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Excesso de exposição solar mesmo com proteção pode induzir ao câncer de pele

Mutilados por câncer de pele voltam a sorrir com próteses faciais ofertadas pela UFPB

publicado: 11/03/2019 10h08, última modificação: 11/03/2019 10h08
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- Foto: Foto: Evandro Pereira

por Mércia Dantas


Por estética ou por necessidade (baixa de vitamina D e trabalho), a exposição contínua ao sol é desaconselhada por especialistas em dermatologia. Os horários críticos a serem evitados são entre 10h e 16h, porém, mesmo antes ou após esse horário, o sol emite raios ultravioletas, logo, diante de qualquer exposição solar, convém moderação e cuidados em evitar o excesso, pois a radiação absorvida de forma acumulada ao longo da vida pode gerar danos ao DNA da pele e induzir o câncer de pele no futuro.

A necessidade laboral falou mais alto na vida da agricultora Maria do Socorro Alves de Freitas, da zona rural do município de Joca Claudino. Sua atividade, faz parte dos grupos vulneráveis para desenvolver um câncer de pele, e não teve escapatória da doença, pois precisava, junto com o esposo, prover o alimento da família de quatro filhos, onde cultivava um roçado com culturas de subsistência como milho, feijão, entre outros.

Segundo a agricultora, ela trabalhava diariamente 5 horas por dia, no turno da manhã, e relevava o uso de protetores e utensílios que pudessem resguardar do sol, pelo desconhecimento. Até mesmo as crianças não escaparam da jornada de ajudar os pais na pequena propriedade, e a companhia delas reforçava a garantia da parca opção de alimentos à mesa, mas era suficiente para a sobrevivência da família.

Socorro atribui o seu problema de saúde a uma predisposição genética para o câncer e acha que o seu caso está relacionado com a mãe, que foi a óbito por conta da doença noutra região do corpo. Sintomas insistentes como uma coceira nos olhos acendeu um alerta para procurar um médico, e ao passar por um profissional na cidade vizinha há 17 anos, descobriu a presença de tumores e feridas ao redor dos olhos.

De prontidão, a paciente foi encaminhada para o serviço especializado em João Pessoa, onde fez sessões de radioterapia, e pensava ter ficado curada. Como a incidência da doença é alta, ficou reaparecendo em toda a região da face. A agricultora, hoje aposentada, é otimista e persistente no tratamento. O problema de saúde que já lhe rendeu, além das inúmeras consultas, dezenas de sessões de quimioterapia e está prestes a fazer a sua 11ª cirurgia na face.

"Aqui no Laureano, o atendimento tem sido maravilhoso. Não tenho do que reclamar. Mas é muito difícil passar pelo incômodo do reaparecimento da doença. Fico triste de não ter minha saúde completa. Daqui eu sei que vou sair curada. Tenho muita fé, primeiramente em Deus e segundo nos médicos daqui. Tenho esperança. Esses anos todos e estou aqui viva, né?", desabafou Maria do Socorro Alves.

Recuperação de autoestima

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O serviço funciona na Escola Técnica de Saúde da UFPB, junto com a unidade de odontologia do HU. Na escola são produzidas as próteses nasal para o nariz; auricular para a orelha; ocular para a parte branca e a íris do globo ocular; óculo palpebral para a região ao redor dos olhos, e ainda, as próteses intraorais para a cavidade bucal. A demanda dos portadores de câncer de pele no serviço são as próteses óculo palpebrais, seguida da prótese na região nasal e por último, a de orelha.

Para a coordenadora do Serviço de Reabilitação Buco Maxilo Facial da UFPB, professora e doutora Cacilda Chaves Morais,  a iniciativa surgiu por meio de um chamado do Governo Federal aos hospitais universitários que deveriam apresentar projetos de reestruturação dos seus serviços, onde na ocasião  foram apresentados um de média e alta complexidade de reabilitação buco maxilo facial de portadores de deformidades congênitas e fissuras, além das mutilações advindas da violência urbana, acidentes de trânsito, mordedura de animais, entre outros.

"Naquele projeto, nosso objetivo era oferecer à população da Paraíba a reabilitação de pacientes pela rede SUS, daí, reestruturamos o projeto e implantamos o serviço no setor de odontologia, pois segundo o conselho federal da categoria, a responsabilidade é do dentista especialista em prótese buco maxilo facial, pois faz aquilo que o cirurgião plástico não faz", adiantou Cacilda Chaves.

