A polêmica em torno das construções na orla de João Pessoa voltou ao centro dos debates públicos. A Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) realizou, na manhã de ontem (14), uma audiência pública para discutir supostas violações à Lei do Gabarito, em meio à divergência entre a legislação municipal e a Constituição Estadual. O encontro aconteceu no Plenário Deputado José Mariz, na sede da ALPB, e reuniu autoridades, especialistas, representantes do Ministério Público e movimentos sociais.
Ao abrir a audiência, o deputado Chió (Rede), autor do requerimento e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da ALPB, destacou que o debate sobre a Lei do Gabarito vai além de uma questão técnica — trata-se da defesa do patrimônio ambiental e cultural da cidade. “Eu começo essa sessão pública para tratar de uma lei que desperta intensos debates em nossa capital. Essa legislação não é fruto do acaso; ela nasceu da consciência coletiva sobre a importância da nossa paisagem litorânea. A nossa zona costeira é um patrimônio cultural e paisagístico que precisa ser protegido de forma permanente. Entretanto, nos últimos anos, temos visto, com preocupação, tentativas de burlar ou flexibilizar a Lei do Gabarito”, declarou.
O parlamentar reforçou que, na audiência, não havia espaço para confronto, mas, sim, para diálogo responsável e transparente com todos os envolvidos.
A discussão ganhou força após denúncias relativas a construções acima do limite de altura permitido e à divergência entre a legislação municipal e a estadual. Enquanto a Constituição da Paraíba estabelece que as edificações na orla só podem alcançar 35 m de altura ao fim dos 500 m da faixa de proteção, a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) de João Pessoa permite atingir esse limite antes da distância fixada, o que tem gerado críticas e questionamentos.
De acordo com o Ministério Público da Paraíba (MPPB), a norma municipal é inconstitucional, por trazer regras menos restritivas do que as previstas na Lei do Gabarito, responsável por definir os padrões de construção na faixa litorânea do estado.
A promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caop-MA) do Ministério Público da Paraíba (MPPB), Cláudia Cabral, destacou que a Lei do Gabarito integra a regulação estadual e não deve ser relativizada por normas municipais. “Não discutimos centímetros ou metros a mais, mas sim o cumprimento de uma lei constitucional. A Lei do Gabarito, pioneira no Brasil e patrimônio da Paraíba, protege nossa orla, nossa identidade e o meio ambiente. Mais do que isso, ela é um instrumento de adaptação climática: preserva ventilação, insolação e equilíbrio ambiental, tornando a cidade mais resiliente diante das emergências climáticas que vivemos”, argumentou.
Durante a audiência, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (Sinduscon-JP), Ozaes Mangueira, enfatizou que o setor também reconhece a importância da preservação das regras urbanísticas. “Queria deixar claro que a posição da categoria é que nós, do Sinduscon, somos absolutamente favoráveis à Lei do Gabarito. Nesse ambiente, estamos todos do mesmo lado. A Lei do Gabarito, mais que uma legislação ambiental, é um patrimônio da sociedade pessoense”, afirmou.
O deputado Wallber Virgolino (PL), por outro lado, defendeu a necessidade de equilíbrio nas discussões, afirmando que é possível conciliar a proteção ambiental com o direito ao desenvolvimento urbano responsável. “Sou totalmente contra qualquer legislação que venha a relativizar, driblar ou burlar a proteção ao meio ambiente. O MPPB tem sua razão, mas não podemos tratar esse caso sem razoabilidade e bom senso. Todos têm direito a uma segunda chance — o construtor tem o direito de reparar o seu erro. Tem que haver uma resolução equilibrada, e isso só será possível com diálogo”, declarou.
Já a deputada Cida Ramos (PT) pontuou que o cumprimento da lei é inegociável e irrestrito, e criticou o que classificou como “abusos históricos” na ocupação da orla pessoense. “A lei deve ser cumprida. Aqui tem conflito sim, não tem meio-termo entre vantagem econômica e defesa do meio ambiente. Os espigões não são erros que as construtoras inocentemente cometeram. Não tem nenhum inocente nessa área. Há grandes empresários que lucram muito e que vêm cometendo abusos desde 1969 — contra o povo paraibano e contra o meio ambiente”, sublinhou.
O ambientalista e líder do Movimento Esgotei, Marco Túlio, também manifestou-se favorável à tolerância zero em casos de descumprimento da Lei do Gabarito. “O Movimento Esgotei defende que se deve seguir a lei. A nossa preocupação é com o meio ambiente, com a questão do esgotamento sanitário. Nossa preocupação, como ambientalistas, é que esses centímetros aumentem mais um metro, dois metros, três metros e, daqui a pouco, tenhamos espigões na praia. Isso nos preocupa bastante, porque cada centímetro já interfere na ventilação, no sombreamento e em vários aspectos que podem prejudicar o nosso meio ambiente. Então, seguimos firmes: nenhum centímetro a mais”, reivindicou o ativista.
Encaminhamentos
O deputado Chió, em conjunto com os demais parlamentares presentes na audiência, sugeriu a criação de um grupo de discussão com o objetivo de ampliar o debate, incluindo os órgãos ambientais da Prefeitura Municipal de João Pessoa e do Estado. O parlamentar também recomendou a elaboração, apresentação e apreciação de uma nova legislação que possa proteger, ainda mais, as diretrizes estabelecidas pela Lei do Gabarito.
Sessão no TJPB
O tema segue em pauta. Hoje, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) julga, em sessão do Órgão Especial marcada para as 9h, a ação movida pelo Ministério Público da Paraíba contra a lei municipal que enfraqueceu as regras sobre a altura máxima de prédios na orla da capital.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de Outubro de 2025.