Equipamento será instalado no Sertão da Paraíba e ajudará a obter subsídios sobre matéria e energia escura
As obras para a construção do radiotelescópio Bingo, em Aguiar, no Sertão da Paraíba, deverão iniciar até final de agosto, de acordo com o coordenador do Projeto no Brasil, Élcio Abdalla, professor da Universidade de São Paulo (USP). O Bingo (Observações de Gás Neutro das Oscilações Acústicas Bariônicas) será capaz de identificar sinais no universo que deem subsídios e informações acerca da matéria e energia escura, pouco – ou nada – conhecida pelos cientistas, até então.
A primeira necessidade é a abertura da estrada até o terreno onde estará o radiotelescópio, por onde passarão veículos grandes que transportarão os equipamentos. Abdalla ressalta que o início depende da aprovação do projeto final pela Finep e do Governo do Estado da Paraíba, o que está articulado.
“Depois de limpo e aplainado o terreno, será construída uma estrutura metálica que, olhando de longe, lembrará o desenho de uma colmeia. São tubos de metal em formato hexagonal que formarão uma grande torre. De um lado, terá o tamanho de um prédio de cerca de sete andares, onde serão apoiados os receptores. Do outro, onde estará o refletor, a altura chegará a quase 60 metros, o tamanho de um prédio de 20 andares, mais ou menos”, revela o professor Abdalla. A torre metálica estará fixada numa base de concreto. Essa fase do empreendimento deverá estar em andamento em dezembro deste ano.
Encontro internacional
As equipes de pesquisadores responsáveis pelo Projeto Bingo (Observações de Gás Neutro das Oscilações Acústicas Bariônicas) e especialistas de diversos países estiveram na Paraíba para o Encontro Internacional do Projeto Bingo, na Universidade Federal de Campina Grande. O objetivo foi avaliar a situação atual e o andamento dos trabalhos.
O evento, coordenado por Rodrigo Leonardi, representante da Agência Espacial Brasileira, iniciou na segunda-feira e foi encerrado na quinta-feira, e teve a participação de estudantes que trabalham no projeto. A banca de avaliadores foi constituída por Jeff Peterson – do Green Bank Observatory Telescope, em Virgínia, Estados Unidos; Jacques Lepine e Zulema Abraham, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo - Observatório Llama; e Steve Torchinsky, da Universidade de Paris, com participação online.
Segundo informações de Luciano Barosi, coordenador na Paraíba do Projeto Bingo, o evento foi organizado em duas etapas. A primeira, de gerenciamento de projeto, para a qual foram convidados avaliadores externos com experiência em astronomia e análise de dados em radiotelescópio. Concentrou-se na apresentação do que foi realizado até agora: o planejamento, a parte técnica, já em montagem, de recepção de sinais, os receptores, antenas, a corneta – peça construída no INPE, em São José dos Campos. As que serão usadas no Bingo (50 unidades), são grandes, com 2 metros de diâmetro e 5 metros de altura e pesam quase 300kg, além de peças montadas na Paraíba, os “backends”, que recebem o sinal analógico vindo das antenas e os digitaliza.
“Também foi feita uma visita técnica ao local, no município de Aguiar, Sertão da Paraíba, a 80 km de Cajazeiras, onde o observatório será construído. Foi verificada a geografia do terreno e a medição das ondas de radiofrequência que atravessam o local. O Bingo só funcionará bem se instalado em um lugar onde há poucas ondas de radiofrequência, um ambiente livre de sinais de TV, de celular, de internet, por exemplo”, explica Barosi.
O Governo do Estado, via Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia (SEECT), em convênio com o CNPq e a Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq), já liberou R$ 368.900,00 pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). O valor total do projeto está em torno de R$ 17 milhões e recebe ainda o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), do governo federal, através do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), do Reino Unido, da China e está em andamento negociação de projetos com países do BRICs, através do CNPq, em colaboração com a África, Índia e China.
O projeto tem uma colaboração tríplice no Brasil, formada pela USP, em São Paulo; o grupo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos; e a Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba.
Só na Paraíba, mais de 30 acadêmicos estão envolvidos. Somando-se aos pesquisadores da USP e do INPE, quase 60 pessoas estão envolvidas, além de colaboradores na Suíça, na África do Sul, na China e no Reino Unido. Elcio Abdalla (USP), Luciano Barosi (UFCG) e Alex Wuensche (INPE) coordenam o projeto no Brasil, juntamente com os pesquisadores internacionais.