Ela exemplificou que, se um paciente tem uma mutilação decorrente de uma lesão oncológica no nariz, a cirurgia plástica pode repor o tecido até certa dimensão, mas quando a lesão tem um tamanho grande, somente a prótese nasal vai repor anatomicamente a parte perdida, resgatando a auto estima, auto imagem e qualidade de vida do beneficiado.

Para chegar à excelência na qualidade que ora o serviço presta aos paraibanos, foi essencial apostar na capacitação da mão de obra profissional dentro e fora do país, além do financiamento de projetos de pesquisas que resultaram na compra dos insumos, dentre eles, o silicone medicinal que se assemelha a textura da pele humana e recebe ainda pigmentação, caracterizado em conformidade com a cor da cútis. "Nós tínhamos a infra estrutura da Escola Técnica de Saúde, mas faltava o material para o serviço funcionar", lembrou Cacilda Chaves.

O Serviço de Reabilitação Buco Maxilo Facial funciona nas dependências da Escola Técnica de Saúde, vizinha ao Centro de Ciências da Saúde, no campus I da UFPB em João Pessoa. Lá, os especialistas na área, Dra Cacilda Chaves, Dr Geraldo Holanda e Dra Renata Navarro, dão o exemplo de amor e dedicação à profissão e ao próximo, ao investirem do próprio bolso, em alguns momentos, para ver os beneficiados com um sorriso no rosto novamente.

           

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O serviço

Qualquer demanda começa pelo encaminhamento do Hospital Napoleão Laureano ou secretarias municipais de forma espontânea, onde o próprio interessado também pode procurar o serviço. Para isso, é necessário apresentar documentos como a carteira de identidade, Cartão SUS e encaminhamento por escrito, ao ambulatório de odontologia no térreo do HU de João Pessoa, nas sextas-feiras, das 12h às 17h para agendamento.

"No primeiro dia, já temos o propósito de atender o paciente. Lá é preenchida uma ficha e com base nos relatos é feito uma anamnese, onde observamos o seu estado psicoemocional, nutricional, entre outros. A partir do diagnóstico, fazemos o encaminhamento ao psicológico, nutricionista, fisioterapeuta. Se a lesão atingida não apresentar infecção, já fazemos a primeira moldagem da prótese, e a entrega acontece em até um mês", disse. Ela adiantou que o procedimento é protético e não precisa fazer é cirurgia. Tudo é feito no HU de João Pessoa.

Cacilda Chaves asseverou que já existe um projeto de extensão da universidade com o objetivo de levar o aluno para a comunidade, seja no posto de saúde ou ambulatório, onde são desenvolvidas ações educativas, com a reeducação alimentar (paciente oncológico), cuidados com a lesão, orientações para evitar a infecção da lesão e cuidados de higiene pessoal, e ainda, cuidados para a higiene da prótese para evitar bactérias, fungos e intemperismo (desgastes provocados pelo sol, vento, e calor).

"O paciente volta a rotina, mas é preciso evitar a exposição excessiva ao sol e vento, para evitar degradação como a perda da cor e pigmentação, pois a prótese de silicone tem um custo alto. No serviço particular, a prótese nasal chega a custar R$ 6 mil e a ocular tem um custo de R$ 5 mil. A prótese não dura para sempre, e a cada seis meses, o beneficiário precisa passar por uma avaliação da lesão, e havendo necessidade, reparos na peça. Com dois anos, o material começa a mudar de cor e aí o serviço assegura a troca da prótese", informou Cacilda Chaves.

O serviço passa por dificuldades financeiras, pois o principal recurso vem de parte dos projetos de pesquisa e a outra parte vem do recurso da escola para o curso da prótese por meio do Ministério da Educação. "Desde 2010, lutamos exaustivamente para sensibilizar os gestores, pois ainda não temos uma verba específica para o serviço, pelo Ministério da Saúde".

Segundo Cacilda, a demanda é mais alta do que os investimentos, mas com muito sacrifício, a escola tem conseguido atender. "O Ministério da Saúde tem um código para redirecionar os recursos ao serviço de reabilitação protética, mas está sendo muito difícil de conseguir a contratualização do serviço com o município. A burocracia é muito grande", asseverou.

