A Paraíba tem enfrentado uma tendência crescente de contratações temporárias no serviço público nos últimos anos. A situação preocupa especialistas e órgãos de controle, uma vez que pode implicar na qualidade dos serviços oferecidos à população.
Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB) revela que todos os municípios com mais de 100 mil habitantes desrespeitam o limite estadual de 30% para contratações excepcionais, estabelecido pela Resolução TC no 04/2004. Além disso, das 223 Prefeituras do estado, apenas 45 — ou seja, 20,2% — cumprem a norma.
Em abril deste ano, o contingente de contratados (81.635) representava 86% do total de efetivos (94.933). Nove municípios apresentaram índices exorbitantes: Baía da Traição (480,6%), Cruz do Espírito Santo (399,6%), Triunfo (248,5%), São João do Rio do Peixe (239,4%), Umbuzeiro (210,5%), Pedras de Fogo (208,4%), Bayeux (198,4%), Ingá (190,5%) e Mogeiro (183,8%).
O relatório dividiu a Paraíba em quatro regiões geográficas intermediárias: a de João Pessoa, com 63 municípios; a de Campina Grande, com 72; a de Patos, com 63; e a de Sousa/Cajazeiras, com 25. Conforme o documento, as regiões de Campina Grande e de Sousa/Cajazeiras apresentaram os piores desempenhos, com 84,7% e 84% dos municípios fora do limite, respectivamente. No grupo da capital, 81% das localidades estavam em desacordo com a legislação, enquanto, na região de Patos 71,4%, ignoravam as barreiras legais.
A auditoria mostrou que 174 municípios (78% do total do estado) apresentavam tendência de aumentar o percentual de contratados em relação ao de efetivos, enquanto apenas 49 (22%) demonstravam tendência de queda. De janeiro de 2024 a junho de 2025, as áreas da Saúde e da Educação concentraram 85% do montante pago a servidores temporários.
Advertência
Os 178 municípios em situação irregular foram notificados pelo TCE-PB a apresentar justificativas aos altos números de contratos excepcionais. No entanto, somente 142 enviaram respostas até o fim de julho, prazo estipulado pelo órgão. Os argumentos das Prefeituras estão sendo avaliados pela Auditoria da Corte de Contas e, caso sejam acatados, poderão resultar na formalização de um Pacto de Adequação de Conduta Técnico--Operacional.
De acordo com o presidente do TCE-PB, o conselheiro Fábio Nogueira, tais excessos podem gerar problemas na administração pública, como “sobreposição dos serviços executados ou até ausência de atividades para alguns servidores, ferindo os princípios da economicidade, eficiência, eficácia e efetividade”.
TCE propõe pacto para correção de irregularidades na administração
O Pacto de Adequação de Conduta Técnico-Operacional é uma ferramenta utilizada pelo TCE-PB, desde 2007, para corrigir problemas encontrados na gestão pública. O objetivo principal é regularizar atos e procedimentos administrativos, estabelecendo obrigações e prazos claros para serem cumpridos.
No caso das contratações temporárias, a principal obrigação do gestor consiste na redução da proporção entre contratados e efetivos para os 30% estabelecidos nas normas da Corte. Os prazos para a adequação variam de acordo com a situação de cada município, com metas estabelecidas para cada ano. No entanto, o Tribunal adverte que todos os municípios precisam estar em dia com as obrigações até o fim da gestão, em 2028.
- Gráfico indica tendência da proporção de servidores temporários em relação aos efetivos | Imagem: Sagres/TCE-PB
O coordenador jurídico da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), Arnaldo Escorel, orienta aos municípios que não enviaram suas justificativas dentro do prazo a apresentar um plano de adequação ao TCE-PB, “mostrando boa-fé nos atos administrativos para fins de que seja, então, reconhecido pelo Tribunal de Contas no dia e na data de julgamento das contas de 2025”.
Causas
O presidente do TCE-PB, Fábio Nogueira, entende que a utilização das contratações temporárias em excesso representa uma cultura no estado, sendo uma prática que já ocorre há um longo tempo. Dentre os prejuízos, ele cita o caso dos 70 municípios que possuem regime de previdência própria. “[A situação] põe em risco a sustentabilidade futura da previdência local, uma vez que o financiamento do custeio com aposentados e pensionistas depende fortemente das contribuições previdenciárias vinculadas aos servidores efetivos”.
A advogada tributarista Bruna Barreto considera que existe uma resistência dos prefeitos quanto à realização de concursos públicos e esse é um dos motivos para o alto índice de contratos temporários. Para a especialista, os certames atraem diversos desafios relacionados à judicialização, estabilidade e planos de carreira dos efetivos.
“O município é muito judicializado quando se realiza um concurso público; outro fator que faz com que os gestores ainda resistam muito à figura do concurso público é a estabilidade. Por vezes, o município classifica e convoca servidores públicos que, de fato, não atendem à sua necessidade e essa estabilidade não permite que o gestor desligue aquele servidor. E uma terceira questão são os planos de cargo de carreira. O servidor efetivo é muito mais oneroso para a gestão do que uma contratação por excepcional interesse público”, explica.
O coordenador jurídico da Famup destaca que cada município tem uma realidade muito singular, mas que a instabilidade de recursos financeiros tende a transformar a exceção em regra, no caso dos temporários. Para reverter o quadro, Arnaldo Escorel defende um equilíbrio entre funcionários efetivos e temporários, por meio de uma reforma administrativa que otimize recursos e mão de obra.
“Não adianta ter, por exemplo, uma máquina administrativa com muitos funcionários ociosos, mesmo que qualificados, efetivos, concursados etc., se eu não tenho todos os anos a mesma realidade e a mesma necessidade dele. Eu preciso ter uma margem de navegação. Por isso, o Tribunal de Contas estabeleceu que essa margem seria no patamar de 30%. E aí é que vem a reforma administrativa como necessidade. Eu preciso adequar o meu corpo funcional de maneira que eu tenha mobilidade dentro dessa margem de 30%, porque, hoje, a situação é arcaica, existem municípios cuja estrutura administrativa é de 1990”, avalia.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de agosto de 2025.