Historicamente ocupada por povos originários como os Tabajaras, Potiguaras, Cariris e Tapúia-Tarairiús, a Paraíba possui, hoje, cerca de 30.140 pessoas que se autodeclaram indígenas, o que corresponde a 0,76% dos mais de 3,9 milhões de habitantes do estado - segundo dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O número reduzido em termos populacionais também se reflete na representação política indígena no estado. Nenhum dos parlamentares estaduais e federais, por exemplo, é indígena. E dos 223 municípios paraibanos, apenas quatro possuem representantes de povos originários em cargos eletivos. São eles: Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto - no Litoral Norte do estado - e Emas, no Sertão.
Contudo, a ainda tímida participação nos espaços institucionais de poder não significa falta de interesse ou de organização política por parte das comunidades e aldeias. Pelo contrário, apesar de poucos, os políticos indígenas paraibanos têm mostrado que não só entendem a política como instrumento de luta por direitos e transformação da vida de seus povos, como também a têm utilizado para ensinar aos não indígenas que é possível - e necessário - respeitar, conviver e aprender com diferentes culturas e modos de vida.
Prefeita
Criada, desde a infância, entre os potiguaras na cidade de Marcação - quando esta ainda era distrito de Rio Tinto - Eliselma Oliveira da Silva é, desde 2016, a única prefeita indígena do Brasil. Segundo ela, que foi eleita para um cargo eletivo pela primeira vez em 2012, quando foi vice-prefeita do município, é “uma honra e um desafio” estar a tantos anos à frente da gestão de uma cidade que, segundo o Censo de 2022, possui 88% da população formada por indígenas.
De acordo com o IBGE, dos 8.999 habitantes de Marcação, 7.926 são indígenas, o que confere à cidade o sexto lugar no ranking de municípios brasileiros com maior percentual de pessoas indígenas residentes no Brasil. A vizinha Baía da Traição aparece em sétimo, com 7.992 indígenas do total de 9.224 habitantes, o que corresponde a cerca de 86% da população local.
Lili Oliveira, como é conhecida no município, conta que o interesse pela política começou dentro de casa. Ela lembra que sua avó, Severina Correia, era dona de cartório e “sempre gostou desses movimentos”. Além disso, a mãe de Lili, Selma Maria de Oliveira Silva, foi eleita vice-prefeita de Marcação em 1996, na chapa com Gilberto Barreto.
Lili, por sua vez, foi eleita prefeita em 2016 e reeleita em 2020. Prestes a entregar o Executivo municipal, ela destaca que “o vínculo com as comunidades” e o “gosto pelo povo” sempre foi o que moveu sua carreira política.
“Eu sou enfermeira por profissão, trabalhava diretamente nas aldeias aqui, no assistencialismo do PSF [Programa Saúde da Família] no município, tinha vínculo diretamente com a comunidade no atendimento, na humanização, e partiu daí a minha relação com o povo. Naquele momento, eu não trabalhava com esse intuito, mas porque queria estar perto do povo e porque gosto do que faço. Então a vida articulou essa oportunidade e, naquele momento, eu vi uma forma mais ampla de poder chegar junto do cidadão e de poder ajudar de uma forma melhor. Isso aconteceu, deu certo e estamos aqui até hoje desempenhando o nosso trabalho”, explica a prefeita.
Sobre os principais desafios à frente da Prefeitura de Marcação, ela ressalta justamente a habilidade para lidar com a diversidade e as especificidades dos povos da região.
“Um dos maiores desafios que eu encontrei foi o fato da gente ter aqui 15 aldeias, cada uma com as suas lideranças, com seus caciques, e cada cacique com seus pensamentos e o olhar voltado para a sua aldeia e seu povo. E a gente teve que trabalhar de forma articulada e harmoniosa, chamando eles para conversas quando queríamos implantar políticas públicas de desenvolvimento em cada aldeia. Fazer essas tratativas de forma cautelosa e com êxito é um desafio. Mas, graças a Deus, eu não tenho do que reclamar. Eu tive muito respeito e fui muito abraçada. Na verdade eu só tenho que agradecer”, avaliou.
Preservar cultura e apresentar projetos
Vereador de Baía da Traição, José Ronaldo Chaves - o Ronaldo do Mel - é apicultor e morador da Aldeia São Miguel. Nascido e criado entre os potiguaras, ingressou na carreira política após as experiências como fundador e presidente da associação de apicultores Paraíba Mel e como articulador do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) na região.“Eu assumi a presidência da associação em 2011 e a gente começou a correr atrás de projetos e apoios, porque percebemos que a entidade organizada é muito forte e nós queríamos usar essa força em benefício da comunidade. Conseguimos trazer muitas coisas, nos capacitamos, viajamos para encontros em muitos estados do Brasil e pudemos adquirir muito conhecimento. Logo em seguida, fizemos um projeto de habitação através do qual construímos 93 casas na nossa aldeia. E aí começou a história de que eu daria um bom representante, um vereador que a comunidade aprovava”, relembra.
Ronaldo considera “importantíssimo” que os indígenas ocupem cada vez mais os espaços de poder, porque, segundo ele, “é um olhar diferenciado que se tem”. “Quem é de fora não tem esse olhar”, comenta.
“O indígena é protetor das matas. É uma cultura diferente mesmo, um povo diferente, com estilos de vida diferentes que, às vezes, o branco não entende e acha que tem que ser do jeito dele. Mas não é assim que funciona. É claro que a gente precisa se atualizar, estudar e se preparar. Mas não podemos ser obrigados a perder nossa cultura, nossos costumes, nossas línguas e características. Não pode ser assim, de uma coisa ser imposta e a gente ter que cumprir com aquilo ali”, pontua o vereador.
Ainda em relação à defesa da cultura e o modo de vida dos povos indígenas, Ronaldo destaca a luta pelo direito à terra e ao meio ambiente como a principal pauta dos potiguaras. Uma “bandeira pesada”, ele diz, “porque vai contra a vontade de poderosos”.
O vereador ainda complementa: “a gente sabe dos benefícios que tem a mata de pé para a nossa aldeia. Mas os benefícios também são para todas as pessoas e todo planeta”.
Questionado se, de fato, confia na política institucional como forma de melhorar a vida dos povos indígenas, o parlamentar é sucinto. “A gente depende da política. Não existe nada que não passe pela política”
“Se plantar boas sementes, colherá bons frutos. Eu acho que isso é um resumo de tudo. Não basta ser só indígena, é preciso se capacitar como ser humano, honrar sua cultura, amar seu povo, sua crença, seu estilo de vida. É isso que eu aprendi e vejo nos meus 43 anos de vida. E é isso que deixo para as próximas gerações”, concluiu o vereador.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de abril de 2024.