O Ministério Público da Paraíba (MPPB) e a Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB) ajuizaram uma ação civil pública para que a Prefeitura de João Pessoa e a Câmara Municipal adotem, no prazo de 90 dias, as medidas legais necessárias à renomeação de ruas, avenidas, edifícios e instituições públicas que ainda homenageiam personalidades associadas à Ditadura Militar.
A iniciativa tem como objetivo preservar a memória democrática e corrigir distorções históricas, diante da permanência de homenagens a figuras que integraram regimes repressivos. MPPB e DPE-PB argumentam que manter esses nomes representa uma forma de negar as violações de direitos humanos cometidas durante a Ditadura Militar, prejudicando a construção de uma verdadeira memória pública democrática.
A Prefeitura de João Pessoa foi notificada e deverá informar, no prazo de 15 dias úteis, quais medidas pretende adotar em relação à renomeação desses espaços. A medida pode impactar bairros como Castelo Branco, Costa e Silva, entre outras áreas que ainda carregam a herança de nomes de líderes militares que participaram do regime.
Justiça de transição
A ação tem como base os princípios da chamada justiça de transição — um conjunto de medidas adotadas por Estados democráticos após períodos de ruptura institucional, como ditaduras ou guerras. Essas ações incluem responsabilizações penais e civis, além de reparações simbólicas e administrativas, como a retirada de homenagens públicas a agentes violadores de direitos humanos.
Segundo o MPPB, manter esse tipo de homenagem significa perpetuar a exaltação de figuras associadas à repressão, à tortura e à perseguição política, o que fere princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e os valores do Estado Democrático de Direito.
Além disso, João Pessoa possui uma lei municipal de 2013 que proíbe homenagens a pessoas envolvidas com o Regime Militar. Ainda assim, nenhuma medida efetiva havia sido adotada, até agora, para fazer cumprir a legislação — o que, segundo os autores da ação, agrava a omissão dos poderes públicos.
A promotora de Justiça de Cidadania do MPPB, Fabiana Lobo, destacou o histórico das Comissões da Verdade nas três esferas e suas recomendações. “As três comissões, após um longo período de estudo, fizeram recomendações no mesmo sentido, em relação à alteração de nomes de espaços públicos, porque se trata de um tema objetivo: a reparação histórica e simbólica. Isso integra o que chamamos de justiça de transição — mecanismos que o Estado desenvolve para superar o legado de violência e abusos contra os direitos humanos”, explicou.
Ela acrescentou: “Manter homenagens a pessoas apontadas como responsáveis por graves violações aos direitos humanos, em ruas e bairros — como é o caso inédito de João Pessoa, única capital com três bairros nessas condições — afronta não apenas o Estado Democrático de Direito, mas também a dignidade humana. E quando falamos em dignidade, não é só das famílias das vítimas de tortura e desaparecimento. É da coletividade brasileira como um todo, atingida por esse legado de violência”.
Fabiana Lobo também mencionou que outras cidades já foram compelidas judicialmente a tomar medidas semelhantes. Em 2024, o município de São Paulo, por exemplo, foi condenado a alterar nomes de vários espaços públicos que homenageavam pessoas ligadas à Ditadura Militar.
População ouvida
O vereador Marmuthe Cavalcanti defendeu que a população pessoense seja ouvida sobre o tema. “É preciso diálogo, pois existe uma legislação municipal que determina que não se pode mudar nomes de espaços públicos consolidados há mais de 10 anos. Vai ser necessário modificar ou aprimorar essa lei”, ponderou.
Mudanças não impactam
Outro ponto destacado na ação é que a mudança dos nomes não gera qualquer custo ou impacto financeiro para os moradores das áreas afetadas. Como exemplo, cita-se a divisão do bairro do Bessa, em 1998, que deu origem ao Aeroclube e ao Jardim Oceania, sem qualquer prejuízo aos residentes. Alterações como essa são rotineiras e não justificam a permanência de homenagens a figuras autoritárias.
Atualmente, João Pessoa é a única capital brasileira que possui três bairros com nomes diretamente ligados à ditadura militar: Castelo Branco, Costa e Silva e Ernesto Geisel. Segundo o MPPB e a DPE-PB, essa realidade é inaceitável após mais de 40 anos de redemocratização do país e representa um entrave à construção de uma memória histórica justa, democrática e respeitosa com as vítimas da repressão.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 11 de abril de 2025.