Na segunda etapa do Encontro Internacional do Projeto Bingo, os coordenadores planejaram ações para endereçar questões que foram levantadas pelos avaliadores. “O resultado preliminar desse encontro foi muito positivo. O Bingo foi avaliado e a conclusão é que há maturidade suficiente para prosseguir com segurança. Mas conversamos a respeito de alguns pontos específicos e temos que definir as ações com celeridade”, salienta Luciano Barosi.
O relatório será entregue em trinta dias e irá consolidar oficialmente o que foi tratado no encontro. Conforme o professor paraibano Francisco de Assis de Brito, da Universidade Federal de Campina Grande, essas reuniões acontecerão ao longo do projeto e são necessárias em função da importância do trabalho. “Há muitos recursos em jogo, financiados por um consórcio internacional formado por instituições do Reino Unido, Suíça, França, África do Sul, Uruguai, China e do Brasil; esse encontro traz uma autenticação que garantirá a continuidade de envio dos recursos”.
Ciência transforma a estrutura social
Élcio Abdalla, professor da Universidade de São Paulo (USP), trabalha no projeto há sete anos, desde quando iniciou o contato com pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido. “Colocamos um projeto inicial para o Mercosul. Buscamos uma localização adequada para a construção do observatório; inicialmente, encontramos no Uruguai, mas as tratativas esbarraram em problemas burocráticos”, contou Abdalla.
O fato é que havia o esclarecimento de que, pelo histórico do projeto, ele poderia ser feito totalmente no Brasil. “Precisamos disso por questões financeiras, logísticas, científicas e humanos; e o melhor local, nesses termos, era na Paraíba, no município de Aguiar”, complementa o coordenador.
Um projeto científico, um “big science”, é algo que muda a estrutura social. Abdalla conta que o homem começou a olhar para o céu por uma curiosidade atávica e religiosa e acabou despertando para a medição do tempo como algo interessante, o que levou ao avanço científico. Nos últimos dois séculos, a estrutura social do mundo mudou em vista do desenvolvimento científico.
“O Projeto Bingo, especificamente, é a construção de algo sofisticado, em termos de eletrônica e engenharia, e requer um desenvolvimento tecnológico importante para o país. Traz uma transferência de tecnologia para a indústria nacional”, formula Abdalla, completando que “estamos fazendo ciência e, do ponto de vista educacional, estamos educando as crianças de Aguiar, os brasileiros para a ciência, o que, a longo prazo, vai reverter em prol da cultura nacional como conhecimento para a população. O conhecimento científico mudou a face do planeta e vai mudar a face do Brasil”.
Nordeste será beneficiado com o projeto
Carlos Alexandre Wuensche, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), afirma que a competência no Brasil para a construção de equipamentos para a radioastronomia está, essencialmente, no INPE, com uma tradição de mais de 30 anos na construção e operação de radiotelescópios, receptores. Desde o início dos anos de 1980, o INPE constrói radiotelescópios para a medição de radiação cósmica de micro-ondas - o que evolui para o que o Bingo irá medir. “Com o Bingo, iremos executar uma ciência inovadora, e o principal ganho é a oportunidade de envolver toda essa região do Nordeste do Brasil na operação do Bingo”
Estudo dos jatos rápidos de rádio
A estrutura da matéria e energia escura é totalmente desconhecida, algo que não conseguimos enxergar. De acordo com Élcio Abdalla, sabese que a energia escura é algo que impulsiona o universo para fora, acelerando-o. “Se ela tiver uma estrutura interna, isso significa que, no espaço exterior, há algo a ser compreendido: significa que vamos compreender 95% do universo, o que desconhecemos”.
O Bingo também terá capacidade de aprofundar estudos em objetos vindos do espaço exterior que já foram observados, cuja estrutura é desconhecida. São os jatos rápidos de rádio que representam uma fonte energética incomensurável, essenciais para o desenvolvimento científico. Além de pulsares, estrutura da galáxia, que são muito importantes para o desenvolvimento da física. “São questões estudadas há muitos anos com resultados que, para dizer se estão corretos ou incorretos, só olhando para a experiência”, diz Abdalla.