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Trauma-JP atende vítimas da violência como especialidade

publicado: 08/04/2018 00h05, última modificação: 07/04/2018 07h07
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Muitos casos são direcionados pelo Serviço Social do Hospital Senador Humberto Lucena, a uma delegacia ou mesmo ao Ministério Público - Foto: Marcos Russo

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Lucas Campos

Especial para A União

É muito comum que nos serviços de saúde os atendimentos sejam rápidos, a fim de prestar auxílio ao maior número de pessoas. Por conta disso, muitas vezes os médicos deixam passar despercebidos detalhes nos relatos dos pacientes, na forma como agem ou na dor que carregam nos olhos. Isso porque, às vezes, um hematoma ou um ferimento dito como acidental pode ser fruto de uma violência.

Pensando nessa problemática, o Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena disponibiliza, há cerca de um ano, um atendimento específico para vítimas de violência. De acordo com Neuma Ribeiro, assistente social e coordenadora do Grupo de Atenção à Pessoa Vítima de Violência, o serviço surgiu após um curso no qual alguns profissionais do hospital realizaram em Brasília e a partir disso surgiu a vontade de instalar o serviço na Paraíba. Atualmente, o grupo presta apoio semanal a, pelo menos, oito vítimas.

O grupo conta com uma equipe multiprofissional para maximizar as vertentes de tratamento às vítimas de violência. Dentre os profissionais da equipe de atendimento estão assistentes sociais, médicos, enfermeiros, psicólogos e também farmacêuticos. “O farmacêutico é para o caso de precisarmos fazer profilaxia, em casos de estupro, ele dá as medicações necessárias para evitar uma gravidez ou doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)”, explica a coordenadora.

Sobre os casos, Neuma explica que alguns são identificados ainda na porta de entrada, no momento em que o paciente chega para fazer a ficha no setor de acolhimento, composto por uma equipe de médicos e enfermeiros. “Eles dizem a causa do atendimento, o motivo de estarem aqui, então ali muitos dizem que ‘fui vítima de um estupro’ ou ‘meu marido me bateu’”, esclarece, acrescentando que, além de mulheres, crianças e idosos também são recebidos no serviço – sendo esses três grupos, os de maior incidência.

Por outro lado, ela lamenta o fato de que muitas pessoas ainda têm o receio de denunciar. “Alguns dizem, por exemplo, ‘eu caí’, mas no decorrer do atendimento, eles conseguem se abrir, ou com o médico, ou com a enfermeira, com psicólogo e eles dizem: ‘não foi uma simples queda, foi meu companheiro, meu pai ou alguém próximo, eu não disse por medo’”, conta baseada na experiência diária de atendimento.
Neuma diz que os casos de omissão são muito frequentes porque, na grande maioria das vezes, é o agressor quem traz a vítima para o hospital. “Existem atendimentos em que as mulheres vêm acompanhadas de seus maridos ou namorados, mas a presença deles faz com que elas tenham um medo muito forte de denunciar”, expõe sobre a situação de muitas mulheres paraibanas.
Acerca do processo de atendimento, a assistente social discorre que, uma vez realizado o atendimento clínico, feito pelo médico e enfermeira, a vítima é imediatamente encaminhada para a equipe multiprofissional – onde fica sozinha e distante de seu agressor -, de forma que o psicólogo pode ganhar a confiança do paciente e fazer com que se abra para admitir que está sofrendo violência. O assistente social, então, encaminha a pessoa para uma delegacia, para o conselho tutelar ou o conselho do idoso.

A coordenadora do Grupo de Atenção à Pessoa Vítima de Violência aponta a importância do serviço. “Ela busca sensibilizar os profissionais de saúde para o atendimento não passar batido, para que toda pessoa vítima de violência seja atendida e que sejam dados todos os seguimentos necessários para que ela não retorne ao hospital vítima de violência”, afirma. Ela acrescenta também que é importante que a vítima denuncie, pois é uma forma de obter dignidade enquanto ser humano, assim como o profissional de saúde.

Neuma também relata que, uma vez encaminhada a vítima ou mesmo quando não há confirmação da violência, o hospital realiza uma notificação compulsória para a rede de assistência.

