não poderão julgar comportamento de vítimas de violência sexual | Fotos: Carlos Rodrigo - Foto:

por Lara Ribeiro*

Aguardada há muitos anos, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir que mulheres vítimas de violência sexual sejam culpabilizadas ou desqualificadas durante audiências judiciais tem sido bastante comemorada por diversos setores da sociedade desde a sua publicação, na última quinta-feira (23).

A advogada Airam Falcone analisa que a decisão, unânime, é necessária para a defesa das vítimas, que não serão mais expostas como se fossem responsáveis pelo abuso sofrido. “As mulheres não são culpadas pela violência praticada. Há anos presenciamos as tentativas cruéis de distorção da culpa quando os envolvidos, e até aqueles que deveriam defender a vítima, faziam crer que a culpa fosse dela”.

De acordo com ela, a determinação do STF também não permitirá mais o uso da tese de legítima defesa da honra pelo réu, acusado de crime sexual, para justificar a violência e pedir a absolvição. “Todos os entes envolvidos, sejam advogados, policiais, delegados, juízes, durante audiência, não poderão fazer questionamentos ou provocar dúvidas sobre o comportamento da mulher”, reforça.

Grave
Profissionais ouvidas pelo Jornal A União recordam que já presenciaram casos em que a vida sexual da vítima foi mencionada de forma inadequada no processo judicial

Igualdade de gênero

A professora de Direito e advogada Mariana Tavares também achou a posição do STF muito sensata. ”Vamos lembrar que os direitos são iguais, portanto, certas liberdades que sempre foram atribuídas aos homens, como a liberdade sexual, precisam ser niveladas. Neste caso, se tratando de situações de violência de gênero, não é justo que a vida íntima das mulheres seja questionada para desonrá-las. Isso não é feito com os homens”.

Para ela essa conquista não vai refletir só no presente e trará efeitos positivos para as futuras gerações não serem vitimadas pelo machismo como as gerações passadas foram.

Representatividade

A advogada Francisca Leite pontua que a relatora do processo foi a ministra Cármen Lúcia. Ela avalia que isso demonstra como é importante ter mais mulheres em todos os tribunais do país.

“A decisão do STF foi inédita e justa. Favorece a imagem da mulher, preserva a sua vida privada, a sua intimidade, a sua honra. Desqualificar a mulher vítima de violência é violentar duplamente a vítima, é naturalizar a violência”, diz.

Discriminação

A presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraíba (OAB-PB), Ezilda Melo, comenta que, quando se tenta culpar a vítima pelo crime, e não o agressor, reforçam-se o preconceito e a discriminação contra as mulheres no país. “Passa a impressão de que crimes sexuais seriam toleráveis quando o comportamento da mulher for diferente do que é socialmente esperado”, critica.

Inconstitucionalidade

A subcoordenadora das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) de João Pessoa e Região Metropolitana, Paula Monalisa, explica que, com o entendimento do STF, questionar a vida sexual ou o modo de vida da vítima na apuração e no julgamento dos crimes de violência contra mulheres passa a ser inconstitucional.

“Essa decisão é de extrema importância para as mulheres. Ela trata de casos não somente de violências de natureza sexual, mas qualquer tipo de violência. Inclusive o magistrado que é responsável pelo procedimento, se não impedir essa prática durante a investigação, poderá ser responsabilizado tanto administrativa quanto penalmente”, explica a delegada.

Histórico de violências

Agora a gente pode se vestir da maneira que quisermos. Podemos sair na rua mais aliviadas
- Verônica Albuquerque

As cinco profissionais afirmaram ao Jornal A União que já presenciaram casos onde a vida sexual da vítima foi usada de forma inadequada no processo judicial. Perguntas como “você estava usando roupa curta?”, “por que estava na rua naquela hora da noite?” e “estava dançando de forma sensual?” foram proferidas para mulheres em casos judiciais em que elas eram as vítimas.

“A mulher foi muito exposta e humilhada através de argumentos completamente desnecessários, eu diria, maliciosos mesmos. Para tentar traçar um perfil de pessoa promíscua e, portanto, desprovida de confiabilidade. Como se ela estivesse acusando um homem que tinha recursos, de ser pai da sua filha para tirar alguma vantagem”, relembra Mariana Tavares, sobre um caso em que uma mãe pedia reconhecimento da paternidade da filha.

“A cada audiência em que a situação era debatida, essa mulher passava por uma enxurrada de humilhações e exposições por parte dos advogados do cidadão que estava na outra vertente do processo”, completa a advogada.

Medida leva sensação de segurança às mulheres

O assunto também repercute nas ruas de João Pessoa, entre mulheres “comuns”.

“É mais do que justo. Não tinha lógica uma pessoa passar por uma situação dessa e ainda ser discriminada pela maneira de falar, vestir e se comportar. Foi um direito muito grande que a gente ganhou”, comenta a técnica de saúde bucal Rosa Félix.

Não tinha lógica uma pessoa ser discriminada pela maneira de falar, vestir e se comunicar
- Rosa Félix

Ela declara, ainda, que deseja a implementação de outras leis como essa, que possam garantir os direitos das mulheres. “Nós mulheres só queremos liberdade para expressar nossas opiniões e nossas atitudes independente do que vestimos e de onde estamos. O que vale é a nossa opinião e o que a gente pensa”, defende.

Para a promotora de vendas Verônica Albuquerque, a decisão do STF foi um alívio para as mulheres. “Agora a gente pode se vestir da maneira que quisermos. Podemos sair na rua mais aliviadas por não sermos mais tão criticadas pela maneira que nos vestimos”.

A diarista Ana Cristina Pereira também elogiou a determinação judicial. “Se acontecer um crime contra a mulher, não importa a roupa que ela estava usando, não importa como era a vida sexual dela antes. Independente disso, o homem vai ser julgado pelo crime dele”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de maio de 2024.