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28 anos da urna eletrônica

Cícero, o primeiro eleito na capital

publicado: 20/05/2024 09h14, última modificação: 20/05/2024 09h14
Cássio Cunha Lima também foi eleito, em Campina Grande; equipamento foi usado em 57 cidades brasileiras
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Urnas eletrônicas trouxeram velocidade na apuração | Foto: Antônio Augusto/TSE

por Tiago Bernardino*

As urnas eletrônicas carregam consigo a história da política na Paraíba. O atual prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena, e o ex-senador Cássio Cunha Lima, foram os primeiros prefeitos paraibanos eleitos pela urna eletrônica. Semana passada completou-se 28 anos que as primeiras urnas eletrônicas foram distribuídas pelo Tribunal Superior Eleitoral para serem utilizadas em 57 cidades brasileiras.

Nas eleições de 1996 as urnas eletrônicas foram utilizadas pela primeira vez nas capitais e nos municípios cujo eleitorado era próximo a 200 mil eleitores ou mais. Na Paraíba, além da capital, João Pessoa, à época com 293.751 eleitores, as urnas foram utilizadas em Campina Grande, que tinha 194772 eleitores.

Em Campina Grande, Cássio Cunha Lima foi eleito para o seu segundo mandato como prefeito na cidade, obtendo 72.185 votos, ou seja, 48,30% dos votos válidos, como no município não havia segundo turno, por não ter alcançado ainda os 200 mil eleitores, Cássio foi eleito no primeiro turno, mesmo não alcançando mais da metade dos votos válidos. O Jornal A União, entrou em contato com o ex-governador para ouvir o que esta eleição representou em sua carreira política, porém, o mesmo informou que não está concedendo entrevistas no momento.

Para a Câmara Municipal de Campina Grande, foram eleitos alguns nomes que ainda hoje se destacam no cenário político estadual, a exemplo do deputado Federal Romero Rodrigues, que fora reeleito vereador à época, e do senador Veneziano Vital do Rêgo, para o seu primeiro mandato eletivo.

Na capital, as eleições de 1996 marcaram o início da primeira gestão de Cícero Lucena à frente da Prefeitura de João Pessoa. Cícero disputou a eleição com outros 7 candidatos e no primeiro turno obteve 89.457 votos, o que representou 42,64% dos votos válidos. No segundo turno, a disputa foi com a ex-primeira-dama e ex-deputada federal Lúcia Braga. No segundo turno, Cícero recebeu 115.937 votos, sendo declarado eleito por alcançar 55,36% dos votos válidos.

“Eu considero que com o crescimento do país e também com os avanços tecnológicos é indispensável manter eleições com urnas eletrônicas. Obviamente sempre tendo o cuidado com a questão da segurança, com o respeito ao processo democrático que é o direito do eleitor de ser devidamente apurado”, diz Cícero Lucena.

Para a Câmara Municipal de João Pessoa foram eleitos alguns personagens importantes,  como o ex-governador Ricardo Coutinho, os deputados estaduais João Gonçalves, Hervázio Bezerra e Luciano Cartaxo e o deputado federal Ruy Carneiro. Atualmente Ruy Carneiro e Luciano Cartaxo se apresentam como pré-candidatos à Prefeitura de João Pessoa, Ruy para um primeiro mandato no executivo e Cartaxo para tentar um terceiro mandato.

Urnas eletrônicas representaram avanço tecnológico contra fraudes

A eleição de 1996 marcou o Brasil com uma grande novidade, o uso das urnas eletrônicas. O equipamento foi adotado após a fraude ocorrida no Rio de Janeiro nas Eleições de 1994 que levou a ser necessária a realização de uma eleição para os cargos de deputado federal e de deputado estadual.

O TSE destaca que à época eram comuns dois tipos de fraudes ao sistema de votação e de apuração dos votos:

Urna grávida ou emprenhada: ocorria antes da votação, quando cédulas já preenchidas eram depositadas na urna de lona. Ou seja, a urna, que deveria estar vazia no início da eleição, já chegava à seção eleitoral recheada de votos.

Mapismo (desvio de votos): acontecia durante a digitação do mapa de resultados, momento em que os votos eram transferidos de uma candidatura para outra dentro do mesmo partido. Se, por exemplo, ambos os candidatos tivessem recebido 50 votos, eram registrados 80 para um e 20 para o outro, mantendo o total de 100 votos. Também era possível inverter a votação de ambos ao manipular as linhas e colunas do mapa de resultados.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, presidiu a 25ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, a segunda maior da América Latina, que contava à época com cerca de 400 mil eleitores. Fux relembra que recebeu um alerta do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro sobre a complexidade do trabalho na zona.

“As urnas tinham uma fenda por onde só passava uma cédula, mas, ao derramá-las sobre a mesa, havia bolos de votos com elástico enrolados em um jornal. Ou seja, não tinha como esse bolo de voto entrar, a não ser que – como se usava a expressão na época – se ‘engravidassem’ as urnas”, afirmou Luiz Fux.

