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trabalho análogo à escravidão

Resgates já superam total de 2024

publicado: 14/04/2025 09h34, última modificação: 14/04/2025 09h34
Número de trabalhadores encontrados em condições degradantes, no estado, cresceu 34% no primeiro trimestre
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Todas as 71 pessoas resgatadas neste ano atuavam em pedreiras ou obras da construção civil, em cidades como João Pessoa e Cabedelo | Foto: Divulgação/Ministério do Trabalho e Emprego

por Sara Gomes*

O número de paraibanos resgatados em condições de trabalho análogas à escravidão, no primeiro trimestre deste ano, ultrapassa em 34% o quantitativo de todo o ano passado. Em 2024, 53 trabalhadores foram encontrados, nesse tipo de situação, no estado — 23 em João Pessoa, 17 em Taperoá e 13 em Itapororoca —, enquanto, de janeiro a março de 2025, as autoridades resgataram 71 pessoas. Desse último recorte, 59 vítimas exerciam atividades laborais degradantes, em João Pessoa e Cabedelo, na área da construção civil. Os dados foram divulgados pelo Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, em parceria com o Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB).

Uma das mudanças no quadro geral desses trabalhadores diz respeito aos locais onde foram encontrados. Levantamentos anteriores mostravam que a maioria das vítimas paraibanas era resgatada em outros estados do país. No entanto, nos últimos três anos, tem crescido o número de resgates dentro da Paraíba. Já o perfil da maioria dessas pessoas, segundo o Observatório, é de jovens adultos, de 18 a 24 anos e de baixa renda, sendo 30% deles analfabetos e 56% pardos ou pretos.

Outro dado expressivo é que todos eles trabalhavam na construção civil ou em pedreiras, como aponta Marcela Asfóra, procuradora do Trabalho do MPT-PB: “Entre 2023 e o primeiro trimestre deste ano, foram resgatados 190 trabalhadores, na Paraíba, em situação de exploração de trabalho análogo a escravo. Desse total, 102 se encontravam no setor de pedreiras e 88 na construção civil”.

De fato, segundo a lista semestral do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), atualizada na última quarta-feira (9), com a relação de empregadores que, comprovadamente, submeteram pessoas a circunstâncias do tipo, em todo o Brasil, chama atenção que, dos 13 nomes identificados no estado, oito estão diretamente vinculados a pedreiras — sendo sete em Campina Grande e uma em Taperoá.

A construção civil, setor em que ocorreram mais resgates no país, em 2024, também tem sido foco de atenção. Diante da alta dos casos neste início de ano, o MPT-PB vem desenvolvendo ações de enfrentamento do trabalho escravo, convocando construtoras, profissionais do segmento e instituições que atuam na rede de proteção ao trabalhador, para a elaboração de estratégias que reduzam as estatísticas negativas. “Estamos realizando audiências coletivas, para informá-los do que caracteriza o trabalho escravo contemporâneo, quais as obrigações dessas construtoras e exigir condições de trabalho dignas”, revela Asfóra.

Para o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Montagem e do Mobiliário (Sintricom), Edmilson da Silva, o aumento do número de trabalhadores encontrados em situação degradante relaciona-se com o crescimento da construção civil na Paraíba — especialmente nos grandes centros, que têm atraído cada vez mais mão de obra oriunda do interior, além de empresas de outros estados. “Em quase todo bairro de João Pessoa, é possível ver prédios e casas sendo construídas. Mas isso dificulta a fiscalização de canteiros de obras e, consequentemente, favorece a precariedade das condições de trabalho”, ressalta.

Em inspeções a alguns desses locais, o Sintricom identificou, por exemplo, alojamentos que não atendiam às necessidades básicas de habitação. “Já cheguei em obra que não tinha banheiro para o trabalhador, sem falar nas condições mínimas de segurança”, conta Edmilson, que avalia haver um retrocesso na oferta das empresas do setor, principalmente na questão da alimentação. “É inadmissível não oferecer uma alimentação adequada ao trabalhador, tendo em vista sua jornada árdua”, argumenta. Por outro lado, o representante do Sintricom crê que, com sua intervenção, os órgãos trabalhistas consigam exigir melhorias por parte das construtoras.