“Então é feito um diagnóstico da área em que está acontecendo, o Cras passa a acompanhar a vítima até que ela tome coragem de denunciar”, esclarece. Os dados das notificações são enviados posteriormente ao Ministério da Saúde, cadastrados em um sistema e a pessoa fica sob observação – por exemplo, registra-se quantas vezes a pessoa deu entrada no hospital pelo mesmo motivo, até que ela denuncie de fato.

Segundo Fagner Dantas, gerente médico do Hospital de Trauma, quando o médico vai fazer uma avaliação, ele precisa perguntar e observar tudo detalhadamente, porque muitas vezes a vítima está ao lado do agressor e ela não conta a situação real. “Se o médico perceber um certo medo, uma certa angústia, o médico deve fazer essa anamnese de maneira isolada, longe do acompanhante”, afirma.
Para ele, o bom médico precisa realizar essa análise crítica e não acreditar piamente no que o paciente está dizendo, especialmente no caso de traumas que não estão justificados.
O gerente médico ainda explica que o profissional de saúde precisa sondar além e descobrir há quanto tempo uma agressão vem acontecendo e em que níveis, porque a violência é, muitas vezes, progressiva.
“Se ninguém tem esse olhar mais humana para a vítima, infelizmente a coisa vai evoluindo até chegar a um assassinato”, lembrando ainda que o médico é a primeira pessoa com a qual a vítima pode ter confiança, que pode se abrir para contar os seus sofrimentos físicos e psicológicos, então o médico tem papel fundamental para evitar que uma violência de maior proporção aconteça.
Para Fagner, o Grupo de Atenção à Pessoa Vítima de Violência vem realizando uma tarefa importante na Paraíba. “Essa equipe converge para otimizar esse atendimento e a gente percebeu que há um progresso nisso, que no início não tínhamos esse olhar mais global da vítima nos prontuários”, explica.

Ela ainda relata que antes havia muita crença no que a vítima dizia então não havia números no hospital, então hoje há uma humanização muito maior do serviço. “A vítima tem que saber que não está só e hoje percebemos que existem registros da violência, não que eles aumentaram, mas agora elas estão sendo notificadas e medidas legais estão sendo tomadas”, conclui.

Apoio

A coordenadora de psicologia do Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, Anne Michelli Paiva, afirma que é obrigação do psicólogo apoiar a vítima no momento de fragilidade que ela está vivendo, oferecendo apoio psicológico para que ela possa voltar a um estágio de estabilidade emocional e seguir com os procedimentos médicos, como exames e profilaxia – além de prepará-la para denúncias nos órgãos competentes.

Michelli explica que o mais comum é que a pessoa, durante o atendimento médico, já deixe claro que está sendo vítima de violência, ainda que existam casos em que não realize a denúncia por razões diversas. Dentre os sintomas emocionais que permitem a constatação da violência estão o medo, a angústia e a retração mediante assuntos que são muito delicados. “Nós fornecemos apoio para que elas possam falar sobre isso, além de outras questões”, acrescenta.

Sobre o procedimento de trabalho com vítimas de violência, Michelli enfatiza que é preciso estabelecer contatos empáticos como primeira etapa. Em seguida, o profissional de psicologia realiza intervenções psicológicas até que a vítima consiga contar o que aconteceu de fato, sempre garantindo o sigilo, um espaço onde ela possa falar com privacidade e a garantia de uma segurança emocional para que a vítima possa relatar o que houve.

A responsável pelo setor de psicologia ainda alerta que a denúncia é muito importante e, caso não aconteça, a vítima continuará sujeito a uma situação de extrema fragilidade que pode acarretar em doenças psicológicas muito graves, como o estresse pós-traumático, a ansiedade, a depressão, a síndrome do pânico e comportamentos autodestrutivos, como álcool, drogas ou tentativas de suicídio.

Ela diz também que, por conta disso, é preciso que a vítima seja direcionada e acompanhada. “Na hora da violência, a vítima sofre fisicamente, só que depois fica a violência psicológica que fica por vários anos e precisa ser trabalhada para evitar consequências emocionais cada vez mais graves”, defende.