Lucas Campos
Especial para a União
Marquises costumam passar despercebidas pelo olhar desatento dos pedestres e comerciantes do centro de João Pessoa. Contudo, se pararmos para observar a situação dessas fachadas dos prédios da cidade, prestando atenção a esses toldos usados para criar sombra e evitar a chuva, iremos perceber uma situação precária. Sujeira, rebocos mal feitos, rachaduras, partes completamente destruídas, barras de ferro expostas e plantas crescendo pela estrutura são apenas alguns exemplos do que encontramos.
O estado dessas marquises, inclusive, causa preocupação e indignação aos mais atentos. De acordo com o servidor público Roberto Pereiro, a situação dos prédios é absurda e a prefeitura deveria fiscalizar os patrimônios com mais afinco. “É por causa do descaso dos órgãos públicos que acontecem tragédias como a que a gente viu agora em São Paulo”, afirma.
Os comerciantes, que usam as marquises para se abrigar do sol e trabalhar, também compartilham desse pensamento, porém muitos se recusaram a falar sobre o tema com medo de serem expulsos pelos proprietários dos imóveis. Antônio José da Silva foi um dos poucos comerciantes que decidiu se manifestar. “Eu prefiro trabalhar sem nada me cobrindo do que ficar embaixo desses prédios velhos, é muito arriscado, imagina se cai em cima da gente?”, explica sobre a precaução que tomou. Para ele, as marquises já estão desmanteladas e precisam de reformas.
Dona Maria da Costa (nome fictício), comerciante há pelo menos 15 anos, diz que trabalha embaixo de uma marquise para proteger ela e seus produtos do sol. Como instala sua barraca de frutas no centro por volta das 7h e só saí às 18h, ela não pode deixar as mercadorias expostas, do contrário estragam muito depressa. Além disso, ela sabe que ficar todos os dias e ao longo de todo o dia exposta ao sol, faz mal para a saúde. “Então a gente fica embaixo dessas coberturas porque é o jeito, mas a gente vê que é um risco”, lamenta, comentando que a marquise onde costuma se abrigar possui diversos buracos e tem pedaços de ferro à mostra.
De acordo com Alberto Sabino, engenheiro adjunto da Defesa Municipal de João Pessoa, todos os anos alguns órgãos se reúnem para realizar uma verificação das marquises com foco no Centro Histórico da cidade. “Em muitos imóveis abandonados, eles apresentam uma certa condição de vulnerabilidade estrutural e fazemos um relatório conjunto com a Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Iphaep e Iphan onde identificamos imóveis que apresentam essa estrutura bastante crítica”, relata.
Ao ser questionado sobre o risco que esse diagnóstico oferece, ele é pontual: por conta do tempo de abandono, alguns prédios têm mais de 30 anos sem qualquer tipo de reforma, de forma que os elementos estruturais que compõem esses prédios – como as marquises – acabam entrando em colapso. Assim, não seria realmente surpreendente se esses prédios se desfizessem, por conta de um descaso de seus proprietários.
Quanto às ações possíveis, Alberto explica que são os órgãos como Iphan e Iphaep que têm a prerrogativa para cuidar das estruturas e manter contato com os proprietários dos prédios antigos para que haja possíveis restaurações. “Na condição de Defesa Civil, foram apontados os riscos eminentes de cada construção para que Iphan e Iphaep buscassem a recuperação, qual aconteceu já em alguns imóveis”, explica. Sabino também diz que a Defesa Civil se posiciona a favor do cidadão em caso de construções em que haja risco de desabamento, agindo em caso de denúncias.
Socorro
Segundo a Diretoria de Atividades Técnicas (DAT) do Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba (CBMPB), a questão das marquises e qualquer outro tópico que envolva estrutura de prédios não diz respeito ao Corpo de Bombeiros. Ainda de acordo com o DAT, a única função que o órgão exerce nesse aspecto é avaliação de segurança contra incêndios. Por outro lado, em casos de urgências ou percepção de risco de desabamento, o Corpo de Bombeiros pode prestar auxílio e também contatar os órgãos responsáveis, como a Defesa Civil do Estado e a Defesa Municipal. Para isto, é preciso ligar 193
Washington Sobrinho é arquiteto e urbanista, membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Paraíba (CAU/PB) e coordenador da comissão de Ética e disciplina do órgão. De acordo com ele, o abandono e a falta de manutenção nos prédios do centro de João Pessoa vêm provocando problemas recorrentes de infiltrações d’água, causando comprometimento nas fundações, na estrutura das paredes e nas coberturas. Em alguns casos, pode até mesmo haver desmoronamento.