Ações preventivas da Justiça ajudam a enfrentar o problema

Parte das ações de enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo na Paraíba corresponde a medidas de repressão, como a identificação e o combate a práticas de trabalho escravo, por parte de autoridades e órgãos fiscalizadores, a partir de denúncias e investigações. Mas há, ainda, estratégias de prevenção. Segundo Marcela Asfóra, a melhor forma de prevenir o problema é conscientizar os trabalhadores sobre o que se configura como uma oportunidade suspeita. “Geralmente, são propostas que parecem muito vantajosas, a exemplo do pagamento de todas as despesas e salários altos; elas podem ocultar condições de exploração”, alerta.

George Falcão, juiz do Tribunal Regional do Trabalho na Paraíba (TRT-PB) — órgão competente para julgar casos desse tipo —, concorda com a importância das políticas de conscientização. “Quando essas situações chegam ao TRT, a exploração extrema já ocorreu”, pontua o magistrado, que também atua como cogestor do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante, coordenado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O principal objetivo da iniciativa — executada, de forma descentralizada, nos 24 Tribunais Regionais do Brasil — é prevenir a escravização e a exploração da mão de obra no país. Os eventos e ações realizados pelo programa buscam dialogar com empresários do setor patronal, a respeito da promoção de condições de trabalho dignas, e orientar os trabalhadores quanto aos seus direitos. “Além de se defender em situações de exploração, o trabalhador pode conscientizar colegas ou familiares que estejam vivenciando algo semelhante. Ou seja, o conhecimento os encoraja a denunciar”, frisa o magistrado.

Ainda conforme George, o problema da escravização contemporânea é tão complexo que exige, de fato, a união de esforços de instituições diversas, formando uma ampla rede de combate ao crime. “Essa luta não se resume à Justiça do Trabalho. É preciso agregar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como também o sistema judicial, que envolve o Ministério Público do Trabalho”, observa.

Fiscalização e conscientização buscam ampliar rede de combate

Alojamentos precários refletem a situação de exploração à qual as vítimas estavam submetidas | Foto: Divulgação/Ministério do Trabalho e Emprego

De sua parte, o MPT-PB tem desenvolvido uma série de projetos para minimizar as estatísticas do trabalho em condições desumanas no estado. Um deles, denominado Reação em Cadeia, visa à responsabilização dos municípios no acompanhamento da cadeia produtiva envolvendo obras de pavimentação de ruas, incluindo pedreiras. “Esse projeto busca fiscalizar as empresas que participam de licitações para a execução desse tipo de obra. Afinal, não podemos admitir que aquela pedra tenha sido comprada de um local que explora trabalhadores”, detalha Marcela Asfóra.

Outra iniciativa do órgão, chamada Educar para não Resgatar, premia estudantes de escolas públicas que elaborem obras artísticas e culturais sobre a prevenção desse crime. Como afirma a procuradora do MPT-PB, o projeto, realizado há três anos, tem o intuito de disseminar conhecimentos sobre o que caracteriza o trabalho escravo, como proteger-se dele e como denunciar situações suspeitas. “Nossa grande finalidade é fazer com que esses alunos sejam multiplicadores de informações, para que eles não sejam vítimas e que também possam evitar que outras pessoas o sejam”, comenta Marcela.

Já o programa Liberdade no Ar dedica-se à capacitação de profissionais atuantes nos aeroportos de João Pessoa e de Campina Grande, além daqueles que trabalham nas principais rodoviárias do estado, para que assumam um olhar mais atento para circunstâncias que possam configurar um caso de escravização de mão de obra. “Pode acontecer de os profissionais de terminais rodoviários verificarem que a mesma pessoa sempre transporta um grupo de trabalhadores para outro estado. Há também vítimas que recebem propostas de trabalho atraentes em outro estado ou país. Em alguns casos, a pessoa pode suspeitar de alguma atitude estranha e exibir um comportamento tenso, ainda no aeroporto, chamando a atenção do profissional capacitado a identificar que ela possa ser vítima de tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo”, esclarece a representante do MPT-PB.

Denuncie

Para denunciar condições de trabalho análogas à escravidão, disque 100 (Disque Direitos Humanos) ou registre um relato no endereço on-line do Ministério Público do Trabalho (https://www.mpt.mp.br).

Na Paraíba, o MPT-PB atende a população por meio do telefone (83) 3612-3128.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 13 de abril de 2025.