A dentista adiantou que para haver contratualização e passar a receber aporte financeiro pelo SUS, o serviço precisa se tornar rotina e ter uma série histórica de atendimentos, e isso já acontece com o serviço na UFPB, pois em média, 10 pessoas são atendidas por mês. "Já tentamos em 2015 o reconhecimento da regulação para que a verba seja viabilizada, e precisamos muita dela para que o serviço não morra", lamentou.

Mas, segundo Cacilda, uma luz no fim do túnel começou a aparecer em 2018, onde reuniões foram realizadas com a gestão do HU, que está à frente da regulação da unidade de saúde bucal. Uma solução para o caso foi encaminhada. Informações de atendimento, entre outras, seguiram para a regulação do serviço pelo município. "Nós esperamos que isso aconteça ainda esse ano para que tenhamos uma verba  certa para a gente continuar trabalhando", disse Cacilda Chaves.

"Embora a tabela SUS seja baixa, nós quando passamos num concurso, assumimos o compromisso de servir ao outro. No ano passado, nós quatro profissionais tivemos que pagar do bolso, as calotas e o pigmento para a fazer a pintura da íris da prótese ocular, pois o dinheiro do projeto acabou, e daí entra a missão de servir o outro, e nós não vamos deixar de atender o próximo, pois temos um propósito maior na nossa vida de servir o outro. Faz parte dos nossos projetos como professor. Agora tem sido muito difícil seguir em frente", desabafou a chefe do Serviço de Reabilitação Buco Maxilo Facial da UFPB.

Outro caminho apontado para os casos mais complexos seriam as doações de material e disponibilidade de profissionais habilitados, pois existe uma demanda reprimida de 10 pacientes com câncer de pele que precisam de próteses mais complexas e uma capacitação maior de profissionais, pois o serviço não tem como atender, por envolver estruturas muito profundas da face e de cabeça.

Para Cacilda, o público alvo do serviço é composto por pessoas mais expostas, como os pedreiros e outros profissionais da construção civil, agricultores e pescadores que são os grupos mais vulneráveis com maior percentual de atendimento.

"Tem casos na perda do nariz, que o mutilado perde o olfato e o paladar, perde a autoestima, vontade de comer, a sua estética agride quem não o conhece, há o isolamento da família e da sociedade, e isso faz com que não produza. Por isso ele se esconde. É uma população silenciosa, reprimida e isolada. Após a reabilitação, eles voltam a se sentir felizes", disse Cacilda.

O Serviço de Reabilitação Buco Maxilo Facial da UFPB desenvolve um trabalho primoroso e isso já rendeu premiações nacionais e internacionais. Em sua infraestrutura conta com a mão de obra de quatro profissionais que auxiliam quatro projetos de extensão desenvolvidos por dez alunos bolsistas.

Estatísticas

O assunto sobre câncer de pele tem uma boa e má notícia. A boa notícia é que a doença, dos tipos de cânceres, é a de mais baixa mortalidade, e a péssima é de que é o tipo da doença mais incidente no Brasil, com 176 mil novos casos ao ano, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia. Nesse cenário, a Paraíba terá no biênio 2018/2019, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), 60 novos casos de câncer de pele, sendo 30 nos homens e 30 acometerá as mulheres.

De acordo com o Inca, 30% de todos os tumores malignos do Brasil correspondem ao câncer da pele. Para o biênio 2018/2019, a estimativa é de 165.580 novos casos de câncer da pele não melanoma no país. Um dado novo desse período é que, em relação à última estimativa do Inca (2016/2017), a doença acometerá mais homens (85.170 mil) do que mulheres (80.410 mil). Outra notícia é sobre a estimativa de novas ocorrências de câncer da pele não melanoma ter diminuído em 10 mil casos de um biênio para o outro.

Os dados mais recentes de mortalidade por câncer de pele do Sistema de Mortalidades (SIM)/Datasus, do Ministério da Saúde, são de 2016. Segundo as estatísticas, foram a óbito pela tipo melanoma, 1.773 pessoas, sendo 1.036 homens e 737 mulheres. A região brasileira com mais mortes  foi a região Sudeste com 779 pessoas, sendo 454 homens  e 325 mulheres. 

Por câncer de pele não melanoma, em 2016, 2.112 brasileiros faleceram por conta de um câncer de pele não melanoma, sendo 1.220 homens e 892 mulheres. A região Sudeste também liderou o número de óbitos pela doença com 789 pessoas, sendo 468 homens e 321 mulheres.