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Mulheres na política

Cerco a candidaturas fictícias na PB

publicado: 16/10/2023 14h31, última modificação: 16/10/2023 14h31
Nomes lançados com objetivo de atingir o percentual mínimo fixado na legislação acabam sendo um engodo
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Santa Rita foi um dos municípios onde o TRE detectou fraudes na cota de gênero entre candidatos à Câmara - Foto: Ortilo Antônio

por Juliana Cavalcanti*

A Lei nº 9.504/1997 destaca a obrigação dos partidos para estimular a participação feminina  na política, inclusive fora  do período eleitoral, concretizando o princípio da isonomia de gênero. Esta é uma forma de proibir a discriminação contra as mulheres, estimular a cidadania e o pluralismo político. No entanto, o lançamento de candidaturas fictícias apenas para atingir o percentual mínimo de candidaturas femininas (determinado pela legislação) atrapalha a inserção da mulher nos espaços de poder.

Esse problema se une à falta de incentivo partidário para uma maior participação de mulheres na política, cenário que se repete em diversas Câmaras Municipais paraibanas. Estas situações são relatadas por Viviane Targino (conhecida como Viviane do Heitel) que foi candidata a vereadora pelo partido Pros na cidade de Santa Rita, na Região Metropolitana de João Pessoa durante as eleições 2020. Este foi um dos municípios do Estado onde o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) detectou fraudes à cota de gênero.

Entrar na política sempre foi um dos seus objetivos, pois, segundo ela, queria ajudar os cidadãos da cidade. No entanto, com 29 votos obtidos relata que o chamado “abandono  partidário” seria um dos responsáveis por uma menor representação feminina na Câmara Municipal santa-ritense. “Eu não recebi apoio do partido e o que eu recebi foi apenas uma ajuda de custo para panfletagens e santinhos. Mas, na campanha fui para a rua pedir votos porque eu queria realmente ingressar na política da cidade”, comentou Viviane.

Para ela, não apenas os partidos, mas a própria população ainda não apoia as candidaturas femininas, elegendo mais mulheres. Isso faz com que as câmaras municipais ainda sejam espaços de predominância masculina. “Infelizmente não consegui chegar à vitória. Temos muitas amizades, mas nesses momentos nem todos nos apoiam e preferem votar em outras pessoas, não percebendo que nós podemos trabalhar pela população”.

Em Santa Rita, o TRE-PB determinou em abril deste ano, a cassação do mandato de todos os vereadores eleitos e suplentes, pelo PL, por fraude à cota de gênero nas eleições de 2020. Com a decisão, o vereador Reginaldo Fidelis de Souza (PL), único a vencer para a Câmara Municipal no pleito, teve o mandato cassado. No dia 1º de junho, a Justiça Eleitoral cassou a chapa do Pros de Santa Rita e, por consequência, o vereador Tenente Jair (Pros), perdeu o mandato, também por fraude à cota de gênero. A decisão foi tomada, por unanimidade, ao analisar recurso contra decisão de 1º grau que já havia determinado a cassação do mandato do parlamentar.

Ação foi movida por dois ex-candidatos a vereador

A ação inicial foi movida por dois ex-candidatos a vereador de Santa Rita pelo PP: Brunno Inocêncio (Bruno de Cicinha) e Paulo Fernandes (Paulinho Fernandes), que apontaram duas candidaturas da chapa do Pros (Erica Negreiros dos Santos e Mariele Narcizo da Silva) como ‘laranjas’. A defesa do Pros, ao apresentar o recurso, negou que o partido tivesse cometido irregularidades, já que apresentou 40% de candidatas mulheres para o último pleito municipal. Uma delas chegou a desistir e, ainda assim, o percentual teria ficado em 37%. Na época, o relator do recurso, juiz José Ferreira Ramos Júnior, afirmou a ocorrência da fraude, já que as candidatas foram registradas, mas não participaram do pleito de fato, fazendo campanha e prestando contas dos gastos feitos com a verba do partido.

Já no dia 19 de junho, Kinho de Lerolândia, Jardel de Pinto e todos os suplentes da chapa do partido Avante perderam o mandato. Entretanto, eles tiveram os direitos políticos assegurados. Segundo a Corte Eleitoral, o partido Avante, pelo qual estes últimos parlamentares foram eleitos, utilizou candidatas laranja apenas para preencher o espaço reservado pela legislação para as mulheres. Na época, o TRE-PB entendeu que a ausência de receita e despesa de campanha, falta de distribuição de santinhos, votação zerada e trabalho e militância da candidata Edilma de Santa Rita (Avante) para outro concorrente são suficientes para assegurar que houve fraude.

Neste sentido, o Tribunal reconheceu a fraude à cota de gênero, tornando sem efeito o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) do Avante do município, determinando a anulação dos votos recebidos pela agremiação no sistema proporcional e determinando a cassação dos diplomas de mandatos eletivos dos eleitos e suplentes, sem a aplicação de inelegibilidade.

Retotalização de votos e explicações

A partir dessas decisões, foram realizados os reprocessamentos da totalização dos votos para o cargo de vereador do município pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros) e pelo Avante. A audiência pública de retotalização dos votos do Partido Avante, cerimônia em que foram excluídos todos os votos destinados à sigla, ocorreu no dia 29 de junho. Já no dia 3 de julho aconteceu a retotalização dos votos do Pros e da mesma forma foram excluídos todos os votos destinados ao partido na 2ª Zona Eleitoral, sediada em Santa Rita.

