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Análise auxilia municípios pequenos

publicado: 24/11/2025 08h52, última modificação: 24/11/2025 08h55
STF formou maioria para manter liberação de nomeação de parentes para cargos políticos na administração pública
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Sem data para ser retomado, julgamento do STF tem repercussão geral, ou seja, o entendimento fixado valerá para todos os processos semelhantes no país | Foto: Luiz Silveira/STF

por Paulo Correia*

A ascensão profissional de uma pessoa por conta de suas relações familiares é um tópico controverso, sobretudo no âmbito da administração pública. No fim de outubro, o debate acerca do nepotismo voltou a movimentar o Supremo Tribunal Federal (STF), ocasião em que a Corte formou maioria para manter o entendimento de que nomeações de parentes para cargos de natureza política nas esferas municipal, estadual e federal não configuram violação à Constituição de 1988. O julgamento, porém, acabou sendo adiado, após o relator, Luiz Fux, manifestar interesse em debater com os demais ministros elementos que ficaram fora de sua tese. A data para retomada da análise ainda não foi definida.

O promotor Arthur Magnus Dantas, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Patrimônio Público do Ministério Público da Paraíba (MPPB), analisa que, embora cause polêmica, a decisão do STF vem em consonância com a jurisprudência da Corte, não apresentando nenhuma inovação na matéria.

“A doutrina do Direito Administrativo diz que agente político é aquele que exerce uma típica atividade de governo, cabendo a ele propor ou decidir diretrizes políticas. E aí a gente pode incluir os chefes dos Poderes Executivos: o prefeito em nível municipal, o governador em nível estadual e o presidente da República em nível federal. E, além deles, seus auxiliares diretos”, explica.

Conforme o advogado José Marques, especialista em Direito Constitucional, “esses cargos têm como fundamento, na verdade, a ocupação de uma função de confiança, uma função que alguém desempenha porque goza da confiança de quem o nomeou”.

Assim, diferentemente dos cargos públicos — que devem ser preenchidos mediante concurso, como determina o artigo 37 da Constituição — e de assessoramento, os cargos políticos exigem um alinhamento ideológico e pessoal com o gestor.

“Os cargos passíveis de nepotismo são aqueles para os quais a pessoa é nomeada para o exercício de cargo em comissão, cargo de confiança ou ainda função gratificada. Então, se você não for nomeado para nenhum desses três tipos de cargos, não haverá caracterização do nepotismo”, reforça José Marques.

Outro olhar

No julgamento da matéria, o ministro Flávio Dino foi o único, até o momento, que divergiu do relator, afirmando que “legalidade e afeto não se combinam”. Ainda restam os votos dos ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

O advogado Lincoln Mendes, especialista em Direito Público, discorda parcialmente do posicionamento do ministro Dino, considerando, especialmente, a realidade dos municípios de pequeno porte. Ele argumenta que, em cidades menores, onde o parentesco é comum e as famílias são grandes, proibir a nomeação de parentes preparados para cargos políticos pode ser inviável.

“Você tem que considerar que a grande maioria dos mais de cinco mil municípios do país são de pequeno porte e criminalizar a atuação do agente público que nomeia parentes para ser secretário é inviável. Proferir uma decisão no Supremo Tribunal Federal que alcance o país todo de forma igualitária, prejudicando esse tipo de situação, pode ocasionar exatamente o contrário, colocando secretários de faz de conta, pessoas nomeadas nas funções que não têm a capacidade, mas quem vai gerir de fato ali por trás é o meu parente. É melhor colocar logo o parente na Secretaria”, defende.

O presidente da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), George Coelho, orienta os gestores ao cumprimento da lei, mas reconhece a dificuldade que algumas Prefeituras têm de encontrar profissionais com perfil técnico para assumir as Secretarias. “Há uma limitação, muitas vezes, de mão de obra qualificada no município. Às vezes, é preciso indicar gente de fora para assumir Secretarias, pessoas que tiveram uma formação de nível superior”, afirma.

O advogado Lincoln Mendes salienta que, embora a decisão do STF possa consolidar a permissão para nomeação de parentes em cargos políticos, isso não deve ser uma “carta branca” para nomear qualquer parente sem preparo e que “esse parente vai ter que ser submetido ao crivo desse tipo de investigação e dizer a qualificação dele para exercer o cargo”.

Dispositivo da Lei de Improbidade restringe tipificação de ato

A Lei nº 14.230/2021, que reformou a Lei de Improbidade Administrativa, trouxe mudanças significativas para o combate ao nepotismo. O nepotismo foi tipificado no artigo 11, inciso XI, como ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública. No entanto, a principal alteração é a exigência de dolo específico, ou seja, a comprovação de má-fé e do intuito de favorecimento.

De acordo com o promotor Arthur Magnus Dantas, essa exigência demanda uma atuação mais aprofundada do Ministério Público nas investigações, buscando elementos que comprovem o dolo.

“Anteriormente à reforma — como não havia exigência desse dolo específico e bastava apenas o dolo genérico — o mero fato de o gestor nomear um parente a um cargo de agente administrativo já ensejava, automaticamente, a configuração da improbidade administrativa”, ressalva o promotor.

O MPPB atua como fiscal da ordem jurídica e disponibiliza canais para denúncias, como a Ouvidoria, que permite anonimato, e as promotorias de Justiça. As comunicações do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) também são utilizadas para abertura de denúncias pelo MPPB.

Na Paraíba, as denúncias mais comuns de nepotismo que chegam ao MPPB referem-se a cargos em comissão e contratações temporárias. Contudo, o promotor afirma que as denúncias da população, por meio do “controle social”, são o principal motor das investigações, embora não haja dados estatísticos precisos sobre a proporção em relação às comunicações do TCE-PB.

Sanções previstas

Para o gestor enquadrado em nepotismo, a Lei de Improbidade Administrativa prevê sanções como multa civil de até 24 vezes o valor da remuneração recebida, proibição de contratar com o Poder Público, receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por até quatro anos.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de novembro de 2025.