Ele constatou que tanto a apuração quanto a digitação do mapa de resultados – realizadas de forma manual – estavam corrompidas e chegou à conclusão de que anular os votos das urnas de lona não seria suficiente para conter os prejuízos causados àquela eleição.

A partir disso, tomou uma série de providências para assegurar a lisura do pleito. Fux desfez as mesas receptoras de votos, determinou que os juízes eleitorais trabalhassem somente com pessoas de confiança e convocou mil estudantes de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para auxiliar na recontagem dos votos, que, por sua vez, ocorreu em um local protegido por barricadas e militares do Exército.

As medidas instituídas por Fux desagradaram aos fraudadores e à organização criminosa envolvida com a fraude eleitoral. Ele foi ameaçado de morte por uma facção criminosa do Rio de Janeiro, mas deu andamento ao trabalho de apuração, chegando a ficar mais de 30 horas acordado. O ministro passou os seis meses seguintes na companhia de policiais, que, durante o período, garantiram a segurança dele e de sua família.

“Depois disso, o TSE desenvolveu o projeto das urnas eletrônicas, que tornou a eleição magnífica, segura e muito rápida”. A utilização de computadores para a contagem de votos começou no Brasil através de experimentos feitos pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC).

Para acabar problema, opção foi a informatização da votação

Ao constatar o sucesso da experiência de votação, realizada naquele ano pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, e reconhecer a dificuldade inerente ao processo de custódia de milhões de cédulas de papel, o presidente do TSE em 1994, Sepúlveda Pertence concluiu que, “para acabar de vez com as fraudes nas eleições, é necessário informatizar o voto”.

Com o fim da gestão de Pertence no TSE, o ministro Carlos Velloso assume a presidência do órgão. Velloso então passa a discutir um modelo de urna com o seu colega de tênis Paulo César Bhering Camarão, que à época ocupava o cargo de superintendente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Camarão é convidado por Velloso para assumir a Secretaria de Informática do TSE.

Durante cinco meses, a equipe, que ainda contava com a participação de técnicos de informática dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), analisou e testou projetos elaborados pela Justiça Eleitoral e por empresas privadas convidadas. Do protótipo gaúcho foi incorporado ao projeto final uma bobina de papel integrada e um micro terminal do mesário. O TRE-MT trouxe a emissão da zerésima e do Boletim de Urna (BU), dois importantes relatórios, que vigoram até hoje. A zerésima é emitida antes do início da votação para comprovar que não há votos registrados na urna para nenhum candidato. Por sua vez, o BU é impresso após o encerramento da eleição e mostra a quantidade de votos contabilizados na seção eleitoral.

O terceiro protótipo foi idealizado pelo diretor de informática do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, Roberto Siqueira, em parceria com a empresa IBM. De acordo com o presidente da Comissão de Informatização do Voto, ministro Ilmar Galvão, o modelo era o que mais se aproximava “da solução almejada pela Justiça Eleitoral”. Do equipamento mineiro foram importadas algumas características, como o voto exclusivamente numérico, com teclado similar ao de um telefone.

O trabalho realizado pela subcomissão foi consolidado no relatório final aprovado pelo TSE no dia 31 de agosto de 1995. O documento trazia os critérios básicos para o desenvolvimento do equipamento que, em um futuro próximo, seria usado para coletar o voto do eleitorado. Uma nova comissão foi incumbida da tarefa de detalhar e enumerar todos esses requisitos técnicos que deveriam estar presentes no equipamento para a elaboração do edital de licitação, como:

  • monitor antirreflexo, com superfície resistente;
  • tecla “5” em alto-relevo para auxiliar a votação de pessoas com deficiência visual;
  • votação por números, com teclado similar ao do telefone;
  • exibição do nome, do número, da legenda e da fotografia da candidatura escolhida;
  • sinais sonoros para sinalizar as etapas da votação;
  • bateria com autonomia para funcionar em locais sem energia elétrica;
  • registros das operações executadas na urna em arquivos de log;
  • impressora acoplada ao equipamento para emissão da zerésima e do Boletim de Urna.

Antonio Esio foi um dos responsáveis pela elaboração do edital de contratação da empresa que produziria a primeira urna eletrônica (modelo 1996), chamada, na época, de Coletor Eletrônico de Voto. “A comissão de técnicos especificou a urna eletrônica para que fosse feita a licitação. Fizemos isso e depois a análise dos protótipos apresentados em resposta. O conceito da urna eletrônica, desde o primeiro modelo até hoje, é o mesmo: o terminal do eleitor, o terminal do mesário e as premissas”, explicou Esio.

Ao relembrar passagens da história da urna eletrônica, o ministro Carlos Velloso contou que houve, inicialmente, certa resistência quanto ao uso de um equipamento eletrônico para votar.

De acordo com o ministro, o principal argumento dos céticos era de que havia um grande contingente de pessoas analfabetas e semi alfabetizadas no Brasil, que poderiam ter dificuldade para votar por meio de um computador. A tese foi prontamente refutada por ele na época: “Ora, se imaginávamos criar uma máquina simples, [esse tipo de pensamento] era um engano”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de maio de 2024.