Segundo o candidato Tenente Jair, o que aconteceu na verdade foi um mal enendido no seu partido com relação às regras ligadas a cotas de gênero. “Quando a  situação chegou ao conhecimento do TRE-PB, compreendemos como realmente deveria ter acontecido. Tivemos 12 homens candidatos a vereador e tinham sete mulheres. Só que das sete mulheres, duas não foram votadas: uma porque precisou ir embora e a outra o pai estava com câncer, e ela  apresentou documento e como era  época da pandemia da Covid-19,  ela não se envolveu para não adquirir a doença e transmitir para o pai. Mas, teve caso de partido onde uma mulher fez campanha até mais da metade do período e depois decidiu apoiar outro, e nesse caso, sim houve fraude”, apontou.

Sobre o chamado “abandono partidário”, Tenente Jair acredita que muitas pessoas resolvem se candidatar pensando no fundo de campanha, mas nem todos os candidatos recebem o valor que acreditavam que iriam receber. “Muitos desejam se candidatar com interesse pessoal e muitos querem vir porque acham que  tem fundo partidário. Quando chegam à campanha, percebem que não tem. Acredito que a candidatura laranja é quando a pessoa recebe dinheiro do fundo partidário, usa aquele dinheiro e não tem voto. Se recebeu uma quantia para propaganda, para pessoas trabalharem na campanha, ela deveria ter sido votada”.

De acordo com a secretária-geral da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ticiane Carneiro, a legislação eleitoral busca estimular os partidos a fomentar uma maior participação feminina na política, tanto em campanhas quanto na vida ativa do partido. Ela lembra que mesmo que isso não signifique ainda que mais mulheres serão eleitas já é uma forma de provocar uma evolução nas câmaras municipais e no Poder Legislativo como um todo.

“O que a lei traz é que os partidos devem implementar uma fomentação da participação feminina, mas se nós tivermos as quantidades respeitadas nas próximas eleições em 2024, já é um reflexo de todas essas decisões relacionadas às eleições 2020 e com certeza teremos muito mais participações femininas tanto nas candidaturas quanto em cadeiras efetivamente eleitas. No próximo ano, teremos a primeira eleição após essas decisões e alterações tão significativas e importantes no âmbito municipal”

Parlamentares defendem punição só às mulheres

A punição para o partido que lança essa candidatura atinge todos os candidatos registrados no seu Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) que tem os seus mandatos/diplomas cassados. No entanto, nas cidades cujos vereadores foram atingidos pelas punições devido às fraudes à cota de gênero, o entendimento dos parlamentares cassados é que a medida deveria atingir apenas as mulheres cujas candidaturas foram fictícias. Tenente Jair, de Santa Rita, por exemplo, discorda da forma como ocorreu a cassação dos vereadores da cidade, pois para ele quem deveria ser responsabilizada é a pessoa que se filiou a um partido político, participou de uma convenção, se candidatou, mas não foi votada nem por ela mesma.

 Para o político, a cota de gênero nem sempre é possível de ser cumprida porque nem todos os partidos contam com mulheres interessadas em concorrer nas eleições. “Em 2020, fui eleito com 1.122 votos de pessoas que queriam que eu fosse vereador. E no caso da cota de gênero, a pessoa que teve zero votos, ela não votou em ninguém e nem eu fui beneficiado com o voto dela. Então, paguei por algo que eu não cometi. A punição deveria ser feita à pessoa que se candidata, que se filia primeiro a um partido com essa intenção, então, caberia a responsabilidade da pessoa que deu o nome e seus documentos para se candidatar”, criticou.

Já na cidade de Mãe D’Água, Egnaldo Medeiros foi candidato a vereador pelo partido Cidadania e também acredita que foi penalizado sem ter cometido a fraude. Neste município, o TRE-PB reconheceu a fraude à cota de gênero, praticada por Thamires Torres de Souza, tornando sem efeito o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários do Partido Republicanos.

Legislação estabelece percentual para disputa

O estímulo à participação feminina através da cota de gênero está previsto na legislação brasileira desde 1997, na Lei das Eleições: Lei nº 9.504/1997. Ela define que cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Subentende-se, portanto, que os partidos precisam lançar 30% de candidaturas femininas, regra que passou a ser obrigatória a partir de 2009.

Portanto, a fraude à cota de gênero consiste no lançamento fictício de candidaturas femininas (“laranjas”) com o objetivo apenas de preencher o mínimo de 30%, sem atos de campanha e arrecadação de recursos. Esse tipo de conduta permite aos partidos lançarem maior número de candidatos homens e incrementar o quociente partidário e, consequentemente, o número de cadeiras alcançadas.

As decisões do TRE-PB que reconheceram essas irregularidades e determinaram novas eleições nas câmaras municipais paraibanas atingiram, desde 2019, cinco cidades e em três delas o novo pleito já foi realizado: Monte Horebe (nove vereadores); Gado Bravo (prefeito e vice-prefeito) e Boa Ventura (nove vereadores). Nas outras duas cidades, as eleições ainda vão ocorrer, mas a fraude já foi reconhecida pelo TRE-PB: Boqueirão (11 vereadores) e Mãe D’Água (nove vereadores).

A fraude é constatada pelo TSE a partir de certas características: mulheres que se candidatam, mas que têm uma votação zerada ou com número irrisório de votos (o que quer dizer que nem a candidata votou nela mesma); e ausência de registro de arrecadação ou gastos na campanha (a prestação de contas é zerada), entre outras.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 15 de outubro de 2023.