Essa situação se reflete diretamente nas marquises. Washington explica que as quedas de marquises podem ocorrer por vários motivos, como erro de projetos, erro de construção, materiais inadequados, uso indevido ou mesmo falta de manutenção. “Pelo observado, as mesmas não se encontram em um bom estado de conservação, porém, pela mera condição visual, ainda não estão em processo de desabamento”, esclarece. Ele ainda acrescenta que para haver uma opinião técnica bem fundamentada, é preciso um estudo em profundidade e com equipamentos específicos de monitoramento e leitura.
O arquiteto pontua que a parte mais comprometida das marquises costuma ser a parte de baixo, onde não há solicitação de esforço tão grande e onde ocorre o fenômeno da oxidação das ferragens. “O concreto é um material duro não resiste a esforços de tração, ou seja, qualquer força que o leve a flexionar, ele se rompe, para melhorar esse ponto foi introduzido o aço, ao qual comumente chamamos de ferro, e ou ferragem”. Ele explica que é isto que está acontecendo com as marquises: o desplacamento do concreto pela oxidação, aumento a seção das ferragens.Outro tipo de problema recorrente é a falta de impermeabilização das marquises, de forma que a superfície poderá favorecer a penetração de água na estrutura do concreto.
Ele explica que esses problemas podem ser resolvidos com técnicas de recuperação estruturais, mas que é preciso o estudo por um profissional qualificado, como um arquiteto ou um engenheiro civil, para determinar o quão comprometida está a peça de concreto. Caso isso não aconteça em tempo hábil, o desmoronamento acontecerá eventualmente.
Outro tipo de marquise comum é a de ação. “Não que seja melhor ou pior que a de concreto armado, mas pelo fato do aço estar exposto às intempéries, é mais comum o avanço da oxidação”, elucida. Ele acrescenta que João Pessoa possui umidade em torno de 86% e a proximidade com o mar cria um ambiente propício para oxidação e deterioração do aço. Dessa forma, é preciso haver manutenções periódicas, porque já houveram casos destas marquises desabarem na cidade. Ainda segundo o arquiteto, em meados de 2015, a Defesa Civil e outros órgãos fizeram um levantamento minucioso, encontrando cerca de 80 prédios em péssimo estado de conservação em abandono. Hoje, já é possível constatar que alguns desses prédios já foram reformados, mas não é possível dizer quantos.
Ação
Washington Sobrinho conta que, recentemente, atendendo a uma solicitação do Ministério Público, o CAU/PB participou de uma reunião, onde várias entidades foram convocadas para falar sobre a situação de prédios abandonados e sem manutenção. “Na proposta defendeu-se: projeto, manutenção e recuperação de toda a edificação, guardando suas características, e é evidente que as marquises como componente da edificação seriam contempladas”, conclui, explicando o posicionamento do CAU/PB na reunião.
O que fazer quando uma marquise cai e machuca alguém?
O promotor do Patrimônio Histórico, Cultural, Artístico, Estético, Paisagístico, Turístico e Urbanístico de João Pessoa explica que, no caso de uma marquise cair em cima de alguma pessoa, é preciso avaliar a questão com cuidado. Nos casos em que a marquise advém de um patrimônio histórico, a marquise é de responsabilidade do proprietário do imóvel - seja o proprietário uma pessoa ou órgão público municipal ou estadual -, de forma que a manutenção é também responsabilidade deste alguém.
“Naturalmente, se o prédio público ou particular vier causar algum problema ao cidadão, vai gerar para ele um ressarcimento por danos dentro do que for ocorrido”, explica. Ele pontua, entretanto, cabe aos órgão competentes - o Iphan, Iphaep ou COPAC - fazer a cobrança da recuperação destes imóveis. “No caso de identificação de um imóvel que esteja com os problemas e que não tenha ação de nenhum dos três, aí de acordo com a competência de qual seja essa área, aí o Ministério Público pode cobrar”, esclarece o promotor.
Com relação aos bens que não têm a proteção de patrimônio histórico, se ferir a ordem codificada de urbanismo, também pode ser denunciado por quem for prejudicado, dependendo do nível dos danos e das responsabilidades.